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Espaço de comunicação que se espera interactivo, este é um instrumento que permite estar próximo de amigos,presentes e futuros, cujas contingências da vida tornam distantes mas nem por isso menos merecedores de estimas e afectos.


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domingo, 26 de dezembro de 2010

Moral, valores e comportamentos

A sociedade moderna vive um tempo de mudanças crescentes, em que poderemos talvez dizer que a única coisa que se mantém constante é, precisamente, a mudança. Mudança cada vez mais rápida, que as novas gerações aprenderam a encarar com naturalidade mas, os mais velhos, vêem, ainda hoje, com temor e inquietação.
Mudam maneiras de viver e maneiras de sentir. Substituem-se valores que a tradição fixara e se apresentavam, quase, como perenes. Substituem-se por outros, considerados mais adequados a uma realidade vivencial moderna, plasmada de globalidade e variabilidade.

As calendas da contemporaneidade que os inícios de novecentos consubstanciaram, permitiam encontrar ainda, num país à altura predominantemente rural, um corpo de valores éticos e morais, sustentados pela tradição, de contornos comunitários evidentes e uma conexão funcional com as empíricas e autonómicas vivências locais, na afirmação de um espaço geo-social, visto como o “axis mundus” de um cosmos em grande parte estranho e, portanto, pouco fiável.
Tempo que os grupos folclóricos, melhor ou pior, hoje difundem e dos quais preservam a memória de algumas componentes vivenciais, principalmente lúdicas.
Valores em que o respeito pelos mais idosos constituía imagem de marca, símbolos comunitários como a igreja ou o santo padroeiro elementos de identificação e de tutorização sacro-cultural e princípios morais como a honradez, a solidariedade familiar, o respeito pela palavra dada, a cooperação e a ascendência masculina, assentes em normas de direito consuetudinário, sustentavam seculares fórmulas de socialização local, intimamente ligadas ao irracionalismo místico e ao pragmatismo empírico e ruralista.
Valores que resultavam da consolidação de princípios, muitos deles milenares, adaptados às sucessivas condições do percurso civilizacional (em que culturas e religiões se sucedem no tempo) e adequados a funcionalidades sociais e económicas cuja mudança é, algumas vezes, ainda mais lenta.
Era o tempo em que a “palavra dada” era sagrada e selava acordos e negócios, por mais substanciais que fossem. Em que a palavra era uma “escritura”, e o respeito, pela mesma, condição incontornável de alguém fiável e respeitável.
Mas era igualmente o tempo da intolerância face à diferença. Do apertado controle que a coesão social permitia, a bisbilhotice comunitária e de vizinhança garantia, a família exercia e a Igreja se encarregava muitas vezes de justificar, moral e doutrinariamente.
Tempo de um apego, quase inquestionável, a um estilo de vida obrigatório, etapa interminável de uma existência que já tinha marcado inumeráveis gerações.

É que, diferentemente das danças ou cantigas, a moral persiste muitas vezes secularmente e, ao contrário delas, não se transmite fluentemente, como que por osmose, entre grupos sociais diferentes e mais ou menos contíguos.
Porque é intimista e individual e se funda na organização social comunitária. É algo milenar, fruto de princípios que emergem como perenes, adaptados que foram aos imperativos vivenciais.
Grandes mudanças culturais e civilizacionais (a implantação do cristianismo nos séculos IV/V ou o fim do sistema feudal em meados do segundo milénio) com as correspondentes mudanças de valores e de organização social, podem levar (e levaram) a importantes alterações éticas e morais que, no entanto demoraram décadas, senão séculos, a implantar-se.
Não é imutável (nada o é, afinal) mas persiste para lá das vicissitudes conjunturais que afectam as sociedades. A sua mudança é de tal maneira lenta que muitas vezes parece intemporal. Intemporalidade que apenas o doutrinário religioso, também ele conservador, diáfana e lentamente influencia.

Quanto à sua natureza, a moral comunitária é, por definição, local e operativa. Enquadra-se nas vivências tradicionais e fundamenta os seus valores nas funcionalidades do todo social e comunitário.
Aí, por exemplo, nem sempre matar corresponde a um crime, como acontece no actual direito jurídico! Pode corresponder, por exemplo, ao exercício justificável e justificado de um estimável acto de justiça popular!
Ao contrário da burguesia (em termos sincrónicos) e, principalmente, da aristocracia local (num contexto também diacrónico) a família não constitui, aqui, a determinante quase única de necessidades e motivações sociais.
A comunidade (conjunto de famílias extensas, ligadas de forma entrecruzada por laços de parentesco consanguíneo, de afinidade e relações de vizinhança) ocupando um território, reconhecendo-se num padroeiro e partilhando interesses e sentires comuns (entre os quais um intenso sentimento de pertença) ocupa, igualmente, um lugar preponderante
Por isso os valores, sendo especificamente locais e expressos num direito consuetudinário suportado na tradição, não deixam de ser, igualmente, conformes às funcionalidades das vivências comunitárias.
São sociedades de “nós” que se opõem aos “outros” que, nem sequer, são os “vós!”
São os “outros”, de outras terras, de outras aldeias (quiçá, das cidades), supostamente portadores de pressupostos morais não aconselháveis,

Mesmo os valores religiosos (onde a moral se enquadra doutrinariamente) pese embora as suas concepções universalistas, não deixavam, de forma substancial, de se exprimir pela sua adequação e conformidade à cultura local. A religião popular é vista, muitas vezes, como a “nossa”, por oposição “à dos padres” ou, no Ribatejo, que possui socialmente características hierárquicas particulares, a “nossa” que se opõe “à dos ricos”.
A religião tradicional era e é, assim, uma religião comunitária, fornecendo os princípios morais que consolidam e tornam coeso o corpo social. As divindades são xenófobas: defendendo a aldeia contra as outras aldeias, defendendo a nação contra as outras nações.
Deus está aí distante, de alguma forma inacessível, assumindo quase sempre contornos de referencial secundário.
Mais importante é, afinal, o padroeiro(a) (que pode ou não dar o nome à aldeia) estando sempre ligado à sua fundação mítica e presidindo do seu altar na igreja matriz (pela centralidade cósmica que a envolve ou a posição elevada que a avulta), a querelas e disputas, sortes e azares e concedendo graças anualmente repetidas.
A ele, ou ela, se agradecem as magnânimas concessões de fertilidade dos campos e dos gados, em cortejos processionais (que chegaram até hoje) em que jovens supostamente virgens, transportam as dádivas dos primeiros ou dos melhores frutos da terra, como oferendas rituais de agradecimento.

Um santo popular é, neste contexto, uma construção colectiva. Cada um tem dele uma interpretação pontualmente diferente mas, o todo social, cria do mesmo um entendimento padrão e comunitário. Entendimento que é diferente dos outros santos das outras aldeias, mesmo que correspondam à mesma entidade.
Na verdade, a religião popular rural e comunitária é especialmente iconográfica, prática, centrada nas imagens dos santos; enquanto representações físicas do metafísico e com o qual as pessoas estabelecem relações contratuais (vulgo promessas) individuais ou colectivas.
O foco do culto é a imagem e, a imagem, é o santo!
O santo é, aliás, mais ou menos santo, conforme o número daqueles que acreditam no seu poder e, inclusive, na sua preocupação com os mortais. É, assim, função da sua dimensão devocional: em quantidade e qualidade!
O “apego ao santo” é tão convicto como irracional. Uma forma de cumplicidade directa, desencadeada pela configuração mítica e reconhecida eficácia taumatúrgica

Este é o tempo em que a aldeia/freguesia constituía como que o centro do mundo. Ou, se quisermos, um centro do mundo. Um micro-cosmos autónomo e auto-suficiente (em bens e valores) em volta do qual pululava o desconhecido, e donde, esporadicamente, chegavam notícias ou personagens que representavam, de alguma forma, o longo braço de um longínquo poder político. De um poder estatal, durante séculos exterior às lógicas governativas comunitárias.
Era o governo, visto sempre como pronto afogar o povo em impostos, os tribunais cujos esquivos e onerosos meandros legais os tornavam suspeitos de conivência com os poderosos, as autoridades policiais cuja presença, incomum, era quase sempre, prenúncio de “más novas”.
Tudo isto, num mundo eivado, ainda, de contornos endogâmicos, assumidos por inércia, habituação e opção consciente pelo habitual e pelo conhecido, que as relações de vizinhança e teias comunitárias consubstanciavam.
Era o rapaz, filho de boas famílias, quantas vezes “vizinho d’ó pé da porta” como se diz na Beira Interior, ou “do poial da porta”, como se diz nos Açores. Conhecido como bom trabalhador, não “bebedolas”, respeitador; bom rapaz em suma!
Era a moça recatada, trabalhadora, honrada, boa dona de casa, filha de pais acima de qualquer suspeita e, se possível, que se “ajeitasse para a costura”.
Aqui, a comunidade, era a base dos pressupostos, tanto legais, como morais. E nem o facto de tais premissas assentarem apenas em estruturas mentais locais, as tornava menos eficazes e actuantes.
Comunidades em que os “conselhos de vizinhos” (de que hoje ainda subsistem resquícios) constituídos pelos chefes de família, se reuniam regularmente debaixo da árvore secular ou no centro da aldeia, normalmente junto à igreja, em conciliábulos que decidiam sobre os diversos assuntos de interesse comunitário. Inclusivamente morais.

O generalizar do estilo de vida urbano que os novos tempos ocasionaram, veio alterar radicalmente este estado de coisas. As famílias tornaram-se nucleares (e hoje muitas vezes monoparentais) no frenesim da instabilidade profissional e conjugal. As zonas sub-urbanas cresceram em amplexos hercúleos de bairros residenciais. As aldeias do interior, desertificaram-se em fluxos de emigração regional, nacional e internacional.
As concepções mentais comunitárias diluíram-se face à transitoriedade habitacional, às novas vivências socio-culturais e lúdicas e a funções laborais hoje pouco compatíveis com as condicionantes locais.

O desaparecimento destas comunidades está, inclusive, a levar ao desaparecimento dos cultos locais. De uma forma mais lenta, ao esbatimento dos cultos inter-comunitários que as romarias corporizavam.
E, concomitantemente, da moral comunitária que lhe era inerente.
Um novo tipo de âmbito cultual se está a implementar. O incremento do marianismo por diversas razões de universalismo e institucionalização, está a criar (por exemplo) cultos como o de Fátima (o mesmo se poderia dizer, com menor acuidade, de Lourdes ou das Senhoras de Guadalupe ou da Aparecida) em que as respectivas imagens que existem em muitas igrejas de Portugal ou no estrangeiro, constituem simples duplicados da imagem da Cova da Iria. Quanto muito, veículos mais próximos para chegar a ela.
Constituem simples réplicas e não como acontecia localmente (e acontece ainda com os santos e não só), entidades específicas, portadoras de particularidades cultuais e devocionais intrínsecas.
Porque o universalismo tornou o local de culto original universalmente conhecido e lhe conferiu uma dimensão focal que irradia para todo o mundo. Porque a institucionalização lhe confere uma configuração/padrão homogénea (pouco diferenciada) e a impulsiona como imagem iconográfica oficial da Senhora de Fátima.
E ainda (e, talvez, principalmente) porque a importância cultual do santuário de Fátima (hoje altar do mundo católico), tanto na abrangência como na intensidade, esvazia naturalmente outros focos fatimitas, como aliás, tem esvaziado outros centros peregrinacionais um pouco por todo o país: mais intensa e compreensivelmente no centro do mesmo.
É o universalismo moderno aplicado ao sagrado devocional.

A rotura que o 25 de Abril abriu na sociedade portuguesa do último quarto de novecentos, deu início a um processo de mudança sistemático e continuado, pondo em causa estruturas e valores seculares, corroendo morais ancestrais e introduzindo outras bem mais conformes aos imperativos de modernidade.
Mudança que outros países experimentaram bem mais cedo, e que, entre nós, como se sabe, pecou por tardia.
Contudo, se existem aspectos em que a resistência à mudança manifesta particular intensidade são, naturalmente, aqueles que à mentalidade popular dizem respeito.
Na verdade, aquilo que nos identifica hoje como portugueses não é, com certeza, a maneira de vestir, a opção laboral, as referências iconográficas culturais ou desportivas, ou, mesmo, sequer, aquilo que comemos ou bebemos, os filmes que vemos, os jornais que lemos!
É, sim, simplesmente, a maneira de pensar. É o conjunto de valores e princípios morais e éticos, muitas vezes diáfanos mas marcantes, que radicando numa matriz cultural ancestral nos fazem pensar e sentir como portugueses. Ou, como alguns dizem, pensar e sentir em português!
Novos contextos geram, como se sabe, novos valores, enquanto outros vão naturalmente desaparecendo na voragem da mudança, inaplicáveis às condições da vida moderna. Mas o desaparecimento não é imediato e não se faz sem interacções de continuidade. Assim, valores antigos vão, em cada momento, moldando, para o bem e para o mal, as circunstâncias do nosso futuro!
A valores tradicionais associados à honradez, honestidade, discrição, respeito pela palavra dada, humildade, determinismo, comunitarismo, predominância dos mais velhos e cooperação com vizinhos e parentes, sucedem-se, agora, valores sociais, não necessariamente melhores nem piores, mas mais aplicáveis à sociedade actual: tolerância, direito à diferença, democraticidade, criatividade, imagem, ambição, valorização infantil, espírito empresarial, reciclagem, competitividade, etc.
Neste contexto, sectores durante séculos marginais ou acessórios (crianças, mulheres, minorias étnicas, homossexuais, pessoas com necessidades educativas especiais, animais, o próprio meio ambiente), adquiriram uma importância cada vez maior, dando corpo a causas cada vez mais universais.

Não podemos dizer assim, em rigor, que vivemos uma crise de valores! O que vivemos são situações de transição de valores, acompanhando a profunda mudança social em curso.
Mas este processo nem sempre é fluente e harmonioso! Raramente o é, diga-se de passagem!
Muitos valores tradicionais persistem ainda hoje, com resultados, algumas vezes benéficos, outros nefastos.
Persistem, por arreigados às nossas formas de estar e de sentir, mas persistem, igualmente, como mecanismo subtil de defesa, quantas vezes inconsciente, face a uma sociedade (e aos seus representantes) que, infelizmente, nos continua a merecer pouca confiança.

Que Fazer com as Presidenciais?


Enquanto o país definha num triste miserabilismo e se prepara para os maus “presentes” que ao Ano Novo irremediavelmente trará, a campanha eleitoral para a Presidência da República arrasta penosamente o seu calendário perante o alheamento, quase total, de uma sociedade amorfa e desiludida.

A vitória anunciada de Cavaco (não por ter sido um grande Presidente da República mas por “ter sido” Presidente da República) contribui, ainda mais, para uma anestesia política que os órgãos de comunicação (mais por obrigação informativa) vão, esforçadamente, tentando promover.
A luta entre Cavaco Silva e Manuel Alegre é apenas formal e não corresponde, afinal, a uma verdadeira corrida ao cargo presidencial.
Corresponde sim, dir-se-á, a um conjugar de interesses que não têm necessariamente como objectivo a vitória eleitoral.

Para Alegre, é a oportunidade de marcar a agenda política durante meses e de, surgindo como referência, se apresentar como o candidato natural de uma esquerda (embora contrariadamente) unida; de que apenas o PCP (sempre cioso da sua individualidade), não participa.
Oportunidade, eventual, para marcar pontos e ocupar um espaço susceptível de ser potenciado daqui a cinco anos. Tirando partido de uma abrangência que, é um facto, mais ninguém possui entre os potenciais candidatos de esquerda.
A cereja no bolo é o apoio relutante do Partido Socialista, entalado entre apresentar um candidato próprio igualmente não vencedor e obtendo um resultado (face às actuais conjunturas e às deficientes disponibilidades) necessariamente irrisório ou engolir o sapo de apoiar Alegre que, afinal, é militante socialista, embora, de um ponto de vista socrático, pouco menos que insuportável.

Já para o Bloco de Esquerda, tudo se resume a surgir como tendo pela primeira vez uma palavra a dizer na escolha presidencial. Ter sido o motor de arranque de uma candidatura que representa a oposição de esquerda e obriga o PS a um papel secundário.
Um passo em frente no seu processo de afirmação.
Daí o seu especial empenho na mesma!

PS – Ah! E entretanto, está aí o Natal! Lembranças mercantilistas de um tempo em que ainda acreditávamos no Pai Natal. Nas renas voadoras e nos reis magos. Em estrelas guias, anjos trombeteiros e deuses nascidos em manjedouras ao badalar da meia-noite!
Em suma, em que ainda acreditávamos!

A Transmutação da NATO

A recente reunião da NATO, em Lisboa, consagra e formaliza a transformação de um organismo internacional e regional de defesa, numa organização mundial (global, dir-se-á agora) de… ataque!
É claro que sempre se pode dizer que qualquer situação ou acção verificadas nas antípodas do mundo põem em causa a segurança ocidental, justificando, assim, uma intervenção correctiva. E como a melhor defesa é o ataque!
Eis assim, como que por milagre, um organismo surgido da “guerra fria” (hoje anacrónica) se reformula em contextos actuais e globais de poder onde persiste uma grande potência (dando mostras de algum declínio), provavelmente como entre-acto de uma futura e bem diferenciada configuração estratégica que se esboça e anuncia.

Neste “intermezo”, os devaneios do impagável “G.I. Joe” Busch continuam, ainda, a cobrar consequências previstas e imprevistas. E a perpetuação da guerra no Iraque e no Afeganistão, ameaça esgotar recursos materiais e anímicos de uma América mais vulnerável que décadas atrás.
À necessidade premente de abandonar tais palcos bélicos, apõe-se a necessidade de não sair sem garantir aí, pelo menos, um simulacro mínimo de sustentabilidade.
Isto é, um país minimamente estável com um governo minimamente perdurável.

Algo que se não permite cantar vitória, não crie, pelo menos, a imagem de uma “saída de rabo entre as pernas”.
Mas, para isso, é necessário mais uma vez reforçar as forças militares de ocupação. E, para isso, é preciso mais envolvimento, mais recursos, mais soldados, mais custos.
Que alguém tem de pagar!

Esta transformação da NATO, não só legitima, assim, as futuras intervenções norte-americanas, um pouco por todo o mundo, como reparte de forma mais alargada os respectivos custos daí decorrentes.
Partilhados assim, inclusive, por países que, sendo ocidentais, não têm nos últimos anos mostrado muita vontade de alinhar no aventureirismo ianque.


PS - A recente declaração de Moita Flores, “aceito pegar num grande desafio como Cascais, Oeiras ou Almada”, feita ainda antes do meio do mandato e disponibilizando-se para, a curto prazo, mudar de armas e bagagens para outras paragens, não foi particularmente feliz.
Mesmo desconhecendo em pormenor o contexto em que foi produzida, dela resulta a imagem de uma ligação a Santarém não só transitória, como ocasional.
Uma etapa menor de um percurso autárquico pessoal!

Empresas Municipais de Cultura

Iniciaram-se recentemente as actividades da nova Empresa Municipal de Cultura e Turismo da Câmara Municipal de Santarém, que dá pelo nome de Cul.Tur, no contexto de uma estratégia de reorganização administrativa que se vem tornando comum e que radica, afinal, na tentativa de revestir de contornos empresariais certos sectores da administração pública, neste caso, local.
A ideia é ultrapassar hábitos adquiridos em décadas de administração pública (vícios, se quisermos), implementando aí uma cultura empresarial, própria das organizações privadas (por definição competitivas) obtendo-se, assim, índices maiores de produtividade.
O processo passa por afastar alguns recursos endógenos e chamar outros mais ou menos exógenos, de forma a enquadrar a maioria os funcionários municipais numa estrutura organizacional que estimule e recompense a eficácia e a dedicação.
É, contudo, uma estratégia que deixa algumas dúvidas!
Na verdade, muitos dos que são afastados não deixam de se manter como custos (não aproveitados) e os que vêm de fora correspondem, naturalmente, a encargos acrescidos. Muitas vezes, bastante significativos.
E as vantagens da eficácia organizacional nem sempre são evidentes!
Afinal, a maioria das pessoas continuam a ser as mesmas, eivadas de hábitos arreigados, contíguas a departamentos que continuam a lógica do funcionalismo público e, tais reconversões, são normalmente alheias ao conhecimento adquirido que só a experiência pode facultar.
Em suma, mais despesas mais ou menos certas (em organismos já depauperados) e duvidosas vantagens operativas.
A que se soma, quase sempre, uma clara subversão de competências, por exigências de lealdade e confiança pessoal e política.
Embora neste último caso, se possa dizer, tratar-se de algo recorrente em qualquer reestruturação orgânica ou simples alteração de poder político, municipal ou não!

Touradas em saldo

Neste país que, convenhamos, já conheceu melhores dias, a única medida económica positiva que conseguimos descortinar nos últimos tempos (em que temos sido sistematicamente bombardeados com previsões orçamentais de aumentos de impostos, encargos administrativos, subidas de preços e diminuições de salários e rendimentos), parece ter sido a organização, em Santarém, de uma mão cheia de espectáculos taurinos a um euro por cabeça!
Constituiu tal, com certeza, uma importante contribuição para manter os níveis de inflação em limites controláveis. Honra lhe seja feita!
Espera-se, agora, que a estratégia seguida possa vir a ser alargada a outros bens e serviços, nomeadamente aqueles de primeira necessidade, que a crescente pobreza nacional torna cada vez mais necessários e difíceis de obter.
Seja como for, num país em que a classe política que nos calhou em sorte, parece incapaz de nos tirar do buraco em que nos meteu, o facto de alguém ter conseguido pôr os agentes taurinos (que raio de nome) a actuar graciosamente (ou quase) é algo que não podemos, nem devemos, deixar passar em claro.
Lá dizia a UDP, nos saudosos anos do PREC: “os ricos que paguem a crise!”
Portanto, parafraseando o meu amigo Catrola, aficionado de quatro costados e admirador, confesso, do Presidente da Câmara:
Moita Flores a Presidente, já!

PSD (Post-Scriptum mais Desenvolvido) – É claro que houve logo quem criticasse tão meritória iniciativa, argumentando com os mais prementes e importantes problemas que se põem, hoje, à sociedade portuguesa.
Defendendo que, quando a questão nacional tem a ver com níveis de sobrevivência e de independência económica e com o crescimento descontrolado dos índices de pobreza, a razão de ser (ou não ser) da festa brava, constitui um assunto deslocado e insignificante! Irrisório, afinal!
Considerando que esta, se calhar, é sim uma daquelas alturas de “enterrar os mortos e tratar dos vivos”! Dos Homens, que não dos touros, é claro!
Capazes de dizer, sei lá, que esta acção acaba por servir para, precisamente, fazer esquecer males maiores (assim os males se esquecessem de nós) e para o pavonear marialvista de grupos sociais privilegiados, aqueles de quem as crises fogem como o diabo da cruz. De pessoas que, em tempo de vacas magras, se podem dar ao luxo de engordar bois, para os emagrecer depois em galináceas lutas, para povoléu ver e figurão aparecer!
Ou entender, ainda, que se já nem “pão” podemos dar ao povo, o vamos entretendo, entretanto, com doses extras de “circo!”
As coisas que se dizem!!

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Não percebem!


Durante vinte anos a defunta Região de Turismo do Ribatejo ficou conhecida pela realização anual do Festival de Gastronomia de Santarém (o pai de todos os festivais gastronómicos) que repôs Santarém no mapa turístico nacional, sem que daí, contudo, viessem a advir substanciais vantagens não só para a gastronomia regional como para a própria urbe escalabitana.
Fechado sobre si próprio, o Festival de Gastronomia nunca conseguiu a ambicionada relação simbiótica com a cidade onde se realiza e que constitui, afinal, a entidade determinante na sua organização.
Enquanto tal acontecia e com muito menos badalação (e dedicação institucional, já agora), em grande parte por acção de Bertino Coelho Martins (na altura, ligado à mesma), a Região de Turismo do Ribatejo promoveu a organização de oito Congressos de Folclore e Etnografia do Ribatejo em diversos concelhos da Região.
Congressos, dos quais resultaram os indispensáveis fóruns de debate e, mais importante ainda, um conjunto de edições, consubstanciado em mais de uma centena de estudos publicados. Estudos de antropologia, musicologia, etnografia e história local, numa região, até aí, extremamente carente deles!
Estudos que constituem, ainda hoje, um acervo documental como nunca tinha existido!
Mais que os debates e comunicações aí apresentados, foram deste modo as publicações, a herança maior deixada pelos congressos do Ribatejo às novas gerações, bem como aos estudantes e investigadores.
Não admira, assim, que estas constituam as obras mais consultadas nas bibliotecas municipais da Região que têm o privilégio das possuir!
Em 2007 realizou-se, na Azambuja, o último Congresso de Folclore e Etnografia do Ribatejo. Como habitualmente, foi assumido pela Região de Turismo do Ribatejo o compromisso da edição das actas e comunicações aí apresentadas.
Já sem Bertino Martins, o compromisso foi-se diluindo. Com a constituição da Entidade Regional de Turismo, fez-se de conta que não existia!
Edição que, esclareça-se, face ao orçamento da ERT, constitui um quantitativo mixoruca, quase vestigial.
Contactada por mais de uma vez, a tal entidade (que parece alheia à valorização das identidades) tem feito ouvidos de mercador!
Entretida, com certeza, nas suas guerrilhas salariais internas. Esgotadas, provavelmente nas lides gastronómicas e afins, as suas, pelos vistos, incipientes energias!
Não percebem, ou não querem perceber, que aquilo que desvalorizam é, afinal, a cultura tradicional portuguesa, de que a tal gastronomia (tão mediática no “reino de sebastiões” que somos) é, apenas, uma pequena parte.
Não percebem que é o conjunto das nossas raízes culturais tradicionais que nos fazem ser o povo que somos! É o todo que, até por definição, é mais que a soma das partes! De todas!
Não percebem, que numa participação cada vez mais menorizada na Europa, são as matrizes culturais um dos poucos domínios que podemos apresentar ao nível dos nossos parceiros europeus.
Não percebem que o próprio turismo (de que é suposto serem promotores) é cada vez mais cultural: chamemos-lhe patrimonial, rural, religioso, étnico, etc.
Assente em dimensões tangíveis e intangíveis, mas, de uma forma ou doutra, radicando na matriz tradicional.
Aquilo que os grupos de folclore, as associações de defesa do património cultural e instituições afins, melhor ou pior, pretendem defender.
Aquilo que vocês em grande aparte desprezam ou, pelo menos, menosprezam.
Agentes turísticos, que são, que só promovem aquilo de que gostam e os promove e, só gostam de promover, aquilo que conhecem e lhes dá jeito.
E conhecem tão pouco!
Enfim! Com dirigentes destes não admira estarmos onde estamos! Na cauda de uma Europa a várias velocidades, na última carruagem do desenvolvimento, em perigo eminente de descarrilar.
No “cu de judas”, afinal!



Aurélio Lopes, Bertino Martins, Ludgero Mendes,
Luís Nazaré, Manuel João Barbosa, Manuel José Menino

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Ponderar o Ribatejo


Revestiu-se do maior interesse, o debate organizado, sábado, dia 18, pelo Forúm Ribatejo e pelo Correio do Ribatejo, destinado a reflectir de forma clara e sem tabus sobre o passado próximo e o presente de Ribatejo bem como sobre as suas previsíveis evoluções futuras.
Segunda iniciativa do género, esta insere-se num projecto de debates regionais a realizar em diversos concelhos da região, com organização endógena e subordinados a problemáticas regionais e locais.
O aproveitamento do capital turístico e do lazer das zonas ribeirinhas, foi o tema da discussão realizada em Maio, no Patacão, em Alpiarça.
A conservação e promoção das paisagens do Vale do Tejo e zonas limítrofes (desde a “lezíria” à “serra”, passando pela “charneca” e o “bairro”) será temática a discutir, a 30 de Outubro, em Rio Maior.
Apesar de estar uma prazenteira tarde de sábado, a convidar outros espaços, o espaço do Forúm Mário Viegas agregou algumas dezenas de convidados interessados em ponderar o Ribatejo e ouvir os oradores (também convidados) Carlos Guedes de Amorim, Francisco Moita Flores, Luísa Mesquita e Paulo Fonseca, despidos (temporariamente) de cargos e funções partidárias.
Foram assim discursos, grosso modo, menos formais e institucionalizados. Menos feitos para audiência ouvir e jornalistas registarem. Mais próximos da compreensão de uma realidade multifacetada e heterogénea, na qual se cruzam interesses diversos, legítimos ou não, justificados ou não.
Consonantes foram as críticas à divisão artificial do Ribatejo que enfraquece decididamente a sua capacidade de influenciar futuras decisões regionais. À marca Tejo e a uma visão estereotipada das identidades nacionais. A uma visão megalómana do desenvolvimento urbano, preferindo as grandes infra-estruturas e o crescimento em altura, ao crescimento harmonioso condição, afinal, de qualidade de vida.
Consonantes, ainda, as percepções de que o Ribatejo possui, apesar de tudo, potencialidades que importa relevar e promover. A capacidade patrimonial e turística das paisagens ribatejanas, o património monumental, o turismo religioso, a fertilidade agrícola, a sua situação de charneira rodoviária nacional, e uma identidade (ou se quisermos um conjunto de identidades) específicas e marcantes.
O que nos leva a pensar se o problema do Ribatejo não são, vistas bem as coisas,… os ribatejanos!
Aurélio Lopes

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Capitalidades

Recentes proximidades com entidades museológicas ribatejanas, têm-me feito descobrir (e, nalguns casos, redescobrir), uma realidade cultural a que não tem sido dado o devido valor.

Instituições não sediadas em grandes cidades, nem ligadas à grande monumentalidade, mas cada vez mais conformes as modernas exigências da museulogia. No importante material exposto (fruto de novas e velhas pesquisas), nas formas inovadoras de exposição, nos rigores interpretativos e classificatórios e, ainda, cada vez mais, na importante vertente pedagógica, lançando mão, inclusive, da dimensão virtual.
Etnográficos como o Museu do Vinho do Cartaxo, o Museu Rural dos Riachos, o Museu Etnográfico da Glória do Ribatejo, o núcleo museulógico de São João da Ribeira ou o Museu Sebastião Arenque da Azambuja. Ou, ainda, museus municipais de forte vocação arqueológica, à semelhança dos de Coruche ou de Mação.
Todos, à sua maneira, preciosos. Que, aliás, nos fazem reflectir, a propósito, acerca da conhecida analogia das “pérolas” e dos “porcos”!

A não existência de uma simbiótica sincronia promocional entre estas e outras instituições similares (situadas em cidades como Santarém, Tomar, Torres Novas, etc.,…) e as diversas entidades turísticas regionais (tenham elas o nome que tiverem), num contexto patrimonial mais vasto que englobasse, igualmente, a monumentalidade ribatejana, as diversificadas paisagens da região, o património mais ou menos intangível, as festividades cíclicas e o turismo religioso cada vez mais importantes (enquadrados todos eles, naturalmente, na matriz tejana), é lacuna cada vez mais visível e evidente!

Por outro lado, a inexistência em Santarém (capital de distrito e pretensa líder regional) de um museu etnográfico veiculador das matrizes culturais regionais, é incongruência que salta à vista do mais distraído!
A tentativa frustrada da criação do Museu Distrital que, ainda hoje, tanto quanto sei, conserva armazenadas peças sem destino nem futuro, constitui apenas mais um episódio de uma capitalidade marcada pela ineficácia de décadas.
Imagem, afinal, do Ribatejo que temos!

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Medo e vergonha

A queixa por maus tratos domésticos por parte do companheiro, feita por Isaura Morais, actual Presidente da Câmara Municipal de Rio Maior, constitui um episódio que marcou a agenda noticiosa regional nos últimos dias.
A explicação da autarca para só agora ter denunciado uma situação não recente (só agora “senti que tinha apoio para isso”) surge-nos como particularmente significativa e sugere, afinal, todo um mundo, oculto, de vergonhas, medos e incompreensões.

Estamos a falar de uma pessoa instruída, casada em primeiras núpcias com um antigo vereador, Presidente da Junta de Freguesia de Rio Maior, candidata vencedora e actual Presidente do respectivo Município.
Não, propriamente, da Ti Maria das Dores, camponesa e analfabeta, residente em Carquejais no interior, mais remoto, do concelho de Sátão.
E, mesmo assim, só agora a mesma “sentiu que tinha apoio” para tomar uma atitude que, em Portugal, ainda é (e não deveria ser) um acto de coragem!

Porque a lei não protege, nestes casos, convenientemente, as vítimas!
Porque a sociedade não compreende muitas vezes a reacção das mesmas, olhando-as como alguém “coitadas”, que “tiveram azar na vida”, mas a quem, agora, só resta sofrer, de preferência em silêncio, “ganhando assim (definitivamente), o céu!”
Porque as autoridades não encaram conveniente a situação, desvalorizando-a e desencorajando as denúncias, dentro da tal asserção popular (que também enforma a anterior perspectiva social) que “entre marido e mulher não se mete a colher”.

Não admira, assim, que embora sujeitas a agressões diárias e continuadas, mesmo as vítimas pertencentes a classes sociais mais elevadas tenham muitas vezes dificuldades em obter “apoio” para tal decisão: apoio moral, social e, quantas vezes, de segurança e integridade física!
Que tenham dificuldade, afinal, em reivindicar um dos mais básicos direitos individuais; o direito à protecção contra a violência, explícita e interminável, seja ela de que natureza for e venha de onde vier!

sábado, 26 de junho de 2010

Morreu José Saramago


Morreu José Saramago!
Personagem controversa, constituía, contudo, a mais importante figura da actual literatura de língua portuguesa.

Figura que, para uns, era um mal disposto crónico, plasmado das certezas que o marxismo induz. Para outros, uma pessoa de ideias próprias, sem paciência para um mundo onde domina a lógica de rebanho e a ilusão do faz de conta.
Para uns, alguém que desmistificando mitos ancestrais, não receou enfrentar a toda-poderosa hierarquia católica. Para outros, alguém que se serviu de uma imagem conveniente de “anti-cristo” para potenciar, ainda mais, a promoção das suas obras.

A sua morte lançou mais uma vez a polémica!
Para alguns, o Estado não soube separar diferentes (mas naturais) visões do Mundo, do facto incontroverso de se tratar de um dos poucos portugueses de dimensão mundial. “Anti-fachista” e personalidade de inegável sentido de justiça social.
Outros, argumentam com a sua perspectiva totalitária e com o facto de “não ser um democrata” e “defensor, inequívoco, da liberdade”.

Todos, naturalmente, absolutamente convictos da sua verdade! Sem perceber, aliás, a relatividade das coisas!
Afinal, a liberdade permite e fomenta a desigualdade e pode reduzir a justiça social a níveis, muitas vezes, incipientes.
Já a limitação da mesma (chamemos-lhe assim), embora possa impor níveis de justiça e equidade maiores, acarreta formas de imposição e coerção que tolhem e oprimem a autonomia individual.

O ideal seria viver numa sociedade, simultaneamente, mais justa e mais livre!
Enquanto isso não acontece, vamos defendendo sistemas políticos que impõem coercivamente a justiça social ou permitem, livremente, discriminações e desigualdades várias.

Sem que, em qualquer dos casos, nos possamos vangloriar dos mesmos constituírem um ideal simultaneamente sublime e realizável.
Pelo menos, inequivocamente sublime e inequivocamente realizável.


Aurélio Lopes

A esfinge tejana


Do alto da colina, em atalaia, a esfinge, intemporal, observa a planície a seus pés!
- O grande rio, matriz genética da Região, cuja vestuta idade exigiria bem mais respeito.
- As aldeias avieiras do Patacão, das Caneiras e da Palhota, imagens paradigmáticas de um património turístico-cultural desprezado.
- A zona ribeirinha de Santarém, cuja recuperação se projecta numa eternização futura.
- O Palácio da Rainha, na Azambuja, provavelmente o maior desperdício de turismo fluvial do país.
- Os incontáveis e estivais festivais de folclore. Recorrentemente, cada vez mais “festivais” e, menos, “de folclore”!
- A persistência, difícil, da festa brava. Fruto de conflitos entre as razões da tradição e os imperativos de modernidade.
- A anacrónica divisão administrativa do Ribatejo; criação inolvidável dos inúmeros e antagónicos lobbys políticos. Responsáveis, afinal, pela actual situação de apêndices regionais da Grande Lisboa e agora, até, do Alentejo.
- Uma prosaica classe política; maioritariamente amorfa, egoísta e incompetente.
- O cheiro peculiar do Alviela, cuja problemática odorífera flutua entre uma excessiva quantidade de dejectos, uma excessiva insuficiência de água e uma excessiva (e particular, dir-se-á) sensibilidade dos seus peixes.
- A Feira Nacional da Agricultura, cada vez menos nacional e em que, apenas, as atracções circenses vão mantendo um populista simulacro de grandeza!
E enquanto o mundo, em seu redor, permanece, a esfinge tejana observa, impassível!

Aurélio Lopes

sábado, 29 de maio de 2010

O Visitante de Saturno

Estes terráqueos são loucos!
Uns mais outros menos, claro, mas sensatez é algo que, ao que parece, não abunda neste mundo interior do sistema!
Há alguns anos saturninos que me venho debruçando sobre esta espécie indígena do terceiro planeta e, ainda hoje, muitos dos seus comportamentos constituem para mim um completo e absoluto mistério.
Raramente dizem o que pensam e, muitas vezes, nem sequer pensam o que dizem!
É vê-los, impassíveis, cogitar uma coisa, dizer uma outra e fazer quase sempre uma terceira, algumas vezes, por incrível que pareça, literalmente contrária!
Por exemplo, no seu desporto mais popular, “o futebol”, a atitude típica de “despedimento” de um “treinador” parece exigir, previamente (e por mais absurdo que seja), um reafirmar público da solidez do seu contrato e um firme desmentido da eventualidade, mesmo que remota, de uma rotura. Por outro lado, “dar os parabéns” a um árbitro pelo seu desempenho parece querer dizer, pura e simplesmente, que o mesmo foi particularmente desonesto!
Esta lógica alienígena é, de facto, de loucos!
Nos últimos tempos tenho dirigido a minha atenção para uma pequena e peculiar nação localizada no extremo ocidental do grande continente a que os terráqueos chamam “Euro-Ásia”. A análise das suas emissões electromagnéticas (que aqui se designam por T. V.) revela-nos os mais excêntricos comportamentos e mostra-nos que, à semelhança de todos os outros, também estes humanos são dotados de uma moral algo tortuosa e de uma ética pouco menos que inacessível às espécies galácticas mais evoluídas. Aí, os rituais de acasalamento constituem uma verdadeira obsessão!
Uma observação, mesmo que superficial, mostra-nos cobaias impiedosamente acorrentadas e expostas publicamente, utilizando-se tal indignidade, ao que parece, para estudar formas sexuais e de sedução em situações limite. Vítimas indefesas são encarceradas por longos períodos, com certeza para analisar as tensões sociais e os mecanismos de acasalamento que se desenvolvem nas permanências em espaços fechados, bem como avaliar os níveis de agressividade daí decorrentes.
Parece que dantes usavam “ratos”. Ainda não é perfeitamente claro porque passaram a utilizar pessoas!
Aliás, mesmo a utilização de animais inferiores neste tipo de experiências é, como se sabe, uma problemática candente um pouco por toda a Galáxia. Agora, utilizar animais sapientes (pelo menos pretensamente sapientes) e ainda por cima da mesma espécie, eis um costume capaz de chocar o mais volúvel dos Sirianos!!
Mas este tipo de absurdos perpassa toda a sua vivência. Queimam folhas secas de uma planta a que chamam “tabaco” ingerindo o fumo de que são muito gulosos. Mas enquanto o consumo desta substância é perfeitamente legal e até prestigiado (aliás à semelhança de outras como o “álcool” ou a “cafeína”) algumas como a “marijuana” e o “haxixe”, de natureza idêntica e gravidade semelhante, são terminantemente proibidas e os seus consumidores (tão viciados como os outros, assinale-se) estigmatizados e marginalizados!
Há aqui, com certeza, qualquer coisa que me escapa!
Um aspecto particularmente curioso respeita ao comportamento dos seus líderes e dirigentes a que, na linguagem indígena, se chama “políticos”. Estes são personagens assaz peculiares que falam profusamente “do povo”, “pr’ó povo” e “pelo povo” mas curiosamente, não parecem apreciar, especialmente, a sua presença! Apregoam aos quatro ventos serem apenas motivados por inexcedíveis “espíritos de missão” e de “sacrifício pelo bem público” mas, paradoxalmente, parecem resistir a todos e mais alguns esforços desenvolvidos para os aliviar de tão penoso fardo!
Tendem a agrupar-se em estruturas associativas denominadas “partidos”, supostamente constituídas por “políticos” com ideias e ideais semelhantes. Tais semelhanças não são, porém, muito perceptíveis para um observador externo. Na verdade, a competitividade herdada do seu passado “primata e predador” é permanente, e adquire até, muitas vezes, contornos violentos, principalmente quando em disputa determinados lugares a que aqui, por razões obscuras, se denominam “tachos”.
E, incongruência das incongruências, tudo isto acontece enquanto estes e outros dirigentes do mesmo grupo vão proferindo publicamente discursos atrás de discursos, salientando a invulgar coesão interna e a inexcedível solidariedade partidária!!
Enfim! Sei que a exo-biologia é a ciência do surpreendente! Mas,... (por Zarkan!) como é que uma espécie que cultiva assim a irracionalidade conseguiu, até hoje, sobreviver?!
O seu sistema governativo, por exemplo, assenta naquilo a que chamam “democracia”: uma espécie de populismo controlado semelhante ao nosso período pré-Zarkiano. É suposto que, nesse contexto, quanto maior for a participação popular (tanto eleitoral como de acompanhamento das decisões tomadas) mais forte e saudável é o “sistema democrático”. É suposto!
Apesar disso os discursos políticos são incompreensíveis para a larga maioria da população! Mais ainda, alguns são até incompreensíveis em absoluto, isto é; não só não dizem nada como não pretendem dizer seja o que for!
Parecem funcionar apenas como uma espécie de soporíferos; fórmulas estereotipadas destinadas a sugestionar pela forma e a cativar audiências. São assim como mecanismos de verbalização hipnótica que estes hominídeos parecem particularmente apreciar.
E eu que podia estar confortavelmente estudando os “homens-lagartos” de Procrion ou os “vampiros energéticos” de Belteugese! Quem me mandou optar pelos esquisitóides dos terráqueos?!
Ainda agora, após toda a classe política ter feito profissão de fé na necessidade urgente de aumentar a participação dos “portugueses” (nome que estes alienígenas dão a si próprios) tanto na vida pública como política (na sequência, aliás, de uma “eleição” escassamente concorrida) o governo prepara-se para aprovar uma lei para os “municípios” (espécie de governos locais) que na prática retira aos pequenos “partidos”, aos “independentes” e às “organizações cívicas” toda e qualquer possibilidade de intervir na política municipal!
E dizer que é esta a espécie dominante no planeta!
Aliás, penso até que estes espantosos dados irão relançar a velha questão filosófica de saber se as espécies planetariamente dominantes terão de ser sempre, e forçosamente, espécies sapientes!

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Anestesiados

O país está em crise!
Nada a que não estejamos habituados! Afinal, é a trigésima sexta crise desde o 25 de Abril!
O país está desmotivado!
Sem chama nem alma!
Já nem os inegáveis atributos oratórios do Senhor Engenheiro (que, assim como assim, bem podia ter encomendado uma licenciatura em Direito) nos conseguem animar!
O país está descrente!
Há muito que não acreditamos nos dirigentes deste país!
Mas agora, nem estes parecem acreditar em si próprios! Ou pelo menos, acreditar que nos possam fazer acreditar de novo!
O país está anestesiado!
Já não reage. Já não “tuge nem muge”!
Aceita passivamente, os escandalosos aumentos da gasolina, em situação bem diferenciada do mercado energético!
Os índices desesperantes de desemprego e o, cada vez maior, emprego precário!
Os brutais aumentos imediatos dos impostos (directos e indirectos), por aqueles que se comprometeram a não os aumentar.
O aumento mediato da carga fiscal que a construção, manutenção e previsível défice de exercício corrente do TGV vai originar, num país cuja “tanga” se parece cada vez mais com um elegante “fio dental!
O país está resignado!
Acabrunhado! Convencido da inevitabilidade das coisas e da inutilidade de as contestar!
Já não se indigna com as repetidas fraudes e corrupções que parecem fazer do nosso um país de corruptos!
Já não se reconhece nas forçadas expectativas de um hipotético brilharete no Mundial, esforçadamente repetidas pelos responsáveis da Selecção!
Já não se entusiasma com a visita do Papa!
Já não se revolta com a inqualificável eternização do Processo Casa Pia!
Pelos vistos, as únicas coisas que ainda fazem parte significativa do país vibrar, são as vitórias do Benfica!
O que até pode ser gratificante para o clube!
Mas é, com certeza, deplorável para o país!

Aurélio Lopes

segunda-feira, 10 de maio de 2010

O princípio de Peter



Já não é a primeira vez que me refiro à ideia brilhante de substituir a marca “Vinho Ribatejo” por “Vinho Tejo”!
Na sequência da morte anunciada do Ribatejo enquanto comunidade administrativa seja de que natureza for, esta última decisão corresponde essencialmente ao colocar solene da lápide; suficientemente pesada para que o dito nunca mais se lembre de ressuscitar!
Decisão que se reveste, aliás, de contornos particularmente aberrantes!
Atente-se: abdicar de uma marca já conhecida (e o mais difícil é torna-la conhecida), supostamente positiva e bem identificadora da localização produtiva, em prol de uma marca nova, logo desconhecida, susceptível até de ser coincidente com marcas espanholas (actuais ou futuras) provavelmente mais poderosas comercialmente, corresponde, à primeira vista, a uma macarrónica opção que só mentes distorcidas poderiam arquitectar.
É um daqueles momentos em que lembramos o “Princípio de Peter” e a relação directa que o mesmo estabelece entre o êxito social e político e as limitações intelectuais. Mais precisamente, aquele que diz que “qualquer pessoa ascende socialmente até atingir o seu respectivo nível de incompetência!”
Aliás, leva-nos inclusivamente a pensar qual terá sido a delirante razão que levou, afinal, à tão, á primeira vista, estapafúrdia decisão.
E, desde logo me ocorrem três, qual delas, no entanto, a mais absurda.
A primeira é que a palavra “Ribatejo” lhes seja tão abominável (fruto, com certeza, da estigmatização politica praticada nas últimas décadas) que qualquer utilização do mesma seja vista como uma insuportável heresia e os seus utilizadores, sei lá, como insuportáveis traidores ou retrógrados!
A segunda é que se trate (no contexto, aliás, das brilhantes considerações “petersianas” atrás traçadas) de simples e pura incompetência!
A não ser, como dizia há dias um amigo meu, que seja consequência directa de ter sido uma decisão tomada na parte da tarde!
Afinal, sabe-se bem como é que aquele pessoal ligado ao vinho fica depois de almoço!

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Personagens e actores

Confrontando-se com a escassez de elementos masculinos entre os seus componentes, alguns agrupamentos folcoricos têm optado por transvestir algumas raparigas, vestindo-as com trajes masculinos e criando assim um simulacro de representação que podemos definir como algo burlesco.
Ora bem, os novos condicionalismos sociais que fazem dos nossos jovens indivíduos dotados de outras perspectivas e sujeitos de outras motivações, vai retirando aos grupos folclóricos o papel tradicional de elemento social integrador e oportunidade basilar de convívio um pouco por todo o país e, pontualmente, pelo estrangeiro.
Assim o seu papel de aglutinador de anseios e expectativas vai-se naturalmente diluindo. E a sua capacidade mobilizadora, naturalmente decaindo.
È mais um efeito da mudança social em curso, sobre a qual os responsáveis desta área, nomeadamente a Federação, se deveriam debruçar! Se, naturalmente percebessem, pelo menos, o que isso é!
Perceber, por exemplo, que os grupos folclóricos têm, cada vez mais, obrigação de fomentar e diversificar as suas capacidades de atracção de novos elementos. Diversificando iniciativas e formas de representação. Delegando competências directivas e não só! Contextualizando os padrões culturais apresentados. Atraindo jovens e não jovens sensibilizados para as questões culturais e patrimoniais e não apenas para a actividade recreativa da dança, de motivação mais intensa mas muito mais efémera.
Já não chega, hoje, simplesmente existir! É preciso algo mais!
É assim normal que alguns grupos se vão debatendo com lacunas nas suas fileiras. De raparigas e mais frequentemente de rapazes, ainda hoje (apesar de tudo), com mais autonomia social e alvo de maiores solicitações lúdicas.
Isto e o facto de muitos responsáveis por agrupamentos não fazerem, muitas vezes, ideia da matriz conceptual que está ligada à representação folclórica, leva-os a fazer disparates desses.
É um facto que, como o nome indica, a apresentação de um espectáculo de folclore é, enquanto actividade, essencialmente uma representação. Composta de um conjunto de personagens que resultam do desempenho de determinados papéis por um determinado conjunto de actores.
È também um facto que, em última instancia, o encarnar de qualquer personagem pode ser desempenhado por um qualquer actor: homem ou mulher!
È até verdade que nos primórdios do teatro só os homens eram actores, desempenhado aí, indiferentemente, papéis masculinos e femininos.
Tudo isto é verdade!
Mas...
Mas, não estamos no século XVIII, em que a uma mulher minimamente respeitável era interdito participar em qualquer espectáculo. Principalmente público!
Nem a representação folclórica é, enquanto essência, semelhante à representação de uma peça teatral de autor, cuja reinterpretação ou manipulação apenas tem limites nos limites da criatividade artística do encenador ou dramaturgo.
Uma representação folclórica pretende ser uma aproximação o mais rigorosa possível, às vivências seculares; preferencialmente representadas tanto na forma como no conteúdo.
Quer isto dizer que colocar homens a fazer o papel de mulheres ou, como é o caso, mulheres a fazer o papel de homens surge como uma incongruência no contexto socio-cultural da representação.
Numa representação que tenta recriar em palco (e não só) de uma forma coerente, o modelo vivencial ancestral em que se movimentavam os membros das comunidades aí representados, tal subterfúgio soa, naturalmente, a falso!
È afinal tal situação é absolutamente desnecessária!
Por isso é um erro maior ainda!
É que os grupos folclóricos não têm que ter (como muitas vezes se pensa) nem um determinado número de pares (“requeridos” apenas por razões de eficácia coreográfica, a maior parte das vezes falaciosas) nem, naturalmente, o mesmo número de rapazes e raparigas.
Se se der o caso dos rapazes serem em maior número, tudo se resolve gerindo em alternância a participação dos mesmos No caso referido (excesso de raparigas), a solução é ainda mais simples: simplesmente porque, as ditas, dançavam tradicionalmente, muitas vezes, umas com as outras!
Por razões diversas, em alturas diversas, de forma temporariamente mais breve ou demorada mas, principalmente, de forma natural, espontânea e... frequente.
Deste modo, se encarada enquanto mecanismo de representatividade, tal situação (ao invés de um défice) pode e deve ser encarada, até, como uma mais valia!
Para isso, contudo, muitos dos responsáveis dos grupos folclóricos para quem estas coisas são a “quadratura do círculo”, terão de parar um bocadinho para pensar!
Eu sei que essa coisa de pensar, muitas vezes, faz dores de cabeça! Mas,... façam lá um esforçozinho!
Comecem por fazer esta pergunta: o que é que eu estou a aqui a fazer? O que é que eu quero representar?
Vão ver que vão chegar à conclusão, que pretendem (nem mais nem menos), que representar os bailes e iniciativas afins que, duma forma ou doutra, em tempos idos, animavam as nossas comunidades especialmente do interior; as nossas aldeias rurais se quisermos.
Depois, só têm que saber como eram os tais bailes! Qual a lógica e a funcionalidade dos mesmos!
Em suma,.. têm que saber como era, para puderem, agora, contar como foi!
Será que é assim tão difícil?!!


Forum Ribatejo


O tratamento de polé que o Ribatejo tem merecido dos seus dirigentes políticos (afinal aqueles que mais o deveriam ter defendido) levou recentemente á criação de uma singular movimento, denominado “Fórum Ribatejo”, dedicado ao estudo, defesa e divulgação da cultuar ribatejana.
Movimento singular, este, desde logo pela sua abrangência: englobando pessoas todos os concelhos que, de alguma forma, e nalguma altura, estiveram integrados na antiga região ribatejana, sem deixar de fora, naturalmente, agentes culturais ligados culturalmente á mesma, mesmo que aqui não residam actualmente.
Singular por ser transversal á artificial bipartição do Ribatejo que as ultimas décadas vieram cavando; em Lezíria do Tejo, Médio Tejo, Templários, Alto e Baixo Ribatejo e quejandos, e assumir a matriz Tejo e a territorialidade Vale do Tejo como elementos aglutinadores.
Singular, ainda, por estar organizado de maneira pouco orgânica; funcionando como uma plantaforma de rede (tirando partido das incomensuráveis vantagens comunicacionais das tecnologias informáticas) mas, não obstante, realizando semestralmente encontros tendentes a facultar a necessária relação face a face, indispensável nestas condições.
Singular, finalmente, por constituírem os elementos culturais e patrimoniais o seu móbil e cimento aglutinador, algo que o pais que temos na região que vivemos não está habituado a assistir a testa dimensão territorial.
A surpreendentemente favorável receptividade á ideia (integrante hoje de personalidades de 17 concelhos do Habito, de Benavente á Abrantes) é bem reveladora da maturidade das condições que fazem as personalidades culturais da Região (em grande parte sem ligação orgânica ás estruturas partidárias) sentir intensamente a incongruência de uma situação politico-amistartiva em que sob o pretexto económico e político se tem desagregado e, deste modo, menorizado, os potenciais de afirmação e identificação regional.
Comunicação em rede, troca de ideias e conjunção de projectos, criação de substratos culturais regionais, organização solidária assente nas sinergias locais, relações de conhecimento entre agente culturais da região espalhados pela mesma, visão holística e abrangente das problemáticas regionais, numa óptica de diferenciação cultural como valor enriquecedora da dimensão regional.
Enfim, uma unidade de interesses, assente num modelo cultural intrinsecamente ribatejano de diferenciações, naturalmente, feito!
Paradigma de um certo modelo vivencial que ancestrais relações d trabalho, actividades económicas e produtivas e vivências mais ou menos ribeirinhas, consubstanciaram no tempo, num contexto geofísico singular no território nacional.
Após a sua constituição, em Setembro de 2009, reuniu no passado dia 26 de Março pela primeira vez, estando a próxima reunião marcada para Setembro, em Tomar.
Das suas iniciativas destacam-se um ciclo de debates a realizar em diversos concelhos ribatejanos: em Maio, em Alpiarça, em Junho, em Alcanena, em Setembro, em Santarém, em Novembro, em Rio Maior, em Abrantes em Fevereiro de 2011 e, finalmente, em Constância em Abril do mesmo ano. Outras se seguirão e, atempadamente, reveladas.

domingo, 4 de abril de 2010

Festas de São José em Santarém

Esclareça-se, desde já, que não tenho nada contra a maneira como decorreram as Festas de São José, em Santarém.
Passei por lá e constatei facilmente a maior dignidade deste espaço do campo Emílio Infante da Câmara. A afluência era considerável e as actividades tendentes à promoção dos arquétipos turístico-culturais ribatejanos e escalabitanos mais conhecidos: Folclore, toiros, fado, música popular, largadas, artesanato, gastronomia, etc.,.. mescladas, quanto baste, de iniciativas mais eruditas, que os cofres camarários não estão para loucuras.

Perpassa-me porém, de tudo isto, uma sensação de esterilidade! De não potenciação futura!
E a constatação, mais uma vez, que Santarém continua sem umas verdadeiras festas do concelho!

E isto porque a brevidade conjuntural das lideranças municipais e a sua resistência a opções político-culturais de fundo, geradoras de controvérsia (e, quiçá, pouco populistas) continua a apostar numa temática invocadora (São José) de praticamente nula dimensão devocional local e mais nula, ainda, capacidade regeneradora.

Ora, se há concelho ribatejano que necessite de uma grande festa anual, pólo de atracção das freguesias rurais, mecanismo de coesão territorial do concelho e instrumento de reforço do tecido social municipal é, de facto, Santarém.

Santarém que sempre viveu de costas viradas para as freguesias rurais*!
Aliás, o nome corrente pelo qual são conhecidas (“Festas da Cidade”) é bem sintoma de que estas não são, nem têm pretendido ser, festas do concelho!

Se há concelho que necessite de uma iniciativa promotora do orgulho e auto-estima do corpo municipal, condição necessária (embora longe de suficiente) para a sua afirmação como pólo regional dominante é, igualmente, Santarém.

E de facto não o consegue com Festas de São José; fazendo de conta que existe um culto (ou, se quisermos, fazendo de conta que ainda existe um culto) de São José em Santarém!
Suportando institucionalmente a promoção das mesmas e contentando-se com os sofríveis resultados obtidos. Cujas estratégias, as mudanças de projectos executivos vão fazendo flutuar ao ritmo das marés das lideranças municipais.

Se o quiser, tem de apostar ou numa devoção existente embora devocionalmente localizada como o “Santíssimo Milagre”, numa devoção de declínio recente como a “Senhora da Saúde” ou, sei lá, numa temática temporal profana mas susceptível de ser sacralizada como a questão (hoje já parcialmente mitificada) da “conquista de Santarém”.

Em todas, dir-se-ia, menos São José!
É claro que, para isso, é necessário começar de novo. Ter a coragem de afrontar algumas consciências. Assumir o ónus de eventuais fracassos. E, essencialmente, pensar alternativas e suas previsíveis consequências.

É um facto que dá um trabalhão!

Porém, outros, bem próximos, o têm conseguido. E, com condições de partida bem mais modestas!


* Freguesias que representam cerca de 80% do território municipal e mais de 40% da população concelhia.



Aurélio Lopes

domingo, 21 de março de 2010

Abstinência e desejo

Notícias recentes dão conta que a Igreja Católica terá tido conhecimento, apenas entre 2001 e 2010, de cerca de três mil acusações de índole sexual contra padres e religiosos!
Estas acusações, em mais de dois terços de natureza homossexual, permitem-nos, assim, ter uma ideia mais aproximada da dimensão do fenómeno.

A razão pela qual as acusações são essencialmente referentes à atracção física por adolescentes do mesmo sexo, é fácil de perceber. A convivência física de rapazes com padres é socialmente menos suspeitosa que a convivência com raparigas ou mulheres, os jovens e adolescentes são por isso mesmo (e pela idade) particularmente vulneráveis e, as relações heterossexuais não dão afinal, muitas vezes, origem a acusações: a não ser, eventualmente, por terceiros.
Porque envolvem frequentemente sentimentos recíprocos, quantas vezes perpetuados de forma mais ou menos discreta e socialmente tolerada e, nalguns casos até, assumida de forma mais ou menos oficiosa.

Porquê tão grande número de acusações, também não é difícil de perceber. A badalação mediática do fenómeno (numa sociedade cada vez mais liberal) tem contribuído para fomentar as revelações e denúncias, tradicionalmente incómodas face ao estatuto individual e local do pároco e, institucional, da Igreja.
Aliás, estes mesmos valores são, com certeza, apenas a ponta visível de um icebergue bem mais vasto!

Na verdade, por detrás desta situação, escondem-se evidentes e persistentes razões de ordem psíquica, física e fisiológica. Poder-se-á dizer até, a propósito, que o celibato, constitui um indubitável comportamento contranatura!
É, aliás, por isso mesmo (pela dificuldade em cumpri-lo), que o mesmo é utilizado, por algumas religiões, como prova a vencer na persecução do desiderato beatífico ou sacerdotal.
Prova quotidiana, exigindo recorrentemente um tenaz esforço de contenção e auto-castração mental, num difícil (e quantas vezes penoso) reencaminhamento do desejo lascivo para desígnios transcendentais.

Contudo, muito longe de totalmente eficaz!
E, cada vez menos eficaz numa sociedade cada vez mais liberal em que o sexo se torna uma arte e dá corpo, directa e indirectamente, a poderosas indústrias e, a sedução, adquire contornos cada vez mais omnipresentes e ostensivos.

A atenção conjuntural dada pela Igreja a estes fenómenos (cuja dimensão, note-se, tem beliscado a sua tradicional respeitabilidade), apenas poderá fazer com que, eventual e temporariamente, tais práticas se atenuem e, principalmente, adquiram contornos menos visíveis e explícitos!
Até porque, como diz o conhecido cliché publicitário: “ amar…. é natural!”

sábado, 6 de março de 2010

O Touro


De repente abrem-se as portas e o touro entra impetuoso na praça. Mas, a perspectiva de liberdade que o anima, rapidamente se esvai quando o mesmo se vê noutro recinto fechado em redor do qual uma multidão de humanos berra desenfreadamente.
Surpreso pelo coro ululante da multidão, o animal estanca.

Atento, olha depois em redor. Um homem envergando vestes berrantemente brilhantes, salta para o recinto. Nas suas mãos segura dois paus afiados com fitinhas multicores, cujo sinuoso bambolear não augura nada de bom.
Incomodado, o boi tenta desviar a atenção procurando uma possível saída que lhe tenha passado despercebida num primeiro olhar.
Nada! Uma cerca envolve todo o recinto. E o diabo do homem que continua a abanar os paus e se vai, gradual e perigosamente, aproximando.
Confuso e nervoso, o boi reage da única forma que pode e sabe: investe de forma a afastar o intruso.
Este responde, porém, com uma finta subtil que lhe permite cravar as duas pontas aceradas no cachaço do animal provocando neste uma imediata reacção de dor e, na multidão, uma não menos imediata explosão de alegria!
E a acção, cada vez mais dolorosa, sucede-se uma e outra vez!

O cachaço do touro está agora cravejado de lanças farpadas que bamboleiam conforme o andar e cujo peso contribui para alargar, ainda mais, as feridas já expostas.
O animal olha em redor surpreso. O seu pequeno cérebro esforça-se por alcançar o significado de tão bizarro e atroz comportamento.
O sangue escorre-lhe do dorso e, curiosamente, parece incendiar ainda mais o fervor entusiástico da populaça.
Após cada agressão, o homem refugia-se detrás de umas oportunas tábuas que o boi, louco de dor, escorneia em desespero.
Finalmente o martírio parece terminar. Abre-se como que um compasso de espera!

Novamente o janota da farpela cintilante salta para a arena. Transporta agora um pano vermelho vivo e um objecto afiado cujo brilho metálico fere os sensíveis olhos do animal.
O touro está cansado de investidas goradas. Castigado por feridas diversas e dolorosas. Mais uma vez tenta ignorar o intruso que se aproxima agitando, provocantemente, o tecido escarlate.
Mas, mais uma vez não pode! A sensação de perigo iminente desencadeia nova investida tentando apagar o famigerado brilho.
O homem, contudo, faz rodopiar o pano anulando as sucessivas arremetidas. Da multidão chovem aplausos. O animal dá agora mostras, inequívocas, de cansaço.
Um e outra vez o pano é agitado provocantemente à sua frente!
Desesperado investe novamente. Escorrega, …quase cai. Num esforço derradeiro insiste, ainda, tentando escornear o malfadado brilho que o persegue.
O homem roda elegantemente sacando, no último momento, o pano do seu alcance. Depois num acto encenado de desprezo pelo perigo, vira costas e dirige-se ao público, solicitando aplausos num caminhar bailado, qual “travesti” em boca de cena!
Braços erguidos em apoteótico estilo de vitória, rodopia mais uma vez como se de um herói épico se tratasse!
Chovem flores! A multidão, em paroxismo, delira!
O boi, esse, olha fixamente. Expectante, dir-se-ia.
A miopia dificulta-lhe ainda mais a percepção de tão singular comportamento: que diabo estarão eles a festejar, interroga-se?!
É um facto que os seres humanos nunca lhe pareceram criaturas merecedoras de grande confiança. Imprevisíveis, narcisistas, intolerantes. Existem contudo acções que, até mesmo nestes, parecem despropositadas!
Perplexo, abana a cabeça!
E se não fossem as dores dilacerantes que o assaltam, teria até, quem sabe, sorrido interiormente com o paradoxo de uma espécie aparentemente tão irracional e que, por estranho que pareça, reivindica para si o estatuto ímpar da inteligência!
Mal sabe ele, coitado, que os Homens se consideram o supra-suma da criação!
Que acreditam, até, que os deuses fizeram o Mundo apenas e só para seu gozo e desfrute e que tal só tem limite nos amplos limites da vaidade humana.
Que fracos deuses seriam!


Aurélio Lopes

Casamento gay e adopção


A aprovação do casamento homossexual, relançou uma discussão já antiga mas que adquiriu agora nova actualidade: o direito das famílias, daí decorrentes, a terem filhos; resultantes estes, de um direito de opção (como qualquer casal hetero) ou, no caso das lésbicas, igualmente do direito a um filho biológico de uma das partes obtido, este pelo processo normal ou inseminatório.
Problemática, aliás, que se estende, depois, a casos menos vulgares em que, por exemplo, se possuam já filhos de anteriores casamentos heteros e se pretenda continuar a viver com eles na nova família ora constituída.
Sim! Porque as inclinações sexuais estão longe de se circunscreverem a estritas homo ou heterosexualidades.
É portanto todo um campo de novas situações que se abre, mas que carece de profunda discussão; de preferência pouco frenética.
O argumento principal dos opositores a esta pretensão é o de que tal pode provocar um considerável sofrimento às crianças. Olhadas pelos outros (se calhar, principalmente, pelas outras crianças) como espécimes bizarros mais ou menos circenses (com duas mães ou dois país) e, naturalmente, estigmatizados.
Os defensores argumentam não só com a igualdade com as outras famílias mais ou menos tradicionais, com o direito à vontade das partes envolvidas e, ainda, com o facto de os comportamentos sociais incorrectos e retrógrados não deverem constituir, por princípio, obstáculos legais.
Defenderão, ainda, eventualmente, que a mudança de mentalidade social (neste como noutros casos) só poderá resultar da apresentação como normal e natural, destas situações, até agora, anormais e socialmente rejeitadas.
Resumidos os argumentos (outros existem com certeza a maior parte, contudo, fruto de ortodoxos e macarrónicos preconceitos), configura-se aqui um daqueles casos em que, em rigor absoluto, nenhuma das partes deixa de ter razão.
Uma solução possível poderia passar por deixar a temática “casamento gay” consolidar a sua legitimidade na sociedade portuguesa. Dar-lhe tempo e criarem-se-lhe condições várias para o mesmo poder ser encarado, gradualmente, como algo comum e habitual.
O problema é que tenho imensas dúvidas acerca da eficácia de tal estratégia!
Principalmente na ausência dos imperativos catalisadores da (susceptível, é verdade, de provocar sofrimento), ”situação de facto!”
E, mesmo assim…

Aurélio Lopes

sexta-feira, 5 de março de 2010

Direitos e linhas tortas

Fatalidade perene da justiça portuguesa, a subversão sistemática do segredo de justiça surge hoje, pela sua frequência e vulgaridade, como coisa natural.

E não há nada mais grave do que acharmos natural o erro, a ilegalidade, a corrupção, o crime, afinal!
Do que o encararmos como coisa habitual. Branqueado pelo uso quotidiano. Menorizado no seu carácter criminoso pela sua natureza vulgar e corrente.

Devemos assim rejeitar tal prática lesiva da eficácia e transparência judicial, seja no que concerne ao interminável processo Casa Pia, ao famigerado Freeport ou ao escandaloso Apito Dourado!
Porém, o caso das recentes publicações das escutas ligadas aos sinuosos processos que têm a ver com o futebol, merecem, de alguma forma, outra ponderação.

Não deixam (é claro) de revelar a persistência de uma anomalia criminal, mas constituem, afinal, a única hipótese do português comum (quantas vezes perdido entre opiniões e contra-opiniões, ataques e acusações recíprocas num oceano de suspeições) poder visualizar, directamente, documentos irrefutáveis (e inqualificáveis, já agora) acerca da aberrante miséria moral em que o futebol português está mergulhado!

Aí vemos o mais completo desrespeito pelo direito à dignidade de cada um, a vitória do compadrio e o tráfico de influências no seu melhor. A certeza da impunidade e o exuberante regozijo daí resultante.
Tudo isto, alto e bom som!

Que se não serve como prova judicial, serve pelo menos para percebermos, de uma vez por todas, a enorme corrupção que por aí grassa e, se calhar ainda mais grave, a enorme falta de dignidade e formação ética que aí prolifera.

Se não deixa de ser um mal, é pelo menos um mal que vem por bem!
Um escrever direito por linhas tortas! O que, convenhamos, a justiça portuguesa, nem isso tem conseguido!
Já que nem por linhas menos direitas, consegue deixar de escrever torto!

Aurélio Lopes



Utopia 21

Vivemos num mundo que, cada vez mais, configura conhecidos paradigmas ficcionais, em que os cidadãos vêem gradualmente castradas as suas mais elementares liberdades, em nome de um ideal de perfeição mais ou menos utópico.
Em que vamos, democrática e crescentemente, aceitando limitações sobre limitações do nosso direito a ser diferente, face a um advogado bem colectivo pretensamente mais elevado.

Ideal de perfeição, esse, gerador de insuportável concentracionismo legal que carece, entre outras coisas, do tradicional direito à transgressão. Direito enformante, desde sempre, das mais diversas sociedades humanas. Direito que permite libertar tensões e resistir de algum modo, à difícil disciplina quotidiana.

Afinal, as sociedades não são perfeitas!
As imperfeições são, na verdade, aquilo que as vivifica e lhes permite perspectivar os ideais de perfeição!
Mais, ainda, as sociedades não devem ser perfeitas!
Devem, sim, limitar as naturais imperfeições humanas a dimensões admissíveis que, sem violentar a autonomia e a individualidade de cada um, permitam uma flexível e saudável socialização!

Portugal é, convenhamos, um país que tem leis de mais e as cumpre de menos!
Não obstante, o legislador continua a criar alegremente, há anos, norma sobre norma, convencido, provavelmente, que a sociedade ideal é aquela em que todos os nossos actos e decisões (quem sabe se os pensamentos) têm de estar devidamente regulamentados.

Se é fumador, em vez de lhe serem incutidas razões desmotivadoras, vê reduzidas as suas opções de consumo até ao inverosímil.
Se consome álcool, vê agora, com a nova lei do “rastreio empresarial”, violada a sua privacidade.
Se é automobilista, em vez de lhe serem gradualmente incutidos princípios de cidadania, impõem-lhe recorrentemente leis, cada vez mais impraticáveis e cobram-lhe, depois, as consequências de tal.
Enquanto cidadão, observa pasmado enquanto decidem taxarem-lhe presentes de aniversário mesmo se verificados entre cônjuges ou progenitores.
Enfim!!

Negamos, quantas vezes, o direito à vida, empurrando os indivíduos para situações económicas e sociais insuportáveis. Mas negamos, igualmente, o direito à morte, em nome de hipócritas direitos sagrados à vida!
Tolhemos assim, cada vez mais, o indivíduo!

Qualquer dia acordamos e apercebemo-nos de que abdicámos passivamente do direito a sermos naturalmente quem somos, em prol de um desígnio castrense de perfeição que só existe na cabeça de acéfalos governantes e legisladores.
Daqueles, provavelmente, que “nunca se enganam e raramente têm dúvidas!”


Aurélio Lopes