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Espaço de comunicação que se espera interactivo, este é um instrumento que permite estar próximo de amigos,presentes e futuros, cujas contingências da vida tornam distantes mas nem por isso menos merecedores de estimas e afectos.


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domingo, 21 de março de 2010

Abstinência e desejo

Notícias recentes dão conta que a Igreja Católica terá tido conhecimento, apenas entre 2001 e 2010, de cerca de três mil acusações de índole sexual contra padres e religiosos!
Estas acusações, em mais de dois terços de natureza homossexual, permitem-nos, assim, ter uma ideia mais aproximada da dimensão do fenómeno.

A razão pela qual as acusações são essencialmente referentes à atracção física por adolescentes do mesmo sexo, é fácil de perceber. A convivência física de rapazes com padres é socialmente menos suspeitosa que a convivência com raparigas ou mulheres, os jovens e adolescentes são por isso mesmo (e pela idade) particularmente vulneráveis e, as relações heterossexuais não dão afinal, muitas vezes, origem a acusações: a não ser, eventualmente, por terceiros.
Porque envolvem frequentemente sentimentos recíprocos, quantas vezes perpetuados de forma mais ou menos discreta e socialmente tolerada e, nalguns casos até, assumida de forma mais ou menos oficiosa.

Porquê tão grande número de acusações, também não é difícil de perceber. A badalação mediática do fenómeno (numa sociedade cada vez mais liberal) tem contribuído para fomentar as revelações e denúncias, tradicionalmente incómodas face ao estatuto individual e local do pároco e, institucional, da Igreja.
Aliás, estes mesmos valores são, com certeza, apenas a ponta visível de um icebergue bem mais vasto!

Na verdade, por detrás desta situação, escondem-se evidentes e persistentes razões de ordem psíquica, física e fisiológica. Poder-se-á dizer até, a propósito, que o celibato, constitui um indubitável comportamento contranatura!
É, aliás, por isso mesmo (pela dificuldade em cumpri-lo), que o mesmo é utilizado, por algumas religiões, como prova a vencer na persecução do desiderato beatífico ou sacerdotal.
Prova quotidiana, exigindo recorrentemente um tenaz esforço de contenção e auto-castração mental, num difícil (e quantas vezes penoso) reencaminhamento do desejo lascivo para desígnios transcendentais.

Contudo, muito longe de totalmente eficaz!
E, cada vez menos eficaz numa sociedade cada vez mais liberal em que o sexo se torna uma arte e dá corpo, directa e indirectamente, a poderosas indústrias e, a sedução, adquire contornos cada vez mais omnipresentes e ostensivos.

A atenção conjuntural dada pela Igreja a estes fenómenos (cuja dimensão, note-se, tem beliscado a sua tradicional respeitabilidade), apenas poderá fazer com que, eventual e temporariamente, tais práticas se atenuem e, principalmente, adquiram contornos menos visíveis e explícitos!
Até porque, como diz o conhecido cliché publicitário: “ amar…. é natural!”

sábado, 6 de março de 2010

O Touro


De repente abrem-se as portas e o touro entra impetuoso na praça. Mas, a perspectiva de liberdade que o anima, rapidamente se esvai quando o mesmo se vê noutro recinto fechado em redor do qual uma multidão de humanos berra desenfreadamente.
Surpreso pelo coro ululante da multidão, o animal estanca.

Atento, olha depois em redor. Um homem envergando vestes berrantemente brilhantes, salta para o recinto. Nas suas mãos segura dois paus afiados com fitinhas multicores, cujo sinuoso bambolear não augura nada de bom.
Incomodado, o boi tenta desviar a atenção procurando uma possível saída que lhe tenha passado despercebida num primeiro olhar.
Nada! Uma cerca envolve todo o recinto. E o diabo do homem que continua a abanar os paus e se vai, gradual e perigosamente, aproximando.
Confuso e nervoso, o boi reage da única forma que pode e sabe: investe de forma a afastar o intruso.
Este responde, porém, com uma finta subtil que lhe permite cravar as duas pontas aceradas no cachaço do animal provocando neste uma imediata reacção de dor e, na multidão, uma não menos imediata explosão de alegria!
E a acção, cada vez mais dolorosa, sucede-se uma e outra vez!

O cachaço do touro está agora cravejado de lanças farpadas que bamboleiam conforme o andar e cujo peso contribui para alargar, ainda mais, as feridas já expostas.
O animal olha em redor surpreso. O seu pequeno cérebro esforça-se por alcançar o significado de tão bizarro e atroz comportamento.
O sangue escorre-lhe do dorso e, curiosamente, parece incendiar ainda mais o fervor entusiástico da populaça.
Após cada agressão, o homem refugia-se detrás de umas oportunas tábuas que o boi, louco de dor, escorneia em desespero.
Finalmente o martírio parece terminar. Abre-se como que um compasso de espera!

Novamente o janota da farpela cintilante salta para a arena. Transporta agora um pano vermelho vivo e um objecto afiado cujo brilho metálico fere os sensíveis olhos do animal.
O touro está cansado de investidas goradas. Castigado por feridas diversas e dolorosas. Mais uma vez tenta ignorar o intruso que se aproxima agitando, provocantemente, o tecido escarlate.
Mas, mais uma vez não pode! A sensação de perigo iminente desencadeia nova investida tentando apagar o famigerado brilho.
O homem, contudo, faz rodopiar o pano anulando as sucessivas arremetidas. Da multidão chovem aplausos. O animal dá agora mostras, inequívocas, de cansaço.
Um e outra vez o pano é agitado provocantemente à sua frente!
Desesperado investe novamente. Escorrega, …quase cai. Num esforço derradeiro insiste, ainda, tentando escornear o malfadado brilho que o persegue.
O homem roda elegantemente sacando, no último momento, o pano do seu alcance. Depois num acto encenado de desprezo pelo perigo, vira costas e dirige-se ao público, solicitando aplausos num caminhar bailado, qual “travesti” em boca de cena!
Braços erguidos em apoteótico estilo de vitória, rodopia mais uma vez como se de um herói épico se tratasse!
Chovem flores! A multidão, em paroxismo, delira!
O boi, esse, olha fixamente. Expectante, dir-se-ia.
A miopia dificulta-lhe ainda mais a percepção de tão singular comportamento: que diabo estarão eles a festejar, interroga-se?!
É um facto que os seres humanos nunca lhe pareceram criaturas merecedoras de grande confiança. Imprevisíveis, narcisistas, intolerantes. Existem contudo acções que, até mesmo nestes, parecem despropositadas!
Perplexo, abana a cabeça!
E se não fossem as dores dilacerantes que o assaltam, teria até, quem sabe, sorrido interiormente com o paradoxo de uma espécie aparentemente tão irracional e que, por estranho que pareça, reivindica para si o estatuto ímpar da inteligência!
Mal sabe ele, coitado, que os Homens se consideram o supra-suma da criação!
Que acreditam, até, que os deuses fizeram o Mundo apenas e só para seu gozo e desfrute e que tal só tem limite nos amplos limites da vaidade humana.
Que fracos deuses seriam!


Aurélio Lopes

Casamento gay e adopção


A aprovação do casamento homossexual, relançou uma discussão já antiga mas que adquiriu agora nova actualidade: o direito das famílias, daí decorrentes, a terem filhos; resultantes estes, de um direito de opção (como qualquer casal hetero) ou, no caso das lésbicas, igualmente do direito a um filho biológico de uma das partes obtido, este pelo processo normal ou inseminatório.
Problemática, aliás, que se estende, depois, a casos menos vulgares em que, por exemplo, se possuam já filhos de anteriores casamentos heteros e se pretenda continuar a viver com eles na nova família ora constituída.
Sim! Porque as inclinações sexuais estão longe de se circunscreverem a estritas homo ou heterosexualidades.
É portanto todo um campo de novas situações que se abre, mas que carece de profunda discussão; de preferência pouco frenética.
O argumento principal dos opositores a esta pretensão é o de que tal pode provocar um considerável sofrimento às crianças. Olhadas pelos outros (se calhar, principalmente, pelas outras crianças) como espécimes bizarros mais ou menos circenses (com duas mães ou dois país) e, naturalmente, estigmatizados.
Os defensores argumentam não só com a igualdade com as outras famílias mais ou menos tradicionais, com o direito à vontade das partes envolvidas e, ainda, com o facto de os comportamentos sociais incorrectos e retrógrados não deverem constituir, por princípio, obstáculos legais.
Defenderão, ainda, eventualmente, que a mudança de mentalidade social (neste como noutros casos) só poderá resultar da apresentação como normal e natural, destas situações, até agora, anormais e socialmente rejeitadas.
Resumidos os argumentos (outros existem com certeza a maior parte, contudo, fruto de ortodoxos e macarrónicos preconceitos), configura-se aqui um daqueles casos em que, em rigor absoluto, nenhuma das partes deixa de ter razão.
Uma solução possível poderia passar por deixar a temática “casamento gay” consolidar a sua legitimidade na sociedade portuguesa. Dar-lhe tempo e criarem-se-lhe condições várias para o mesmo poder ser encarado, gradualmente, como algo comum e habitual.
O problema é que tenho imensas dúvidas acerca da eficácia de tal estratégia!
Principalmente na ausência dos imperativos catalisadores da (susceptível, é verdade, de provocar sofrimento), ”situação de facto!”
E, mesmo assim…

Aurélio Lopes

sexta-feira, 5 de março de 2010

Direitos e linhas tortas

Fatalidade perene da justiça portuguesa, a subversão sistemática do segredo de justiça surge hoje, pela sua frequência e vulgaridade, como coisa natural.

E não há nada mais grave do que acharmos natural o erro, a ilegalidade, a corrupção, o crime, afinal!
Do que o encararmos como coisa habitual. Branqueado pelo uso quotidiano. Menorizado no seu carácter criminoso pela sua natureza vulgar e corrente.

Devemos assim rejeitar tal prática lesiva da eficácia e transparência judicial, seja no que concerne ao interminável processo Casa Pia, ao famigerado Freeport ou ao escandaloso Apito Dourado!
Porém, o caso das recentes publicações das escutas ligadas aos sinuosos processos que têm a ver com o futebol, merecem, de alguma forma, outra ponderação.

Não deixam (é claro) de revelar a persistência de uma anomalia criminal, mas constituem, afinal, a única hipótese do português comum (quantas vezes perdido entre opiniões e contra-opiniões, ataques e acusações recíprocas num oceano de suspeições) poder visualizar, directamente, documentos irrefutáveis (e inqualificáveis, já agora) acerca da aberrante miséria moral em que o futebol português está mergulhado!

Aí vemos o mais completo desrespeito pelo direito à dignidade de cada um, a vitória do compadrio e o tráfico de influências no seu melhor. A certeza da impunidade e o exuberante regozijo daí resultante.
Tudo isto, alto e bom som!

Que se não serve como prova judicial, serve pelo menos para percebermos, de uma vez por todas, a enorme corrupção que por aí grassa e, se calhar ainda mais grave, a enorme falta de dignidade e formação ética que aí prolifera.

Se não deixa de ser um mal, é pelo menos um mal que vem por bem!
Um escrever direito por linhas tortas! O que, convenhamos, a justiça portuguesa, nem isso tem conseguido!
Já que nem por linhas menos direitas, consegue deixar de escrever torto!

Aurélio Lopes



Utopia 21

Vivemos num mundo que, cada vez mais, configura conhecidos paradigmas ficcionais, em que os cidadãos vêem gradualmente castradas as suas mais elementares liberdades, em nome de um ideal de perfeição mais ou menos utópico.
Em que vamos, democrática e crescentemente, aceitando limitações sobre limitações do nosso direito a ser diferente, face a um advogado bem colectivo pretensamente mais elevado.

Ideal de perfeição, esse, gerador de insuportável concentracionismo legal que carece, entre outras coisas, do tradicional direito à transgressão. Direito enformante, desde sempre, das mais diversas sociedades humanas. Direito que permite libertar tensões e resistir de algum modo, à difícil disciplina quotidiana.

Afinal, as sociedades não são perfeitas!
As imperfeições são, na verdade, aquilo que as vivifica e lhes permite perspectivar os ideais de perfeição!
Mais, ainda, as sociedades não devem ser perfeitas!
Devem, sim, limitar as naturais imperfeições humanas a dimensões admissíveis que, sem violentar a autonomia e a individualidade de cada um, permitam uma flexível e saudável socialização!

Portugal é, convenhamos, um país que tem leis de mais e as cumpre de menos!
Não obstante, o legislador continua a criar alegremente, há anos, norma sobre norma, convencido, provavelmente, que a sociedade ideal é aquela em que todos os nossos actos e decisões (quem sabe se os pensamentos) têm de estar devidamente regulamentados.

Se é fumador, em vez de lhe serem incutidas razões desmotivadoras, vê reduzidas as suas opções de consumo até ao inverosímil.
Se consome álcool, vê agora, com a nova lei do “rastreio empresarial”, violada a sua privacidade.
Se é automobilista, em vez de lhe serem gradualmente incutidos princípios de cidadania, impõem-lhe recorrentemente leis, cada vez mais impraticáveis e cobram-lhe, depois, as consequências de tal.
Enquanto cidadão, observa pasmado enquanto decidem taxarem-lhe presentes de aniversário mesmo se verificados entre cônjuges ou progenitores.
Enfim!!

Negamos, quantas vezes, o direito à vida, empurrando os indivíduos para situações económicas e sociais insuportáveis. Mas negamos, igualmente, o direito à morte, em nome de hipócritas direitos sagrados à vida!
Tolhemos assim, cada vez mais, o indivíduo!

Qualquer dia acordamos e apercebemo-nos de que abdicámos passivamente do direito a sermos naturalmente quem somos, em prol de um desígnio castrense de perfeição que só existe na cabeça de acéfalos governantes e legisladores.
Daqueles, provavelmente, que “nunca se enganam e raramente têm dúvidas!”


Aurélio Lopes