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Espaço de comunicação que se espera interactivo, este é um instrumento que permite estar próximo de amigos,presentes e futuros, cujas contingências da vida tornam distantes mas nem por isso menos merecedores de estimas e afectos.


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segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Paradoxos

Aconteceram eleições. Para o bem e para o mal nos próximos quatro anos temos de aturar os autarcas agora eleitos.

Quer sejam um pouco piores do que desejaríamos, quer sejam um pouco melhor que temíamos.

No que respeita a Santarém bem que merecemos algumas melhorias.

E se a situação económica está na última das misérias, pelo menos que os novos eleitos tenham a perceção de que nem tudo se consegue (só) com dinheiro.

Às vezes bastam o bom senso, a imaginação, o espírito de iniciativa: a competência afinal.

Basta olhar para o trânsito no Centro Histórico. Se quisermos um exemplo paradigmático dos resultados da incompetência, este serve às mil maravilhas.

-Afinal, se o centro histórico de Santarém é tudo menos central.

-Se o trânsito viário é, aí, inevitavelmente, difícil e pouco escorreito.

-Se o recente parqueamento tornou mais grave a já grave desertificação em curso.

-Se a inexistência de transporte públicos adequados foi agravando, ainda mais, a deplorável situação.

Então… pelo menos que a circulação possível fosse aí facilitada. E que os trabalhos frente à Igreja da Graça não imitassem os seus congéneres de famosa Santa Engrácia.

Mas há coisa mais graves. Ó se há!

Tão macarrónicas que só se podem explicar por reflexões superiores, muito acima do alcançável pelo comum dos mortais.

Mesmo assim arriscar-me-ia a pedir que me explicassem uma coisa: de preferência devagar e pausadamente, para ver se percebo:

Porque diabo não se há-de poder transitar através do Largo do Seminário?

Obrigando os condutores a sair da cidade por becos e travessas para depois acabarem por vir parar ao mesmo sítio?!

Estará, o mesmo, tão sistematicamente repleto de pessoas, de iniciativas culturais, de dinâmicas sociais e recreativas e de diversificadas atividades comerciais, que não possa circular, pelo seu limite inferior, um simples sentido de trânsito?

Quem foi a alma esclarecida que de tal se lembrou?

E já agora, que estamos com a mão na massa, expliquem-me também o seguinte: se é suposto dinamizar-se o Centro Histórico e se não se pode dinamizar o mesmo sem atrair as pessoas, como diabo é que estão a pensar levar as pessoas para aí?

-Se, como parece evidente, não se deseja que os carros aí transitem.

-Se o centro histórico é particularmente afastado do resto da cidade, logo não existem estacionamentos de apoio nas zonas limítrofes e portanto as pessoas não se podem deslocar facilmente a pé.

-Se não existem transportes públicos adequados, frequentes e baratos (nem sequer inadequados, esporádicos e caros) e portanto, também dessa forma, as ditas não poderão, aí, viajar.

Então, qual é a estratégia preconizada?

Se é que há alguma?

Gostava que alguém me explicasse isto!

Preferencialmente, soletrando a resposta, sílaba a sílaba.

Talvez assim consiga perceber!

Cidade morta


Resolvi, num dia pré-autárquico destes, dar uma volta pelo centro histórico de Santarém. A triste desolação, onde se sucedem ruínas, degradação e portas fechadas enforma, cada vez mais, tal espaço.

Como era previsível (e tive oportunidade de atempadamente prevenir), o parqueamento do mesmo veio a constituir a “machadada final” em hipóteses, ao tempo, já de si escassas, de impedir a completa decadência.

 
Mas, aquilo que mais prendeu a minha atenção foi, na verdade o, assim chamado, Jardim das Portas do Sol.

Incluído na renovação paisagística dos jardins scalabitanos (desenvolvida no consulado de Moita Flores) esta parece ser, afinal, a situação menos conseguida.
 

Para lá das sempre discutíveis opções paisagísticas, a escolha de materiais perecíveis em aplicações facilmente degradáveis, teria sempre de criar um potencial de degeneração cujos encargos para o município, seriam sempre significativos.

Aliás, a sua degradação é já visível, e nalguns casos começa até a constituir um perigo para os utentes, principalmente mais novos.

Também a inserção dos elementos simbólicos do antigo jardim não foi, na verdade, muito feliz.

Mas, mais importante ainda, o espaço não corresponde àquilo que se espera, afinal, de um jardim (mais, ainda, se sediado naquele sitio): espaço agradável e aprazível que atraia as pessoas e as faça desejar estar e permanecer.

Que não é, manifestamente, o caso daquele.

 O que é pena; porque este Jardim foi, durante largas décadas, o “ex-libris” desta cidade.

E com a morte anunciada do mesmo (já visível, hoje, na compreensível escassez da sua utilização) a cidade histórica de Santarém é cada vez mais numa cidade fantasma.

Cidade dispersa: sem centro vivo ou periferias dinâmicas.

Fruto de sucessivos erros de planeamento e visões estratégicas assentes em interesses pessoais e circunstanciais.

 PS – Aliás a política paisagística nesta cidade e concelho, parece ter sido, nos últimos anos, construir para “alguém” ver e não para a população viver!
É igualmente o caso do Jardim do Vale de Santarém. Mais de cem mil euros gastos há pouco mais de oito anos (sem ter em conta condições de sustentação), transformados hoje num baldio árido e seco.

Os Empatas


Reflexões de travesseira de Passos Coelho na noite da decisão do Tribunal Constitucional

 
Arre porra, que é demais!

(esclareça-se que estas são reflexões interiores, daí os eventuais excessos pictóricos de linguagem)

Submete-se uma pessoa estoicamente a um processo eleitoral, serve o povo em condições austeras e draconianas, é alvo de injustas incompreensões e inconstantes marés presidenciais e está, ainda, sujeito a fiscalizações judiciais e parlamentares e, ignomínia das ignomínias, bloqueios constitucionais.

Não se pode ser padre nesta freguesia!

O que é que terá dado aos acéfalos dos juízes, para se lembrarem de respeitar a constituição?!

Logo numa altura destas. Que falta de senso!

E depois querem que o Governo os livre do buraco onde “os outros” os meteram.

Que raio, custava muito um pouco de mobilidade… perdão, de flexibilidade!

Não bastava já a oposição?

A externa e… a interna?

(Nesta altura, o crescente desagrado vai-se toldando-se por uma teimosa sonolência e o cérebro do P. M. dá mostra de alguma confusão o que, face às circunstâncias, é perfeitamente compreensível)

E porque diabo é que tem de haver Constituição?

Para defender as pessoas, é?

De quem? Não se importam de me dizer?

E, afinal, porque é que as pessoas têm de se defendidas?

Não seria melhor (como clara e atempadamente defendi) terem emigrado?

Irra, que são broncos!

(A indignação, domina agora, definitivamente, tão esclarecidas meditações. O efeito do alvarinho bebido (para esquecer) no Tavares Rico, contribui para uma amarga euforia pouco controlável)

E porque raio precisamos de tantos juízes?

E professores? E funcionários públicos?

E pensionistas? E idosos?

E trabalhadores, já agora? Sim! E trabalhadores?

Não se pode, mesmo, exterminá-los?

Aliás, cada vez estou mais convencido que o maior problema de Portugal é estar infestado de portugueses!

Que praga!

 

O edifício misógino


 
Depois de ter reconhecido um “lobby gay” no Vaticano, o Papa Francisco surpreendeu tudo e todos ao assumir, agora, como natural, a inclinação sexual dos padres gays e dessa maneira (e por maioria de razões) dos gays não padres.

Um enorme passo em frente na milenar hipocrisia canónica. Com o qual, contudo, muitos cristãos discordam.

Até, porque está aqui implícita, a tolerante compreensão para com aqueles que tendo tendências homossexuais as exercem ou manifestam.

Afinal, muito deles vivem em universos predominantemente masculinos; às vezes quase exclusivamente.

E também porque, tal tolerância, levanta algumas interrogações no seio da Igreja. Interrogações merecedoras de reflexão.

Tolerância que traz à baila as questão da castidade e do celibato.

Ou será que se compreende a homossexualidade e espera-se que os homossexuais, em ambientes propícios, manifestem absoluta e completa contenção?

Ou são só os heterossexuais que têm de ser castos?!

Ou admitem-se as relações homossexuais masculinas e não as heterossexuais?

Ou é tudo apenas uma questão de celibato?

Admitindo-se as reações sexuais, desde que os sacerdotes não se casem?

Dito de outra maneira, o problema continua a ser a abominável mulher que o cristianismo recebeu de uma pastoril herança semita?

Fonte de pecado e tentação!

Criada para assistir e servir o homem.

De quem, ainda em 1930, Pio XI dizia: “o casamento (…) implica o primado do marido sobre as mulheres e os filhos e a submissão solícita da mulher, assim como a sua obediência espontânea6”.

Fazendo, assim, o estigma transitar do “abominável pecado da carne” e concentrar-se, ainda mais, na misógina subvalorização da mulher.

Que persiste há dois milénios!

Suportada hoje, afinal, pela inércia da tradição e milenar conservadorismo.

E, se quisermos, por bizarros interesses corporativos de género.

 

Não praticantes


 

O assim denominado Papa Francisco tem conseguido, em poucos meses, abalar o edifício da sumptuosidade formal em que assenta a estrutura conservadora de valores e se processam as conceções vivenciais do catolicismo romano.

Assumir que lhe não compete criticar o homossexualismo sacerdotal, constitui atitude, no mínimo, revolucionária.

Mas que tende a acarretar, como já vem acarretando, não só resistências várias no seio da Igreja mas, ainda, inconvenientes implicações doutrinárias.

Ser tolerante para com aqueles sacerdotes cujas inclinações sexuais são minoritárias e estigmatizadas é atitude corajosa e dignificante; apesar de nestes tempos modernos o “amai-vos e multiplicai-vos” ser mais problema que solução.

Ou será que se toleram homossexuais desde que “não praticantes?!”

Seja como for, aceitar tacitamente relações sexuais (envolvendo sacerdotes) de um mesmo sexo (masculino não o esqueçamos) e não os aceitar entre sexos diferentes (naturalmente bem mais frequentes) parece constituir uma distorcida e macarrónica tolerância.

Mas aceitar relações entre homem/sacerdote e mulher e continuar defender o celibato (que não a virgindade) é, admitamo-lo, estapafúrdio!

A não ser, mais uma vez, que se defendam os “celibatários não praticantes!”

Atá porque o estigma cai agora (ainda mais) não sobre o ato sexual, mas sobre o casamento!

Sobre a união (mesmo que dita sagrada) entre homem e mulher!

Estigmatizando, ainda mais, a mulher!

Numa misoginia completamente despropositada!

É evidente que estamos já longe dos primeiros séculos do cristianismo em que, os assim chamados “padres da Igreja” (Jerónimo, Cipriano, Gregório de Nisse, Gregório Magno, Justino Mártir, Agostinho o próprio Paulo de Tarso) abominarão a mulher e a maternidade

Em que Jerónimo chegará a dizer que a maternidade dá à mulher um “aspeto repugnante”.

Em que Gregório de Nisse pretende divinizar as virgens e proclama: “felizes as estéreis”.

Em que Gregório Magno defenderá a negação da comunhão às mulheres parturientes.

Em que Cipriano chega a aconselhar às mulheres que se “unam entre si”!

Em que Orígenes se castrará a si próprio!

Estamos já longe. Será?

A não ser que, afinal, passado todo este tempo, defendamos ainda mulheres e mães, também elas “não praticantes!”

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Os Messias



Surgiu o messianismo mediterrâneo num contexto histórico-social muito peculiar. Surgiu e desenvolveu-se entre um povo, cujas singularidades começam pela sua teologia e, assinale-se, não apenas pelo seu carácter monoteísta, à altura particularmente incomum.

Circunstâncias colaterais hão-de tornar este desígnio hebraico um dos elementos mitológicos mais marcantes da bacia mediterrrânea, e daí difundir-se por todo o mundo, dito contemporâneo revestindo, como elemento hierofânico determinante, o messiânico e redentor  mito cristão.

Mas, até chegar aí, o “mito do salvador” há-de evoluir na teologia hebraica, atravessando épocas diversificadas de ocaso e apogeu, de esperança e frustração, que diversificadamente o hão-de marcar e configurar.

E é, precisamente, nos últimos séculos do último milénio, agora dito “Antes de Cristo”, que tal conceito se irá incrementar, e a figura do Messias humanizar e politizar.

Na verdade o aproximar da nossa Era irá encontrar os Hebreus em níveis de poder e autonomia cada vez mais baixos sendo sucessivamente vencidos e escravizados por poderosos vizinhos, vindos tanto dos lados da Caldeia (como os Assírios e os Babilónios), do Egipto ou, ainda, hipoteticamente, da Anatólia, como os Filisteus! Persas, Selêucidas e Romanos mais, recentemente hão-de tornar, tal situação, quase estrutural.

Longe vão já os tempos áureos de Salomão em que, aproveitando do melhor modo uma conjuntura (diríamos hoje geo-estratégica) especialmente favorável, Israel se tinha erguido ao nível de grande potência regional. Longe vai o tempo mítico do Grande Rei e das suas “minas africanas”, da sua frota que transportava o ouro de ignotos territórios. O tempo da Rainha do Sabá e do grandioso templo em honra do Yavé; o fabuloso “Templo de Salomão”! Longe vão os tempos épicos de David; herdeiro dos grandes heróis de antigamente. Como Sansão, como Josué!

Agora Yavé o impronunciável, fero e austero na sua inflexibilidade, tinha-os abandonado. O terrível e temeroso deus único levantara os olhos do miserável e humilhado povo que durante tanto tempo se tinha considerado a si próprio “o povo escolhido!

E no entanto tinha sido para si que Deus tinha criado o mundo! Para si, o ”povo eleito” por Deus, para dominar sobre todas as outras nações! Como perceber tal incongruência!?

Agora os povos idólatras dominam a seu belo prazer. Deuses estranhos reinam novamente na antiga Canaã. Afundado na apostasia o povo hebreu agoniza sob jugos estrangeiros.

Então, numa derradeira atitude de desespero os seus olhos erguem-se para Deus. Porquê, Ele os tinha abandonado?!

Tratar-se-ia de mais um castigo purificador? Um novo cativeiro da Babilónia? Um novo exílio de quarenta anos no deserto? Quais os erros que tinham cometido?

Seria por muitos adorarem, agora, deuses estrangeiros? Seria por se preocuparem mais com a riqueza e a letra da lei que com a pureza e a virtude? E que fazer para ultrapassar tal situação?

A resposta só podia ser uma: tornar mais puros os puros e rezar com mais fervor ao Senhor que não se esquecesse do seu povo martirizado. E, mais tarde ou mais cedo, Deus haveria de os ouvir, como, aliás, sempre os ouvira!

Enviaria então um novo Josué, como aquele que vencera os Cananeus e que obtivera para os Hebreus o domínio da “terra prometida”.

Ou então um profeta, condutor do povo tresmalhado e mensageiro da palavra e dos desígnios de Deus, como em tempos passados. Um novo Elias ou Jeremias! Ou ainda, quem sabe, talvez um novo Juiz como Sansão!

Por outro lado poderia enviar um líder como aquele outro Josué, filho de Josedec, que em 538 A.C. conduzira o povo de regresso do cativeiro da Babilónia e que por tal mereceu o epíteto de Messias. Este Josué, neto de Saraias, sumo sacerdote à data da conquista de Jerusalém por Nabucodonossor, ir-se-á tornar ele próprio, depois da restauração, sumo sacerdote, e juntamente com Zerobadel (que deterá o poder temporal), serão considerados messias: "…os dois ungidos que assistem diante do dominador de toda a terra" (Crónicas IV, 14)

Portanto, fosse como fosse, o Messias, o escolhido do Senhor, mão e instrumento da vingança divina, haveria de surgir! E, quando surgisse, tremessem os inimigos e os idólatras!

E o crente, fanatizado pela frustração e revolta, consciente da sua impotência material, erguia as suas preces num estertor dramático de apelo e adoração. Fosse ele Fariseu, Saduceu, Zelota ou Essênio, fosse apenas um simples pastor da Galileia, pescador de Tiberíades ou agricultor de um dos escassos vales férteis da Judeia.

É assim, num contexto particularmente favorável que o messianismo ganha particular intensidade, conforme se vai aproximando a, agora denominada, Era Cristã!

- E é assim que, Judas Macabeu, “o Martelo do Senhor”, também ele aclamado como Messias, irá em 166 A.C., erguer o cutelo sagrado e conduzir o povo numa vitoriosa luta de libertação contra uma enfraquecida liderança Selêucida.

Daí em diante (durante cerca de trezentos anos), irão proliferar os lideres messiânicos, protagonistas de sucessivas tentativas para arrancar o ”povo de deus” primeiro do domínio pervertido dos Asmoneus, depois das garras dilacerantes da águia romana.

- Em 88 A.C. Alexandre Janeus (o Trácio), o mais corrupto dos Asmoneus, irá fomentar a introdução dos cultos helénicos e provocar, por isso, sucessivas revoltas populares. As repressões daí resultantes ocasionarão entre outras coisas a morte, provavelmente por crucificação, do enigmático “Mestre da Justiça”, líder Essénio cujo perfil prefigura singularmente o de Jesus.

- Em 6 D.C. por ocasião de um recenseamento romano eclode uma revolta liderada por um tal Judas de Gamala, dito "o Galileu". Uma terrível repressão irá ocorrer na sua sequência; cerca de dois milhares dos seus partidários são crucificados.

- Em 33 D.C. surge o processo de Jesus, depois chamado "o Cristo", que irá ser crucificado em Jerusalém nas vésperas da Páscoa sob as ordens de Pôncio Pilatos. Os seus seguidores ainda hoje o consideram o Messias.

Mas, ainda na primeira metade do século I, outros personagens claramente não insurreccionais e até, em rigor, não judaicos, adquirirão pelos seus prodígios um prestígio místico que os leva a ser considerados Messias pelos seus seguidores. Dosíteo, Apolónio de Tianos e Simão "o Mago", contam-se entre os mais célebres.

- Entre 44 e 46 D.C. eclode uma outra insurreição. Menos conhecida, foi liderada por um chefe que ficou conhecido como Tendas "o Egípcio".

- Em 66 D.C. dá-se a Grande Revolta Zelota. Sabe-se que os Essênios participaram igualmente desta insurreição. A guarnição romana de Jerusalém irá ser massacrada. A reacção imperial verificar-se-á através do general Tito, filho do Imperador Vespasiano e que irá, aliás, mais tarde suceder ao pai. Em 68 D.C. o Mosteiro Essênio de Qurâm é arrasado. Dois anos depois será a vez de Jerusalém ser destruída, a população passada à espada e o templo reduzido a cinzas. Os últimos resistentes refugiam-se em Massada que irá cair em 75 D.C. não sem que antes todos os ocupantes, homens, mulheres e crianças, se tenham suicidado.

 

- Finalmente, em 132, Simão Bar Kosebash levanta novamente a população contra os ocupantes romanos e proclama-se Messias. Tudo irá terminar, em 136, numa nova repressão e deportação da população judaica.

É a grande fase da Diáspora.

Com o fim da ilusão de autonomia política, espiritualizou-se e interiorizou-se a ideia de salvação. Os judeus foram-se aproximando das ideias gnósticas de auto-aperfeiçoamento e de comunhão com Deus.

O mito de Jesus vai impregnando as mentalidades messiânicas dos judeus (principalmente das comunidades da Diáspora), substituindo o chefe político-religioso pela imagem de um Messias sofredor, de que, aliás, não existe qualquer modelo na história de Israel.

À semelhança de outras divindades suas contemporâneas (como Mitra, Adónis, Ossíris, ou Átis), Cristo ir-se-á, gradualmente, tornar um deus redentor. Bode expiatório dos pecados do mundo, modelo mítico a seguir no percurso soteriológico da salvação!

Deuses e demónios



A polémica acerca do eventual exorcismo realizado recentemente pelo Papa Francisco, na Praça de São Pedro, reacende uma polémica tão velha como a igreja, mas abre, igualmente, um processo a longo prazo que, ou muito me engano, há-de elevar o referido pontífice a santo canonizado pouco depois da sua morte, sucedendo, assim, ao precocemente canonizado João Paulo II: o “papa sofredor”.

Na verdade a imagem do Diabo (ou dos diabos) saltitando de pessoa em pessoa em sucessivos processos de possessão demoníaca mais ou menos estapafúrdios, constitui uma reminiscência medieval, com que a Igreja lida, hoje, com algum desconforto.

Afinal, não pode negar a existência (nem sequer a importância) do Demónio. Tanto por razões ideológicas (bíblicas, naturalmente) e doutrinárias, como por razões operativas: a desvalorização da ação do “príncipe do mal” implica, necessariamente, a desvalorização de Deus.

Deste modo, novas conceções ideológicas, no interior da Igreja, inclinam-se cada vez mais para encarar entidades ou lugares como o Diabo ou o Inferno, de um ponto de vista mais simbólico: não corporalizável na matriz configurativa popular.

E, embora não o esqueçamos, a Igreja detenha a competência divina no combate ao Demo e, as práticas exorcistas (digamos, canonicamente legais) requeiram a aprovação clerical e a respetiva delegação de competências, este é um assunto que não sendo tabu se pretende, preferencialmente, secundarizar e relativizar.

Assunto incómodo, hoje como ontem!

Ou se quisermos, hoje, mais ainda que ontem!

E isto leva-nos ao segundo ponto atrás referido: porquê esta questão relacionada com o novel pontífice? Porque não, com os seus antecessores?

Quando, afinal, reações destas são perfeitamente normais; tendo em conta o clímax momentâneo e os personagens em presença?

Provavelmente, porque este é um Papa oriundo de uma Igreja latino-americana.

O primeiro não europeu há mil e trezentos anos. Aliás, se considerarmos que os restantes foram oriundos da bacia mediterrânea à altura sacro-culturalmente plasmada do cimento imperial ou pós-imperial, podemos dizer, o primeiro de sempre!

Ao que parece, assumidamente (e não apenas como imagem de marca) simples e humilde. Mais direto, menos rebuscado e menos formal. Mais próximo de uma igreja popular que, com estas questões maniqueístas, convive mais intimamente.

Um “papa do povo”, afinal.

Foco de um pontificado a seguir com atenção.

 

Crónica de uma canonização anunciada


 
 Corria o ano de 2005 e João Paulo II, após uma dramática luta com doença degenerativa, falecia a 2 de Abril.

Em artigo na altura publicado no Correio do Ribatejo dizia, a propósito, que a sua morte prefigurava um processo previsível, rápido e inevitável, de canonização.

Mais concretamente, dizia que a sua imagem de papa sofredor o faria ascender rapidamente “ao panteão cristão. Bem mais cedo, provavelmente, que os malogrados pastorinhos de Fátima”, prisioneiros da sua insuficiência intercessora e encalhados, perpetuamente, na fase de beatos.

Quatros anos mais tarde (em 2009) no livro “Vidente e Confidentes: um Estudo sobre as Aparições de Fátima”, a propósito do assim chamado “Terceiro Segredo”, seu esperado carácter catastrófico e sua dececionante revelação, tive oportunidade de tecer as seguintes considerações:

O esperado apocalíptismo não se concretizou, transmutando-se num frustrado episódio de pontificídio. João Paulo II, o papa mártir, em processo anunciado de canonização, já na altura (Maio de 2000) previsível, não hesitou em revelar o dito, relacionando-o com o atentado que sofrera em 1981 na Praça de São Pedro”.

Sabe-se, agora, que o referido pontífice (beatificado em 2011) vai ser canonizado no próximo mês de Outubro! Oito anos, apenas, após a sua morte!

Comprova-se, assim, que tal personagem estava, desde muito cedo, destinado à santificação.

Ora, como não sou suposto possuir dons proféticos ou de premonição, a razão tinha de estar, já, a vista! Para quem a soubesse ver, bem entendido.

Afinal, foi este o Papa que abriu a Igreja ao mundo!

Não em termos ideológicos! Mas social e politicamente!

Um Papa que, oriundo do Leste, carregava com ele o fascínio do perseguido!

Um Papa que transformou o resignado sofrimento, tão caro à Igreja, numa imagem de marca!

Um mártir moderno! Numa altura em que a Igreja tem de lutar contra competidores cada vez mais ativos e dinâmicos.

Em que acusações de vício e corrupção ameaçam, fortemente, a sua reputação.

Enfim! O homem certo, com o certo e estoico padecimento, na altura certa.

 

O circo e a cidade


 
Aproximam-se mais umas eleições autárquicas. 

Pesem embora situações de falência técnica em grande parte dos municípios, candidatos é que não faltam.

Em Santarém, desde algum tempo, caras mais ou menos “larocas” começaram a surgir por praças e avenidas.

Passado o terramoto Moita Flores, abrem-se, de novo, perspectivas que estavam suspensas.

Gradualmente o circo regressa à cidade!

O PS abre as hostilidades, apresentando como candidata uma recente ex-governante; numa área social mediática e pouco desgastante.

O PSD, a CDU e o BE, apresentam candidatos de uma nova geração, com maior ou menor experiência política. Uma Candidatura Independente constitui sintoma de alguma vitalidade democrática.

Como sempre, a vitória vai dirimir-se entre socialistas e sociais-democratas. Os restantes lutam pela eleição de um vereador; encontrando-se a CDU, como também é usual, mais perto desse desiderato.

O PS parte com alguma vantagem potencial: candidata mediática, experiência autárquica e governativa, num tempo de vacas magras (hoje de rosto laranja) e num concelho que (não o esqueçamos) excetuado o efeito Moita Flores, deu sempre a vitória aos socialistas.

Algum défice de empatia, está a ser gerido por uma campanha precoce e de proximidade: a proximidade possível nesta altura do campeonato.

Mas o PSD não deixa de ter hipóteses, já que o seu candidato é, neste momento (após o episódio mais ou menos rocambolesco do abandono de Moita) o Presidente do Município.

Para isso, “basta-lhe” tirar partido politico-eleitoral da situação. De um exercício de poder que, mesmo em tempo de crise, pode perfeitamente ser populista.

E estabelecer, ou reforçar, as tais condições de empáticos afectos que, há décadas, elegem sistematicamente e perpetuam, entre nós, inúmeros presidentes de câmaras. Alguns, interruptamente, desde os tempos, já remotos, do 25 de Abril.

É um grande “basta-lhe”. Mas não é impossível!

Afinal, face a um eleitorado idólatra e pouco informado que vota por devoção e não por opção (leia-se independentemente das prestações políticas e de gestão, de competências e honestidades) um presidente que perde as eleições dificilmente merece ser presidente.

Pelo menos neste país de analfabetos funcionais!

Em que os “reality shows” são os acontecimentos públicos do ano e os governantes tiram cursos sem sequer ter posto os pés nas aulas*.

Em ridor absoluto, sem sequer serem alunos.

 

*Pelo menos, de forma a que os seus potenciais colegas e professores tenham, alguma vez, dado por isso!

 

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Mitos e criações do mundo


 

Comecemos por constatar que na sociedade dita ocidental, o tempo é visto como evoluindo segundo conceções lineares e escatológicas, que tendem a levar à crença num fim do mundo único e definitivo e mais ou menos apocalíptico.
No entanto, esta maneira de entender o cosmos e a sua fluência temporal, sobrepõe-se a um substrato anterior e pré-cristão em que o mesmo é entendido como degenerando-se gradual e irremediavelmente, segundo ciclos que coincidem com os ritmos cósmicos dominantes.

Na verdade, ambas as perspectivas incluem a noção da inevitabilidade da deterioração cósmica. Diferem, contudo, na irreversibilidade do fenómeno.
Afinal, cíclicas ou lineares, sempre as conceções existenciais entrópicas foram entendidas como modelo da recriação periódica: de forma a obstar à dissolução definitiva no niilismo primevo. De um retorno à unidade primordial.

Niilismo primevo, origem e princípio de todas as coisas:

“No princípio Deus criou o céu e a terra. A terra era informe e vazia. As águas cobriam o abismo” (Bíblia).

“O espaço jazia imóvel e sobre o caos descansava a imensidade do mar, num silêncio absoluto. Não havia coisa em ordem, nem coisa que tivesse ser” (Popol Vuh).

A partir daí os mitos cosmogónicos relatam a Criação do Mundo. A cosmogonia primordial!
Mitos que participam duma natureza mais vasta: daquilo a que se chamam os mitos de origem. Tão diferentes quanto as culturas humanas.

Os primeiros, falam da criação do Mundo mas também dos Homens

E, quantas vezes, concomitantemente, dos governantes divinos (reis, imperadores, faraós), que remetem genealogicamente aos deuses. São personagens divinas ou semidivinas, necessárias à interação com os deuses celestes, ao equilíbrio social, à fertilidade agrícola e da natureza.
Por isso o messias hebraico tinha de radicar na “Casa de David”.
Por isso, os reis, governam “…pela graça de Deus…”

Os segundos (que incluem os primeiros, mas os sobrelevam) relatam igualmente o início não primevo, mas absoluto, de determinadas situações e realidades.
O instante em que o Deus respetivo ensinou aos Homens o cultivo do milho, entre os povos do Yucatan.
Em que o criador concedeu aos homens os inestimáveis bois; entre os Masai do Quénia.
Em que o Homem recebeu dos deuses o segredo da plantação do arroz, em Timor Lorosae.
Em que o homem foi obrigado a sofrer e a trabalhar; entre os judaico-cristãos.

Uns e outros, remetem para um novo mundo, geral ou particular, que se inicia pela primeira vez nesse instante prodigioso, mas se repete, de novo, cada vez que um ritual reconstitui, de novo, o mito.

Poder-se-á dizer, então, que para as conceções ideológicas arcaicas, mais que quaisquer outras, todo o mundo é, “composto de mudança”!
Mudança que exige, contudo, uma imersão cíclica no limbo primevo! Condição purificadora indispensável para um novo começo. Começo gerado, em sentido estrito, a partir do “nada” absoluto!
A anulação entrópica, cíclica e radical, gera assim (através de uma catástrofe como um dilúvio ou um fim flamejante como o de Sodoma) um novo mundo e uma nova existência, numa dimensão perpétua do devir.
Só o caos, afinal, é criador!

Deste emerge o mundo, na maior parte dos mitos de criação:
“E Deus criou a terra, fazendo-a emergir das águas”.
“E Deus separou a luz das trevas”.

Mas a perfeição do começo exige a destruição do velho. A transmutação exige a dissolução das formas existentes, entendidas estas, também, social e culturalmente.
E enquanto a transição se verifica, o tempo e o mundo encontram-se mergulhados na desordem, no indiferenciado. Corresponde, este, a um período em que a velha ordem já desapareceu e a nova ainda não a substituiu.

É um tempo prodigioso, mas perigoso. Em que dominam as trevas, a desorganização, as carnavalescas atitudes de subversão. Orgias populares e licenciosidades, saturnais e bacanais, inversões da ordem e desregramentos sociais eclodem como elementos dominantes.
Contudo, se tudo correr como habitual, a cada morte seguir-se-á uma nova vida. A cada ciclo, um novo ciclo.
Para isso, para garantir a eficácia de tal transformação, os Homens desenvolvem, há milénios, diversos rituais propiciatórios:
Quando o Sol se extingue ou, pelo contrário, quando manifesta o seu apogeu, acendem grandes fogueiras, saltam, dançam e entoam cânticos elegiáticos.
Quando o ano velho acaba, criam figuras (vivas ou efígies antropomorfas) que personificam o ano velho, o degenerado, o gasto, o pecaminoso.
Muitas delas eivadas de diretos ou indiretos símbolos de regeneração. Serpentes, salamandras, chifres, laranjas, bugalhos, chocalhos.

Mais ainda, podem expulsar ritualmente personagens ou animais que simbolizam o que é velho, decadente ou pecaminoso: bodes expiatórios da corrupção moral e não só!

Para a teologia cristã, contudo, o mundo tende para um fim mais ou menos absoluto, catastrófico e grandioso na sua apoteose apocalíptica.
Ao fim do mundo corresponderá, neste caso, o fim da vida na terra; seguindo-se uma outra existência eterna e beatífica, perpetuamente feliz, mas numa outra dimensão existencial.

É a linearidade histórica da teofania cristã: uma só criação, uma só vida, um só fim!

Mas o mito não é, nas culturas arcaicas, apenas uma explicação sagrada: logo verdadeira. Necessária à inteligibilidade do real!
Exerce, igualmente, uma função exemplar. Exprime, realça e codifica as crenças, salvaguarda os princípios morais e impõe-os, garantindo assim a eficácia das cerimónias e fornecendo regras práticas para uso do Homem.

Aliás, as obrigações e interdições rituais são, normalmente, nas sociedades humanas, de origem mítica, mesmo que esbatida.
Assim como Nossa Senhora só foi à missa quarenta dias depois de estar de regimento, também as mulheres “paridas” não frequentavam a Igreja antes de passado esse tempo, em toda a zona das faldas da Serra d’Aire.
As mulheres árabes pintam o cabelo de negro enquanto as raparigas o pintam de vermelho, porque Maomé assim procedeu com as filhas. Os homens, principalmente os mais piedosos, usam normalmente barba, apenas e só, porque o Profeta o usou. Deste modo Maomé, o homem perfeito, tornou-se modelo de ser e de fazer. Através dele procedeu-se ao estabelecimento do padrão ideal de conduta humana.
Do mesmo modo, o sábado judaico ou o domingo cristão constituem imitações do comportamento divino: assim como Deus trabalhou durante seis dias e descansou ao sétimo, assim devem os homens fazer.

Tal comparticipação não só torna o mundo familiar e inteligível mas ainda, e igualmente, transparente!

Em suma, os mitos revelam que o Mundo e o Homem têm uma origem sagrada, e revelam que aquilo que se pretende fazer já foi feito antes. Logo que tal é possível e que os resultados são previsíveis se se seguirem as regras prescritas.
Não há portanto que hesitar. Basta repetir atempada e rigorosamente o ritual respectivo e os resultados virão a desencadear-se da forma esperada. Inequivocamente, inevitavelmente!

Hoje como ontem, os cerimoniais continuam a reatualizar os mitos primevos.
Na liturgia cristã, a missa constitui clara reconstituição da última ceia; paradigma da refeição comunitária, solidária na sua teofagia ritual!
As “procissões dos passos” repetem hoje o percurso dramático da “paixão do Senhor”, reanimando e teatralizando o mito.
O batismo constitui repetição arquétipa do episódio iniciático verificado no Jordão e tendo como intérpretes Jesus e João Baptista.
O presépio proporciona a reconstituição do contexto espacial e da envolvência sagrada que permitem, por seu turno, a eclosão da hierofania natalícia.
Todos representam situações que tentam, de alguma maneira, recriar esses momentos primevos e absorver, como que por osmose, as singulares valências desse mesmo instante inicial.

Só existe, portanto, um meio para alcançar a salvação: repetir rigorosa e ritualmente o drama supremo da vida de Cristo.
É deste modo a liturgia recupera, ritual e sistematicamente, o tempo dos primórdios.
O mito, aqui de Cristo, é a própria fonte de vida; o sentido último da existência. Imita-se Cristo (como se imitam outras divindades), no seu nascimento, na sua vida, na sua morte, na ressurreição!

Na verdade, os corpos míticos são tantos, quantos os modelos civilizacionais humanos. Muitos relatam o início absoluto; a origem da tribo ou do clã, desencadeada a partir da ação de um antepassado, de um animal totem, dos deuses, dos imortais. Todos contam uma história. Um acontecimento que ocorreu num tempo primevo, não datável e fabuloso; o tempo do começo!

Tempo do maravilhoso que remete para um Paraíso mais ou menos primevo. Em que os animais falavam. Os deuses andavam pela terra. E o mundo era um jardim de deleite e ventura.
Paraíso que, para os escandinavos, é um lugar de lutas e heroicidades perpétuas.
Para os indígenas americanos, caçadores exímios, “o país das caçadas eternas”.
Para os hebreus e árabes (povos do deserto) um luxuriante jardim/oásis.

Resumindo, os mitos não relatam apenas a origem do mundo ou do Homem, dos animais ou das plantas, mas igualmente as circunstâncias em que o Homem se tornou naquilo que é hoje: moral, sexuado, organizado socialmente, obrigado a trabalhar ou obedecendo a determinadas regras.
Explicam, assim, realidades existentes!
São a maneira mais adequada de explicar o inexplicável.
Tornando-o parte de um todo plausível e compreensível.

As suas matrizes obedecem a simbologias senso-comum num cosmos holístico, acrónico e acientífico.
Os mundos são sempre criados pela simples vontade de entidades divinas particularmente poderosas ou através de ações míticas heróicas e/ou redentoras.
Nalguns casos, a criação corresponde a uma separação (entre a luz e as trevas, a terra e o mar, o indiferenciado e o organizado) naturalmente ordenadora de uma nova realidade.
Noutros, à emergência da mesma a partir da morte de um monstro do caos primordial.
Os Homens, são criados da terra ou da água; meios ambientes em que estes se movimentam.
Assim como o barro permite a construção de formas que o fogo consolida, a terra constitui a matéria-prima com que os deuses moldam os Homens. Insuflando-lhes, naturalmente, a vida (normalmente identificada com um sopro) que assim surge como um dom sobrenatural.

Os mitos constituem, portanto, um precedente. Cratofanias que advogam, por exemplo, a aprendizagem como algo precioso, imbuído que está da participação na sacralidade primeva. Mesmo que o sujeito envolvido seja o, mais ou menos omnipotente, criador!

Para os Abissínios, Deus criou o Homem por sucessivas tentativas no intento de vir a criar o espécime perfeito; espécie de “santo graal” para os deuses criadores.
Um humanóide cozido em demasia e outro excessivamente cru constituíram os resultados nada brilhantes que emergiram do forno divino, nas duas primeiras experiências. Desagradado, e quiçá algo frustrado, Deus enviou então um para África e outro para a Europa respetivamente, onde se encontram ainda hoje.
Finalmente (os deuses também aprendem), a terceira tentativa redundou em pleno e dela resultou um homem com o tom bronzeado perfeito... o Abissínio!

Como se vê os povos não são modestos consigo próprios. O sentimento nacionalista, refletindo atitudes e interesses étnicos, surge muitas vezes como catalisador de etnocentrismos mais ou menos radicais.
É por isso que os Hebreus, cujo Deus para seu proveito exclusivo irá “fazer o mundo em seis dias” se consideram a si, e só a si, o “Povo Escolhido”!
E os exemplos são diversos. Todos eles referem contudo um tempo primevo, como primevos são os seres sobrenaturais que impõem a ordem no caos, dando origem ao mundo, às estrelas, aos animais e ao Homem.

Em muitos dos modelos civilizacionais, tal adquire, como dissemos, a forma de um combate em que o herói mítico, normalmente uma divindade de atributos solares, enfrenta e vence a serpente/monstro marinho dando origem ao mundo organizado.
Tal implica a morte ritual e violenta do monstro ou gigante primordial, avatar do caos, de cujo corpo irá o mundo constituir-se.
É Apolo que mata Pyton a serpente marinha, como marinha é Tiamat que Marduq vence após portentosa contenda.
É Siegfrid que derrota Fafnir, Indra que decapita Târaka; a serpente marinha adormecida.
É Perseu que corta a cabeça a Medusa e mata igualmente uma serpente marinha, salvando a bela Andrómeda.
Hércules que vence a Hidra das Sete Cabeças, bem ainda como a inevitável Serpente Marinha para libertar a filha de Laomedonte, rei de Tróia.
É ainda, Teseu, que vence o Minotauro.
É Hórus, o Deus/Falcão que trespassa a cabeça de Tyfon ou do dragão Apófis. O próprio Yahwé que cria o universo após a vitória contra o monstro Rahab.
É o nórdico Thor que combate a “Serpente do Mundo”. É o Leviathan, são as Górgonas, é Quetzalcoatl; a “Serpente Emplumada” dos Astecas e Toldecas.

Na realidade todas estas criaturas, monstruosas e primordiais, constituem na sua origem os princípios turbulentos e agitados do caos, postos em ordem pelos deuses solares. Serpentes e dragões, monstros marinhos gigantescos e terríveis, símbolos do tempo antes dos tempos, avatares do oceano primordial cujo desaparecimento vai ordenar o cosmos, cujo sangue fertiliza a terra, cujo corpo forma ilhas e continentes e proporciona o eclodir da vida, do Homem, muitas vezes dos próprios deuses!

Tais monstros constituem, portanto, o catalisador indispensável de qualquer ação heróica. Tais combates refletem-se na Terra, pois esta é o “imago mundi” ou espelho do cosmos. Aqui, como lá, eclode a ordem da criação, da justiça e da civilização, sobre a desordem, a indefinição e a pré-organização.

Combates míticos cujas reminiscências chegam até nós do fundo dos tempos através dos diversos filtros sincréticos, cristianizados sob a forma de lendas como Santa Marta e o Dragão ou, mais frequentemente, “São Jorge e a serpe”.
Aliás, em certas zonas do norte do país, ainda hoje dá lugar a simulações bélicas entre o herói/santo e o terrível dragão, hoje transformado num simpático robot artesanal provido de rodas, que o rapazio conduz no meio do maior alarido e brincadeira.
É a “Coca”, condenada a ser vencida anualmente pelo intrépido guerreiro que a tradição considera ser São Jorge. Ritual que expressa uma sempre renovada hegemonia cristã face a um arquétipo do caos, reconvertido de alguma forma, hoje em dia, em símbolo do mal e do pecado.
 
Combates míticos que sobrevivem, ainda, nos confrontos rituais entre “velhos”, “diabos”, “caretos”, “chocalheiros”, “carochos” ou “farandulos” do nordeste transmontano.
Todos eles simbolizam a vitória da luz sobre as trevas, da ordem sobre o caos, da criação sobre o niilismo primevo, do Sol sobre as forças entrópicas que tendem a anulá-lo e a dissolver a sua energia.

Marcam a transição do estado pré-cósmico; o oceano primevo, caótico, homogéneo e impassível. Caos que há-se ser ordenado pela energia primordial que se liberta de uma grande catástrofe ou epopeia.     
 
Nalguns casos, o monstro reptiliano é substituído por uma divindade, que assume assim o papel de fertilizador/redentor. É o que acontece com Ossíris que, morto e esquartejado por Set, vai através do seu corpo, espalhado pelos quatro cantos do mundo, fecundar a Terra e regenerá-la.
É o que se passa com Jesus, o cordeiro imolado, cujo corpo e sangue absorvidos pelo Homem irão dar origem a um novo mundo que a “nova aliança” simboliza.
O herói ou deus através do seu sacrifício, voluntário ou não, fará fluir as virtudes da ressurreição sobre toda a humanidade.
Efetuando permanentemente o sacrifício como Jesus ou Mitra ou renovando-o ciclicamente como Ossíris, Orfeu ou ainda Dionísio, o deus morre e renasce, deste modo revelando o caminho para a ressurreição, logo salvação!

Assim, todos estes mitos, bem ainda como os de Átis/Tammuz ou de Prometeu, cujo sacrifício é condição necessária à obtenção do conhecimento e à assunção do Homem como ser racional de corpo inteiro, marcam um modelo de rutura ou de cisão que é origem do próprio devir.
Porque o mundo tem de ser periodicamente renovado, recriado, configurando assim um eterno e inevitável retorno.

Ou um eventual e aterrorizante apocalipse final!
 
Que marca o fim dos tempos!
E uma existência de recompensa ou castigo num eventual “reino de Deus” mais ou menos paradisíaco!

 

segunda-feira, 11 de março de 2013

Cosmogonias e Apocalipses

No próximo dia 22 de Março, irei estar presente no CCRS (Forum Mário Viegas) para uma conversa/palestra/conferência subordinada a um tema algo incomum; uma análise comparada dos mitos da criação do mundo nas diversas culturas humanas, ontem e hoje.
Os princípios e fins dos mundos e seus concomitantes desígnios existenciais irão ser objecto de hermenêutica imterpretação.
As concepções entrópicas e a moralização da decadência, tornada pecaminosa. As configurações míticas e os tempos cíclicos e históricos.
Solstícios e calendas.
O tempo entre os tempos; domínio do caos e da desordem.
Os herois solares; criadores do mundo e matadores de dragões!
Os deuses redentores e sacrificiais e os modelos de salvação.
Tudo isto, e problemáticas relacionadas, irão estar em análise e discussão.
Oportunidade soberana, como se vê, para dialogarmos.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Bandarilhas de Ouro de 2012


Diz o povo, na sua secular sabedoria que a experiência suporta, que “em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”!
Que somos casa em que não há pão, é cada vez mais evidente. Que todos ralham, perfeitamente claro. Que a razão deambula, muitas vezes, por lugares que a razão desconhece, salta cada vez mais à vista!
Afinal, o perverso processo de aniquilação do Ribatejo, que, podemos agradecer aos Jorges “Judas” Lacões e aos Miguéis “Vasconcelos” Relvas, assiste agora ao corolário final (há muito anunciado), enquanto a tanga financeira que nos vão impondo, se confunde, cada vez mais, com um elegante fio dental!
Exige-se assim o regresso dos acintosos prémios regionais que, um fim de ciclo, fez interromper.
Denominados, agora, “bandarilhas de ouro”; ou não seja esta arte (dita “brava” e festiva) de agarrar touros de frente, de lado, de trás (e, suponho, também de outros ângulos menos referenciáveis) um autêntico tesouro regional!

 
1 - Prémio “Cadé ela?

Para Miguel Relvas (que após ter ganho de presente uma licenciatura) rejeitará em absoluto ter tido qualquer comportamento ilícito na gestão do dossier das privatizações da REN e da EDP e acusará (com ar devidamente indignado) o Jornal Público, de “denegrir a sua imagem e promover uma campanha contra a sua honra”!

 
2 - Prémio “Quem não tem vergonha…”

E como não podia deixar de ser, para a “Licenciatura Farinha Amparo”, do dito cujo. Exemplo paradigmático do estado, a que o estado do Estado chegou! Em que à impunidade se junta a desvergonha da ilegitimidade e a descarada solidariedade institucional.

 
3 - Prémio “Olh’ó passarão!”

Para António Rodrigues, Presidente da Câmara Municipal de Torres Novas, que admite encerrar a Câmara, às sextas-feiras, para reduzir custos!
Eis, assim, com a simplicidade das coisas geniais, resolvidos de uma penada os problemas financeiros das autarquias. Basta encerrá-las!
Ou será (como diz um amigo torrejano) que estes “custos” são outros. Por exemplo, o custo de ter de trabalhar cinco dias por semana?!

 
4 - Prémio “Fia-te na Virgem…”

Para Luís Loureiro, treinador do Fátima, garantindo que “ainda não pediu nada a Nossa Senhora, mas espera, no final de época, vir agradecer a vitória no campeonato.
Tenha lá paciência amigo Loureiro, mas isso é, como usa dizer-se, uma intolerável tentativa de ganhar na secretaria.
Lesiva da verdade desportiva (já que os outros clubes não possuem uma divindade residente) e afetando, inclusive, a propalada universalidade de Maria.

 
5 - Prémio “Quem sabe, sabe!”

Para Paulo Caldas proferindo uma conferência (em Santarém) sobre gestão autárquica e os quadros comunitários de apoio, enquanto, nesse âmbito, é acusado judicialmente de “denegação da justiça”, peculato e diversos pagamentos indevidos.

 
6 - Prémio “Os carneiros são nossos amigos”

Para Manuel Evangelista, que acusou os eleitos da Assembleia Municipal de Almeirim de “votar em carneirada”.
Amigo Evangelista, o que é que os carneiros lhe fizeram, para em tais companhias os colocar?
Já viu algum carneiro a votar? Deixe lá os bichos em paz!
Porque é que em vez de “votar em carneirada” não diz “votar em boyada”!
Não! Não tem a ver com bois! Tem a ver com “boys”!

 
7 - Prémio “Desplante alentejano”

Para a Câmara Municipal de Santarém que, há mais de dez anos, mantêm um dístico na frontaria do Café Central onde se pode ler em letras garrafais “Brevemente restituiremos este espaço à Cidade!”

 
8 - Prémio “Três em um”

Para a criação da megaempresa municipal “Viver Santarém”.
Proporcionadora de um momento notável, enquanto reflexão filosófica, sobre o sentido das coisas!
Afinal, se o um em três não resultou, mais que resultou o um sem três, porque diabo há-de resultar o três em um?!

 
9 - Prémio “Com amigos destes”

Para a madrinha do Grupo de Forcados de Vila Franca de Xira, ao realçar o papel tauromático dos mesmos, questionando (sem se rir, esclareça-se): “quando os cavaleiros espetam as farpas nos touros que ficam doridos e raivosos (pudera) quem é que salta para a arena para lhes dar um abraço amigo?”

 
10 - Prémio “O paraíso perdido”

Para Moita Flores, no seu modesto balanço de despedida, ao afirmar: “Lançámos o maior investimento de sempre (…) no domínio do saneamento, provocando o maior sobressalto civilizacional, depois da chegada da iluminação”.
Eu diria, mesmo, enfileirando com os mais importantes momentos da História da Humanidade. Ao nível da descoberta do fogo! Da invenção da roda. Da chegada do Homem à Lua!

 
11 - Prémio “O circo veio à cidade”

Ainda para o dito ex-presidente e criminalista, ao afirmar que, no seu mandato, “Santarém se transformou no palco do país e da cultura”.
Atendendo à situação em que estão, tanto a cultura como o país, imagine-se o que, nos últimos anos, por aqui passou!

 
12 - Prémio “Eternos gazeteiros”

Para os alunos do IPS que abandonaram a sala (quando o respetivo Presidente ia iniciar o discurso de abertura do ano lectivo), protestando assim contra a diminuição do período das praxes de dois para um mês.
E fizeram muito bem! Não lhes chegam, já, quase cinco meses de aulas?!!  Ainda querem reduzir os insignificantes dois meses das praxes?!
Querem castrar os jovens ou quê?!!

 
É o pitoresco feito panaceia! A ironia como terapia!
Quantas vezes a desvergonha de quem se não envergonha, da pouca-vergonha que é a sua falta de vergonha!
Enquanto o riso não pagar imposto?
Se é que não paga já….