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quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Inferno na Terra



No mar de chamas em que o país tem estado mergulhado, continua a notar-se, hoje como ontem, nos mais diversos jornalistas e politólogos de serviço, uma excessiva postura analítica de conjunturalidade.
Conjunturalidade, que se funda numa opção consciente de crítica às situações próprias do momento (sempre da responsabilidade, dos famigerados, opositores políticos) e esquecendo, situações estruturais diversas, que permitem que, nestes fenómenos, independentemente de eventuais falhas de comunicação ou de enviesados contratos de meios aéreos ou de apoio logístico às forças no terreno (que, naturalmente, devem ser investigados), sejam visualizadas causas proporcionadoras bem mais abrangentes, persistentes e profundas.
Porque é de causas proporcionadoras que falamos. Catalisadoras ou, simplesmente, facilitadoras.
E porquê, afinal, toda esta ligeireza?
Porque uma análise mais alargada no tempo (diacrónica, se quisermos) pode fazer remontar culpabilidades ao tempo em que (na nossa habitual alternância partidária) alguns dos críticos individuais ou institucionais de hoje eram, afinal, responsáveis de ontem.
Ou, porque, achamos que tal corresponde, indiretamente, a uma intenção de desculpabilização dos atuais governantes.
Ou, já agora, porque as questões estruturais não se reconhecem numa temporalidade eleitoral; leia-se, eleitoralista.
Daí, o debate, esquecer, quase sempre, as mais importantes causas em presença. Estruturais, globais e anualmente agravadas.
- Causas que começam, logo, pelo aquecimento global. De que muito se fala em termos teóricos e globais (ecologicamente corretos) mas que, pelas razões expostas e não só, nos esquecemos de relevar a sua evidente influência operativa, aqui e agora.  
Aquela que torna usuais temperaturas de quarenta e muitos graus; algumas décadas atrás praticamente insólitas.
E que torna as formas tradicionais de combater os fogos pouco adequadas a estas novas condições climatéricas.
- Causas que se relacionam, igualmente, com a desertificação do interior; em função do qual o, ciclicamente badalado “Ordenamento do Território” surge, em grande parte, como uma espécie de miragem.
Primeiro, porque qualquer intervenção significativa neste domínio implica grandes e demorados investimentos e um, ainda mais demorado, desfasamento entre os mesmos e eventuais resultados visíveis. É, portanto, uma opção que não comtempla, facilmente, as habituais temporalidades que norteiam a nossa classe política.
Segundo, porque necessitamos, pura e simplesmente, de ordenar quase todo o território nacional. Principalmente o interior desertificado e deixado, há décadas, entregue ao crescimento desordenado de mato e arvoredo.
Em que a crescente ausência das populações acarretou um enorme problema demográfico e territorial. Não só no proliferar descontrolado de árvores e mato particularmente consumíveis (que, esclareça-se, ocupam hoje não só as anteriores zonas florestais como, ainda, uma parte, cada vez maior, de espaços que estavam ocupados com aldeias (hoje desertas), hortas, lameiros, pastagens, zonas cultiváveis e frutíferas), como ainda tem levado, naturalmente, ao mais completo abandono da limpeza das matas.
Situação que não se resolve, só por si, com leis que obrigam à sua limpeza.
Até porque as mesmas, em muitas zonas do país, não são, sequer, exequíveis.
Afinal, grande parte dos detentores de terras do interior (fundiariamente microdivididas) está ausente temporária ou definitivamente (da região ou do país) e, alguma dela, até já deste mundo. Os seus descendentes cortaram, quantas vezes, as relações com muitos pedaços de terra dos quais, às vezes, nem sequer conhecem a localização.
E, a cada vez mais exígua população residente, é constituída por pessoas idosas e empobrecidas que não possuem condições para limpar os seus terrenos (nalguns casos nem, sequer, do próprio quintal), e, ainda menos, pagar a alguém que o faça.
É esta a situação deplorável que décadas de incúria provocaram.
- Causas, finalmente, que assentam na inadaptação da justiça a este tipo de crimes. Que o país ainda não percebeu (ou não quer perceber), não podem continuar a ser tratados como até aqui. Não só porque estes têm, hoje, uma consequência incomensuravelmente maior, como é este um sector no qual operam (há décadas) diversas organizações criminosas.
Não são, assim, apenas questões psíquicas e patológicas as aqui envolvidas. Mas, sim, um verdadeiro crime organizado.
As investigações têm, portanto de ir mais fundo e mais longe e as sanções tem de ser mais pesadas e, principalmente, adequadas a este tipo de crime. Eventualmente, sei lá, fazer os pirómanos pagar as penas de prisão nos meses anuais propícios aos incêndios*.
Afinal, este é um crime em que todo o território constitui uma potencial área de vulnerabilidade. E não pudemos fiscalizar, total e absolutamente, todos os cantos e recantos deste país.
Onde, a esmagadora maioria da população vive hoje num quinto do território; com todos os problemas de concentração demográfica daí resultantes.
Enquanto no resto do país, em povoações em estado acelerado de desaparecimento, subsistem (num limbo existencial) escassos idosos, especialmente vulneráveis ao abandono, a ações criminosas e aos efeitos dramáticos das mais diversas intempéries.
E, enquanto isto, vamos alimentando estéreis e levianas guerrilhas partidárias que, para mais não servem, muitas vezes, que tomar a “pole position” na grelha de partida acusatória.
Acusar o outro; antes que me acuse a mim.

*Há um ano, precisamente (num artigo de opinião publicado num periódico regional) advogava, já, esta opção penal. Soube agora que o Parlamento acabou de aprovar uma lei para obrigar os piromaníacos a prisão domiciliária, com pulseira eletrónica, durante o período dos incêndios.
A ideia é a mesma, embora, não se tenha ido tão longe. Afinal, a pulseira, não obsta, em absoluto, que os ditos continuem a atear fogos.
Apenas os coloca no lugar; o que facilita a imputação de responsabilidades.Resta saber se, para maníacos (pagos ou não), isso é assim tão importante.

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