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Espaço de comunicação que se espera interactivo, este é um instrumento que permite estar próximo de amigos,presentes e futuros, cujas contingências da vida tornam distantes mas nem por isso menos merecedores de estimas e afectos.


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quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

O Síndrome de Polifemo

A delirante proposta do PAN, pretendendo proibir os provérbios populares que falem de animais, parece estar a fazer escola. Confesso que sempre fui um defensor das causas dos animais. Não, necessariamente, dos cãezinhos e gatinhos das Quintas da Marinha que, muitas vezes, pretendemos transformar em burlescos simulacros humanos. Mas dos inúmeros animais, ditos domésticos, abandonados; numa sociedade que os gera mas não gera condições que lhes permitam uma sofrível qualidade de vida. E dos não domésticos, que razões economicistas vão extinguindo por todo o mundo. Diretamente através de matanças (indiscriminadas ou não) ou, indiretamente, através da inexorável diminuição dos seus ecossistemas. Bem como daqueles que, para exclusivo gozo, criamos como instrumentos do nosso entretenimento. Aos quais provocamos (de forma artística, esclareça-se), desnecessária dor e sofrimento; enquanto expressão das nossas mais perversas vaidades. Ora, recebi recentemente, através das redes sociais, um estrato audiovisual que dava voz a três militantes espanholas que, entrevistadas a propósito, explicavam convictamente porque na sua quinta (ecológica, com certeza) mantinham separados galos e galinhas. “Para evitar que os galos violem as galinhas! Nem mais! Fica assim demonstrado, nestes episódios bizarros de “violência doméstica”, que todas as populações de galináceos existentes neste Mundo (bem como das outras aves e de muitas outras espécies animais), são resultado, estrito, de sucessivas violações. Desde o início dos tempos, presume-se. Pelos vistos, tem sido um regabofe! Bem, pelos menos pudemos agora, levantar um pouco o véu que envolve um dos maiores mistérios da criação: porque é que “os galos, cantam de galo!” Julgávamos nós que era para anunciar o sol-nascente. Santa ingenuidade! Apressam-se, isso sim, mal nasce a alvorada, a proclamar aos quatro ventos as suas ignóbeis proezas sexuais. Tarados!! Então, já agora e calhando em conversa, quem defende o Louva a Deus macho, morto recorrentemente pela parceira (desde há algumas centenas de milhões de anos a esta parte), durante o amplexo frenético de reprodução? Tenham lá paciência mas, nestas coisas, não pode haver filhos e enteados. Enfim, dizia a propósito, enquanto comentário anexo, o meu amigo (professor e antropólogo) responsável pelo envio de tal preciosidade: “Sem nos apercebermos, estamos a criar uma geração de idiotas”. Não sei se poderemos, em rigor, falar de uma geração; é com certeza injusto para muitos. Agora o que eu sei é que, no caso presente, reputá-los de “idiotas”, é ter os idiotas em boa conta!

Mais papistas...

A firme intenção da Federação Inglesa de Futebol castigar as manifestações de racismo é algo que, naturalmente, não podemos deixar de realçar e subscrever. A ação que desenvolveu, há algum tempo, em conjunto com as autoridades, no combate à praga do holiganismo, constituiu exemplo de determinação e vontade que, hoje, serve de modelo para muitos. Mas, como diz o povo, “tudo o que é demais empata a venda”. E a decisão de castigar Bernardo Silva, jogador português do Manchester City, surge como manifesto exagero que, ao contrário do que se quer fazer querer (e que, afinal, seria o seu papel), não ajuda nada a combater tais manifestações discriminatórias. Castigar alguém que se limita a trocar piadas com um (pelos vistos) amigo do peito, feitas de humor e remoque é, convenhamos, ser bem “mais papista que o Papa”. Aliás, eventuais recriminações apenas teriam sentido pelo facto de tal ter sido publicado numa rede social que, muitas vezes esquecemos, não se trata apenas de uma forma de conversar. Uma qualquer repreensão já seria mais que suficiente. E constituiria uma decisão bem mais pedagógica. Até para transmitir que, o que está em causa, não é (nem pode ser) apenas e principalmente aquilo que se diz. Mas a forma como se diz. A razão porque se diz. A intenção com que se diz. E não se venha com argumentos de que a intenção não é facilmente avaliada e mensurável. Afinal, é o mesmo Futebol que possui leis de aplicação disciplinar em que os casos acontecidos durante os jogos são penalizados (logo são avaliados) de acordo com a intenção do jogador. E isto, desde logo, no momento e no interior do campo; em condições que são tudo menos adequadas a apreciações ponderadas. Num contexto, convenhamos, bem mais difícil de avaliar. Temos hoje proibições a mais. Normas a mais. Leis reguladoras a mais. A prova de que são exageradas é que as cumprimos cada vez menos. Não estão, portanto, a desempenhar o papel para que foram criadas. Talvez devêssemos investir menos em imperativos normativos e investir mais na educação da cidadania. Mesmo que os resultados previsíveis pudessem ser menos imediatos. Tenham lá paciência, mas a luta contra o racismo não pode contribuir para o desaparecimento (por proibição ou cautela exagerada) das relações de amizade que se querem naturais e espontâneas e do imprescindível uso do humor e diversão entre pessoas de diferentes etnias. Sejam eles negros, brancos ou azuis às riscas! Isso é o pior que poderemos fazer para uma sã e natural convivência multicultural. É envenená-la! E, portanto, inviabilizá-la!

A Festa dos Tabuleiros e a Unesco

Assiste-se, cada vez mais, a candidaturas tendentes a obter o registo patrimonial da UNESCO, respeitantes a uma multiplicidade de ações, padrões e complexos culturais imateriais. Pode até dizer-se, que o frenesim das candidaturas a Património Mundial ameaça desvalorizar, pela vulgaridade numérica, novas e velhas classificações. Seja como for, um dos mais recentes propósitos nesse sentido, respeita à Festa dos Tabuleiros em Tomar. A propósito da intenção, em curso, referente ao “Fandango ribatejano”, tive a oportunidade de tecer, recentemente, algumas considerações, salientando, entre outras coisas, a natureza fóssil desta dança como aliás de qualquer outra hoje integrante daquilo a que chamamos Folclore (na Região e no País) há várias décadas desaparecido como elemento cultural vivo. Portanto, tal como no “Cante alentejano”, também o “Fandango”, a insistir-se na candidatura, vai, literal e obrigatoriamente, fazer de conta que está vivo. Afinal, quando se trata de património imaterial sempre se pode, mais facilmente, fazer de conta. Bem mais difícil seria vender como atual um templo ou uma fortificação entretanto desparecida. Um conjunto geológico, entretanto arrasado. Um bosque de raras e preciosas espécies, entretanto transformado numa urbanização. No contexto intangível criam-se, simplesmente, representações/reconstituições etnográficas e apresentam-se, as mesmas, nos processos de candidaturas, como ações espontâneas e regulares. À boa maneira do desenrascanço português. Contudo, a hoje denominada “Festa dos Tabuleiros” apresenta algumas e significativas diferenças. Se é verdade que esta antiga Festa do Espírito Santo (hoje estilizada a partir do modelo “Império”) foi alvo, em meados do século XX, de um processo de fusão e concentração concelhia a partir de festividades em desaparecimento (dando origem uma grande festa municipal e municipalizada) e se é certo que neste processo de institucionalização se virão a perder, com o tempo, os últimos carateres devocionais, não deixa igualmente de ser verdade que os mesmos virão a ser substituídos por uma outra motivação agregadora, vinculadora de um semelhante sentimento de pertença. Nem mais, nem menos que aquilo a que podemos chamar o sentido patrimonial. Algo que tornou, gradualmente, cada uma das atuais largas centenas de participantes, alguém que faz dessa participação a expressão mais cabal do orgulho de ser tomarense. A semelhança do que acontece com algumas outras situações no nosso país, hoje igualmente mediatizadas (como os “caretos trasmontanos” ou a utilização do “traje tradicional pela mulher da Nazaré”) o que está aqui em causa, em última instância, é a forma como a comunidade, mesmo aquela dispersa espacialmente, se vê refletida aos olhos dos outros. Sente a importância que os outros atribuem à sua Festa. À sua Terra. E sentindo, se acha, naturalmente, valorizada. Portanto, se a Festa perdeu o fator devocional que a manteve viva por séculos, encontrou outro tipo de suporte vivencial. Conferindo, assim, à iniciativa, contornos que ultrapassam a, à primeira vista considerada, reconstituição etnográfica. E, hoje por hoje, mantendo de alguma forma, esta manifestação festiva, enquanto elemento determinante de identidade comunitária. Até porque, mais que quaisquer outras festas populares, as festas espiritistas, pelas suas exigências de encargo e configuração, sempre acarretaram (para lá das respetivas confrarias) uma mais alargada estrutura organizacional, muitas vezes, até, municipal e corporativa. Deste modo, as condições exigidas pela UNESCO, pese embora a natural e evidente diluição devocional*, parecem assim, numa perspetiva socio-antropológica, cabalmente preenchidas. *Afinal, estas festividades tiveram de lidar no Continente com mais antigas, apegadas, telúricas e antropomorfas entidades divinas (ou divinizadas) como os santos ou a Virgem. Com prejuízo evidente, a médio e longo prazo, para as mesmas.

quarta-feira, 26 de junho de 2019

Os Profºs

Dizia, há alguns anos atrás, o conhecido antropólogo e historiador espanhol Júlio Caro Baroja, numa entrevista ao Jornal Le Monde; “o paranormal [pelo menos o mais VIP e badalado], a ovnilogia e a queda de extraterrestres, não passam [dos mitos] das velhas bruxas encobertos por uma linguagem pretensamente científica”. O mesmo se pode dizer, convenhamos, da astrologia, em termos do reconhecimento social e promoção mediática, bem como dos inúmeros médiuns (profs, assim chamados) de configuração exótica e múltiplas e pretensas capacidades, abarcando todas e mais algumas áreas da magia, feitiçaria, mediunidade, curandeirismo, astrologia e quejandos. Com denominações (Profº Anu, Profº Toga, Profº Sábá, etc.,…) que remetem para culturas estranhas e distantes (quase sempre africanas) e reivindicam ignotos conhecimentos, daí oriundos e obtidos, depreende-se, em processos iniciáticos herméticos e misteriosos. Tratam tudo! Enganos e desenganos, amorosos ou não. Negócios e falências; milagrosamente revertidas. Doenças de todo o foro e mais algum; físicas ou metafisicas. Apegos e desapegos. Amarrações e adivinhações diversas. Casamentos e descasamentos, se for caso disso. A simples sorte ou o esconjuro do azar. Fidelidades e infidelidades. Fertilidades e infertilidades. Felicidade e enriquecimento; como condições plenas e absolutas. São os novos magos! Substitutos dos “curandeiros” (ou mais precisamente “curandeiras”) de antigamente; tradicionais e populares. Incorporando e reivindicando, agora, todas e mais algumas competências. Afinal, uma espécie de tudo em um! Próprios de uma sociedade abrangente e global. Mas, nem por isso, menos crédula.

terça-feira, 25 de junho de 2019

O Fandango e a UNESCO

A Entidade Regional de Turismo do Alentejo e (parte do) Ribatejo revelou, há algum tempo, no Cartaxo, a propósito da Candidatura do “Montado de sobro” a Património da Humanidade que, o “Fandango”, viria a ser, igualmente, candidato a esse estatuto. Passados quase três anos de suposto esquecimento, o mesmo dá agora, novamente, mostras de reanimação. Resta saber como é que o Fandango vai preencher o requisito que a UNESCO exige: o de se tratar, obrigatoriamente, de um padrão cultural vivo. Requisito que, como se sabe, o Fandango deixou de cumprir há largas décadas. Bem largas, por sinal! Portanto, para vender o mesmo como uma tradição vida e atuante (e não como a representação etnográfica que os diversos grupos, ditos folclóricos, veiculam) obriga, necessariamente, à realização de ações supostamente espontâneas mas que, de espontâneas, só poderão, mesmo, ter o nome. Contudo, confesso que não me repugna assim tanto a utilização de tais subterfúgios mesmo que, naturalmente, me recuse a tomar parte em algo que, mesmo que bem intencionado (admitamos), constitui, sempre, uma fraude. Afinal, estamos num país em que a moral é cada vez menos um imperativo de orientação e, mais, um irritante obstáculo a tornear. E não é a primeira vez (mesmo em Portugal) que tal acontece (veja-se o exemplo do “Cante alentejano”) e, calculo, não seja a última. Tendo ainda em conta que, tal reconhecimento, mesmo que obtido por métodos tortuosos, arrasta sempre um potencial promocional não desprezível. Mas, ao menos, que se aproveite para estudar o Fandango de forma a ultrapassar os variados equívocos que o impregnam, que hoje estão identificados e analisados mas continuam, em muitos casos, a plasmar as representações (ditas folclóricas) realizadas nesta Região. - Por exemplo, que o Fandango não é uma dança; mas sim um tipo de danças! Como acontece com qualquer dança ribatejana, ou não, proliferam as variantes de fandangos por todo o Ribatejo,.. por todo o país! - Que à semelhança de outras danças, igualmente vistas como regionais, o Fandango não é uma dança estritamente ribatejana! Como os “viras” não são só minhotos, os “corridinhos” não são só algarvios, os “bailaricos” não são só saloios, as "saias" não são só norte-alentejanas! Existem fandangos em diversas regiões, principalmente na Estremadura e no Minho, mas ainda nas Beiras e até no Alentejo e nos Açores. Existem, a jusante, inúmeros fandangos em Espanha. A montante, diversos no Brasil. - Que o Fandango não é, como se poderia julgar, uma dança em que o canto esteja, necessariamente, ausente! À semelhança do que era comum nos teatros lisboetas de setecentos, muitas versões eram, normalmente, cantadas. Não só no Ribatejo (onde, embora não dominantes, surgem, ainda, algumas versões cantadas) mas, tanto quanto se sabe ainda, na Estremadura e nas Beiras, e igualmente, como modelo usual, em terras minhotas. Também no Brasil e em Espanha tal situação era frequente. - Que o Fandango no Ribatejo não era só dançado por homens, mas indiferenciadamente por homens e/ou mulheres. Isto tanto no Bairro onde (embora relutantemente) se foi há mais tempo aceitando, como na Charneca ou na Lezíria. Como acontecia no Vale de Santarém, em Torres Novas, nos Riachos, no Pego e nas Mouriscas de Abrantes, no Cartaxo, na Glória do Ribatejo, em Benavente, na Golegã, na Moita, em Alcanhões, etc,... - Finalmente, que o Fandango não era, como hoje se julga e representa, uma dança de movimentos rígidos, invariáveis, quase hieráticos. Mas, pelo contrário, uma dança cujas variações se expressavam, essencialmente, a nível coreográfico. Coreografias feitas de passes criativos e personalizados, imagem de marca de cada fandanguista e dependentes, em última instância, da criatividade, dinâmica e resistência física daqueles. Se isto ficar consagrado (e independentemente das vantagens promocionais envolvidas) terá, com certeza, valido a pena. Se não, se contribuir para cristalizar tais equívocos (perpetuando uma memória errónea e falaciosa das nossas raízes culturais), então, mais valia estarem quietos!

Os "Coveiros" do Ribatejo . Entrevista ao C. R. em Dezembro de 2018.

- Em que consiste, o Projeto apresentado, em parceria pelo Fórum Ribatejo e a ESES, ao Orçamento Participativo Portugal 2018? Na reunião de Benavente, em 2017, na sequência de uma reflexão sobre identidades regionais, o Fórum Ribatejo decidiu contactar a ESES no sentido de se vir a desenvolver um projeto de investigação que aferisse das condições atuais de pertença ao Ribatejo, das populações dos concelhos que, de uma forma ou de outra, são considerados como tal. Da assunção deste desiderato pela Escola Superior de Educação de Santarém, o mesmo foi alvo de uma proposta ao OPP. Da sua aceitação decorre, agora, o processo de votação que decidirá, ou não, a sua orçamentação; logo concretização. Suponho que não é necessário assinalar a importância do mesmo; afinal construirá a sustentação científica que poderá permitir ao Ribatejo reivindicar condições que as suas dimensões culturais enquadrem. - Na sua opinião, existe uma identidade Ribatejana ou um conjunto de identidades? O que é, afinal, este ‘Ribatejo Cultural"? Uma identidade é sempre composta de diversos elementos de identidade. E de complexos diferenciados em sociedades naturalmente multifacetadas. De diversas identidades, se quisermos. A questão está na dimensão das diversas noções de pertença e da maior ou menor adesão aos mais diversos fatores identitários. Bem como da respetiva expressão social, etária, territorial ou de género. De forma a podermos perceber se a identidade sociocultural ribatejana possui ou não (num dado momento) uma dimensão susceptível de afirmação regionalista. Quando ao, dito, “Ribatejo Cultural” é, apenas, a componente cultural do Ribatejo. O Ribatejo, enquanto emanação cultural. Visto num contexto holístico e integrado. - O que fazer, então, para preservar valores culturais e identidade regional? Enquanto organizações político-administrativas, já seria bom que se apercebessem da natureza e dimensão do património cultural da Região. Talvez depois, a partir daí, fizessem alguma coisa em seu proveito. Enquanto organizações não governamentais, como o Fórum Ribatejo, podem continuar a fazer aquilo que têm feito. Desde logo chamar a atenção para as diversas valências culturais e refletir sobre elas, tomar posição sobre os aspetos regionais candentes (nomeadamente o processo de desagregação em curso), juntar os agentes culturais da região e envolvê-los na realização de iniciativas de importância social, história, política e cultural. Em suma, ser um fórum de debate e reflexão e um catalisador de iniciativas socioculturais que envolva as pessoas e as instituições. - Decisões político-administrativas têm vindo a tratar esta região sem reconhecer a sua integridade territorial e cultural. O Ribatejo, hoje, não se está a diluir entre a Lezíria e o Médio Tejo? A diluir e a retalhar. Não, apenas hoje, mas há algumas décadas. Aliás, pode dizer-se que, enquanto potencial de regionalização, o Ribatejo foi traído por aqueles que, mais obrigação tinham de o defender. Autarcas, deputados, dirigentes regionais dos diversos partidos instalados no poder regional. Não todos, mas… grande parte deles. Por razões de interesse pessoal e de grupo (leia-se, Partido) despedaçou-se o Ribatejo provocando, nele, uma atomização e dispersão do poder regional: num autêntico milagre de multiplicação de cargos; leia-se “tachos”. Por razões interesseiras (entenda-se egoístas) o lobby que devia ter, afinal, a obrigação de defender o Ribatejo, vendeu-o (e vendeu-se) por, eventualmente, “trinta” “dinheiros”. E nisso todos os partidos de poder regional tiveram culpas, em maior ou menor grau. - Tem-se falado da criação de uma nova unidade territorial (NUT II) que restabelece a aproximação histórica do Ribatejo-Oeste. Acha que seria uma boa opção para ambos os territórios? Não vindo, o Ribatejo, a constituir um território autónomo, a ligação com o Oeste acaba por ser, de alguma forma, lógica. Seja como for, tal opção, não deixa de constituir um mal menor. Menor,…. mas mal! Pior ainda será, com certeza, a ligação com Lisboa que, pese embora propaladas vantagens económicas, nos transformará num mero apêndice sem réstia de poder e afirmação. Ou, já agora, com o Alentejo (como acontece, hoje, na Entidade Regional de Turismo); um perfeito desvario. - Faz parte do Fórum Ribatejo de que foi coordenador e fundador. Em que consiste esta organização? O que motivou o seu surgimento? O Fórum Ribatejo surgiu em 2009 com o propósito de agregar os agentes socioculturais que viam o Ribatejo, precisamente, como algo mais que um tecido a retalhar, de acordo com interesses pessoais e de grupo. Juntar essas pessoas e esperar que daí saíssem reflexões conjuntas e eventuais e decorrentes, iniciativas. E assim tem acontecido. - Que ações vem a Associação concretizando e que objetivos espera alcançar? Esclareça-se que o Fórum não é uma associação. Nem pretende ser. Mas sim uma plataforma que congrega pessoas com perspetivas e objetivos semelhantes. Com o mínimo de organização formal e o máximo de liberdade de auto-organização dos seus membros. É um organismo de novo tipo; se quisermos. Que surge para juntar e não para dividir. Por isso todas as atividades que desenvolve são feitas em parceria com instituições da região; municípios (principalmente), órgãos de informação, museus, associações culturais, instituições de ensino, etc.,… Tem hoje mais de quatro dezenas de membros provenientes da grande maioria dos concelhos da região. Que se auto-organizam, nas assembleias trianuais, e desenvolvem, num tempo prescrito, ações pontuais (principalmente) mas também periódicas, como os Encontros de Historiadores Locais Ribatejanos e os Encontros de Cultura Popular do Ribatejo sediados na Barquinha ou até, continuados, como a Base de Dados do Ribatejo em processo de instalação na Biblioteca Municipal de Torres Novas. Sessões de reflexão sobre “Arte Popular e Folclore” (realizadas na Golegã e em Santarém), o Ribatejo e o Futuro (igualmente em Santarém) e Identidades Regionais (em Alcanena) ou, colóquios temáticos sobre a Ferrovia Nacional (Entroncamento), o Culto Mariano (Ourém), o “Ribatejo na 1ª Grande Guerra” (Montalvo/Constância) ou, ainda, o Ribatejo e a República, (Cartaxo); sempre, naturalmente, em parceria com os respetivos municípios. Finalmente, para não ser exaustivo, iniciativas como o “I Encontro de Museus do Ribatejo” acontecido em Abrantes ou os espetáculos lúdico-culturais “Tejo Arriba” realizados, em cenário natural, nas margens do Tejo. Em Salvaterra de Magos (2016), Constância (2017) e Barquinha (2018): uma outra forma de mostrar o Ribatejo. Enquanto fórum de reflexão, defensor da integridade ribatejana, impulsionador dos seus valores culturais e promotor das suas identidades, o Fórum Ribatejo tem, deste modo, constituído um elemento de interligação entre pessoas e instituições desta Região; frequentemente tão dispersas e pouco solidárias. - Que tem, afinal, o Ribatejo para oferecer enquanto possível região autónoma ou pelo menos sub-região mas mantendo a integridade territorial? Desde logo o ser o coração da nossa agricultura (nomeadamente intensiva) e da criação de gado principalmente de grande porte: touros, bois e cavalos. Produções alcançando produtividades de nível internacional. Mas apresentando, igualmente, produções de ponta; como o vinho, o azeite. O Tejo; apenas o maior rio da Península; que, em Portugal, aqui corre, essencialmente, e que deveria constituir a grande via de comunicação, cenário de desporto e espaço de lazer. E o turismo, claro. Assente em cidades e vilas históricas que possuem algum do nosso património mais relevante referente (e não só) ao gótico e manuelino. Na festa brava: em valências como o campino e o fandango que embora arquétipos estilizados não deixam (aliás, por isso mesmo) de apresentar enorme eficácia turística. Em festivais gastronómicos de diversa natureza (Rio Maior, Benavente, Santarém ou Salvaterra), ou feiras como o Colete Encarnado em Vila Franca, a Ascensão na Chamusca ou a Feira de Maio na Azambuja, constituem referências festivas, inclusive, nacionais. No turismo religioso, naturalmente. E na paisagem, já se vê. - Na paisagem? Sim, embora o Vale do Tejo (para já não falar do bairro e da charneca) esteja dotado de uma paisagem de grande potencial, ainda não interiorizámos a ideia de paisagem como valor patrimonial. Apesar de, por exemplo, Santarém estar dotada dos mais privilegiados locais de apreciação da mesma. Apesar da conhecida canção tradicional (divulgada um pouco por todo o país) que fala do tal “lindo jardim de Santarém”: onde se “desfolhou [o tal] malmequer”. Apesar da enriquecedora mutação sazonal de cenários; feita cores e disposições. Tejo e lezíria, terra e água, céu e sol, plantações em tons de verde a perder de vista, manadas de bois e cavalos. Onde é que mais, isto existe? - E o turismo religioso? Também. Aliás, cada vez mais, um importante foco de atração de turistas portugueses e estrangeiros e não dependente, estritamente, de sazonalidades. De que Fátima é, “apenas”, o elemento central. Em que diversos monumentos religiosos consubstanciam inegáveis valores patrimoniais. Em que festas como a Senhora do Castelo, em Coruche, a Senhora da Boa Viagem, em Constância, Senhora do Pranto, em Dornes, da Atalaia no Montijo, do Espírito Santo em Tomar, Meia-Via, Carregueiros ou Azinhaga ou, ainda, o Santíssimo Milagre em Santarém, entre outros, dão corpo àquilo a que já se chamou o Festival Permanente no Ribatejo. Mas, para isso, as cidades (a exemplo de Santarém) terão de ser mais afáveis e fidelizar melhor os turistas que as visitam. Nos acessos, nas informações, na valorização do património e, principalmente, na diversificação da oferta. No caso desta, cultos adormecidos como a Senhora da Saúde ou Santa Iria (de quem os escalabitanos ainda não perceberam o potencial), factos históricos como a Conquista de Santarém ou as raízes muçulmanas (daquela que foi uma das mais importantes cidades muçulmanas do ocidente da Península), poderiam e deveriam sustentar focos de atração turística, cultual e historicamente integrados.