Viveram as gerações portuguesas menos jovens, décadas que pareceram intermináveis de um regime autoritário que remia pela prisão e tortura os anseios libertários de uma população reprimida e anestesiada.
A Revolução de Abril permitirá substitui-lo por um sistema de livre expressão em que a assumpção da diferença deixa de ser encarada como crime, heresia ou subversão.
Foi uma importante mudança. Mas que, só por si, não garantiu (como não garante) uma plena vivência de liberdade, só alcançável em sociedades em que os imperativos de cidadania não necessitam de ser coercivos, mas se assumem, sim, como prática natural, voluntária e quotidiana.
O que entre nós, convenhamos, ainda não acontece!
Afinal, todas as sociedades são organizadas numa lógica de poder.
E se é verdade que o poder tende a corromper, ainda o é mais que, corruptor ou não, o que ele acarreta, inevitavelmente, é a criação de mecanismos que o tendem a promover e perpetuar.
Nas sociedades ditas marxistas tal aspecto transformou as assim chamadas ditaduras do proletariado em ditaduras em nome do proletariado.
Nas sociedades ditas democráticas, o mesmo adquiriu contornos mais diáfanos e subtis (imperceptíveis para muitos) mas nem, por isso, menos eficazes.
Um primeiro-ministro autoritário tem-nos mostrado que tais condicionantes de acção e opinião podem, facilmente, adquirir uma dimensão de estado. Os exemplos, na última meia-dúzia de anos, têm sido particularmente esclarecedores.
A crise económica e política que vivemos tem contribuído, ainda mais, para desenvolver tais restrições.
Num país em que as instâncias de poder se apresentam como concentracionárias e o poder administrativo funciona numa lógica piramidal e corporativa, a livre expressão de ideias e opiniões, supostamente predominante nas sociedades democráticas, torna-se cada vez mais problemática.
A dependência dos respectivos poderes (ciosos do seu estatuto e dos seus privilégios) se sempre foi substancial, torna-se hoje anda maior, muitas vezes preponderante e, a supostamente natural livre expressão de ideias e opiniões, transforma-se num risco potencial.
Quantas vezes, por entre recorrentes profissões de fé na liberdade e democracia, se utiliza o poder político e económico de uma forma abusiva, tornada determinante num país, cada vez mais, de escassos recursos.
A lógica zoroastriana que diz que “o bem é o que me beneficia e beneficia os meus interesses e o mal o que me prejudica e beneficia os meus inimigos”, continua, três milénios depois, perfeitamente actual!
E assim, fruto de um enviesado entendimento do uso e abuso das funções públicas (acicatado, ainda, pela conjuntural fragilidade económica) vamos, alegre e inconscientemente, hipotecando aquilo que, afinal, tanto custou a ganhar!
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