Os horários nobres dos canais
abertos encontraram-se, cada vez mais, repletos de programas televisivos dotados
de uma frivolidade inacreditável; tal com frívola se apresenta, crescentemente,
a sociedade contemporânea.
Proliferam aí, por exemplo, os
inefáveis programas relacionados com a saúde e bem-estar dos animais de
estimação.
Dos hotéis e hospitais caninos.
Que de “pecaninos” não têm nada!
Da alimentação saudável que, naturalmente,
não pode incluir restos. Mas sim bifes de vaca: de preferência, devidamente grelhados.
Dos campos de verão para
animais domésticos. Dos floridos e florescentes cemitérios e cerimoniais
fúnebres. Das rigorosas e científicas dietas.
E dos mais afamados terapeutas.
De males do corpo e de males de espírito: stress, depressões e síndromes
semelhantes.
E, enquanto isto, grande parte da
população mundial vive abaixo dos limites inferiores da pobreza!
Mais de 900 milhões de pessoas
são vítimas crónicas da mais absoluta fome.
Cento e cinquenta milhões de
crianças com menos de cinco anos (uma em cada três que vive neste mundo) é,
simplesmente, subnutrida.
Crianças que, durante toda a
sua miserável vida, nunca souberam o que é estar saciadas!
Os tais meninos que nunca foram
crianças. Cuja vida é uma luta, degradante e ingrata, para conseguir sobreviver
mais um dia.
E as estatísticas atingem
contornos abomináveis.
Calcula-se por exemplo, que, a
cada três segundos, nalguma parte do mundo, morre um ser humano de fome!
Enquanto dezenas de milhões
(agrupados nas cloacas periféricas das grandes cidades), sobrevivem dos restos
que os abastados atiram para o lixo.
Mesmo que, para isso, tenham de
lutar com outros esfomeados.
Mas sobre isso não existem programas
no horário nobre. Pelos menos regulares.
Quanto muito (se associados a
um episódio especialmente dramático de guerra, genocídio ou de morte em massa
por subnutrição) merecem alguma referência nos serviços noticiosos.
Referência, depressa afastada para
horários menos propensos às ditaduras das audiências. Já, que as imagens, podem
ferir susceptibilidades.
Ou então remetendo-as para uma
rara reportagem num canal codificado.
Sim, que a morte quotidiana de dezenas
de milhares de crianças (por fome, genocídio ou pobreza mais extrema), não é,
afinal, notícia.
É algo que, há muito, aprendemos
a relativizar. A menorizar e ignorar.
Até porque fere a nossa
sensibilidade.
São dois universos diferentes;
neste universo que o nosso mundo é.
Um mundo, em que os animais são
tratados melhor que Homens!
E um outro, em que os Homens
são tratados pior que animais!
Aurélio Lopes
Aurelio.rosa.lopes@sapo.pt aesfingedebronze.blogspot.com
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