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sábado, 7 de maio de 2016

Esquecendo-nos






A famigerada problemática do uso da burka está novamente na ordem do dia. Na sequência das reações aos últimos atentados em Bruxelas, a estratégia velada de muitos responsáveis europeus consiste, pelos vistos, em interditar tudo aquilo que, de alguma forma, pode ser visto como símbolo das vivências muçulmanas
“O uso da burka é uma violação dos direitos da mulher!” Advogam associações feministas, machistas e, principalmente, legalistas.
Da qual; perguntar-se-á?
Da mulher ocidental ou da mulher islâmica que a usa?
E se ela, simplesmente, a quiser usar?  
Ou não acreditamos que possa querer usar?
Ou, pensamos, que não deva querer puder?
E se a família a obrigar a tal, de que maneira a proibição legal, vista como “cristã e ocidental” (não o esqueçamos) vai incendiar, anda mais, os choques culturais em presença?
Lembremos a obrigação das mulheres rurais portuguesas (decentes, já se vê) usarem, há pouco tempo atrás, um lenço na cabeça que deixava ver apenas a face?
Ou (se preferirmos uma realidade atual) as violências domésticas desencadeadas por homens ocidentais que querem continuar a manter a mulher como um bem próprio e intransferível?
Ou não tivesse sido, ela, criada para uso e deleite do Homem.
Na verdade, o problema aqui nem sequer é o uso da burka. Mas, sim, a obrigatoriedade do mesmo!
Como, aliás, a sua proibição!
Qualquer deles, tendente a impor à Mulher aquilo que nós achamos adequado.
Entendendo-se, por “nós, especialmente os homens das sociedades misóginas mediterrânicas. Tanto muçulmanas, como cristãs.
Com a diferença de que, no primeiro caso, tal assenta em matrizes culturais que (criticáveis, naturalmente) são parte de um todo civilizacional.
À partida tão legítimo e respeitável como o nosso.
No segundo, é o etnocentrismo ocidental a querer fazer dos “outros” (outras culturas, outras etnias, outros valores) uma espécie de ocidentais de segunda: fruto da  transversão de caráter e comportamento, num processo de recauchutagem forçada. 
Afinal, apesar de nos assumirmos como berço da democracia moderna, continuamos  a viver um síndrome infantil de democraticidade.
Ainda não apreendemos a viver a plenitude democrática da diversidade de opiniões.
Nem de outras diversidades: de cor, etnia, género, cultura, religião, costumes, inclinações sexuais e por aí adiante.
Tendemos a pensar que o outro deve adequar-se à nossa maneira de pensar e de viver.
Porque está fora do seu país! Porque a sua cultura é minoritária. Ou primitiva. Ou imoral. Ou, apenas, porque o seu comportamento nos choca ou ofende.
Porque é diferente, afinal.
Esquecendo que qualquer choque cultural apresenta sempre dois sentidos.
E que os países são cada vez mais multiculturais.
Em línguas, tradições, valores e crenças; religiosas ou não. Mas também, cada vez mais, religiosas.
E é com isso que vamos ter que viver.
Seria, aliás, uma prova de inteligência relativizar estes aspetos claramente secundários. Até porque, de uma forma ou de outra, os potenciais de conflitualidade são bem mais amplos e graves e, em circunstâncias de que não estamos isentos de culpas, susceptíveis de perpetuar a diabolização das diferentes partes em confronto.
Com as consequências que se conhecem.

PS – Naturalmente o radicalismo islâmico e, o daí decorrente terrorismo, faz pensar a nossa cultura como superior; pelo menos em termos morais. Justificando, portanto, atitudes que, noutros contextos, seriam consideradas xenófobas.
Esquecendo-nos, contudo, do radicalismo ocidental; passado e presente.
E de que também este não pode, nem deve, ser visto como matriz de toda uma civilização.
Ou de toda uma religião. Por muito que sejamos, maioritariamente, cristãos.


                                                                         



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