A famigerada problemática do uso da burka está novamente
na ordem do dia. Na sequência das reações aos últimos atentados em Bruxelas, a estratégia
velada de muitos responsáveis europeus consiste, pelos vistos, em interditar
tudo aquilo que, de alguma forma, pode ser visto como símbolo das vivências muçulmanas
“O uso da burka é uma violação dos
direitos da mulher!” Advogam associações feministas, machistas e,
principalmente, legalistas.
Da qual;
perguntar-se-á?
Da mulher
ocidental ou da mulher islâmica que a usa?
E se ela, simplesmente, a quiser usar?
Ou não acreditamos que possa querer usar?
Ou, pensamos, que não deva querer puder?
E se a família
a obrigar a tal, de que maneira a proibição legal, vista como “cristã e
ocidental” (não o esqueçamos) vai incendiar, anda mais, os choques culturais em
presença?
Lembremos a
obrigação das mulheres rurais portuguesas (decentes, já se vê) usarem, há pouco
tempo atrás, um lenço na cabeça que deixava ver apenas a face?
Ou (se
preferirmos uma realidade atual) as violências domésticas desencadeadas por
homens ocidentais que querem continuar a manter a mulher como um bem próprio e intransferível?
Ou não
tivesse sido, ela, criada para uso e deleite do Homem.
Na verdade, o problema aqui nem sequer é o uso da burka.
Mas, sim, a obrigatoriedade do mesmo!
Como, aliás, a sua proibição!
Qualquer deles, tendente a impor à Mulher aquilo que nós achamos
adequado.
Entendendo-se, por “nós, especialmente os homens das
sociedades misóginas mediterrânicas. Tanto muçulmanas, como cristãs.
Com a diferença de que, no primeiro caso, tal assenta em
matrizes culturais que (criticáveis, naturalmente) são parte de um todo
civilizacional.
À partida tão legítimo e respeitável como o nosso.
No segundo, é o etnocentrismo ocidental a querer fazer
dos “outros” (outras culturas, outras etnias, outros valores) uma espécie de
ocidentais de segunda: fruto da transversão
de caráter e comportamento, num processo de recauchutagem forçada.
Afinal, apesar de nos assumirmos como berço da democracia
moderna, continuamos a viver um síndrome
infantil de democraticidade.
Ainda não apreendemos a viver a plenitude democrática da
diversidade de opiniões.
Nem de outras diversidades: de cor, etnia, género,
cultura, religião, costumes, inclinações sexuais e por aí adiante.
Tendemos a pensar que o outro deve
adequar-se à nossa maneira de pensar e de viver.
Porque está fora do seu país! Porque a sua cultura é
minoritária. Ou primitiva. Ou imoral. Ou, apenas, porque o seu comportamento
nos choca ou ofende.
Porque é diferente, afinal.
Esquecendo que qualquer choque cultural apresenta sempre
dois sentidos.
E que os países são cada vez mais multiculturais.
Em línguas, tradições, valores e crenças; religiosas ou
não. Mas também, cada vez mais, religiosas.
E é com isso que vamos ter que viver.
Seria, aliás, uma prova de inteligência relativizar estes
aspetos claramente secundários. Até porque, de uma forma ou de outra, os
potenciais de conflitualidade são bem mais amplos e graves e, em circunstâncias
de que não estamos isentos de culpas, susceptíveis de perpetuar a diabolização
das diferentes partes em confronto.
Com as consequências que se conhecem.
PS – Naturalmente o radicalismo islâmico e, o daí decorrente
terrorismo, faz pensar a nossa cultura como superior; pelo menos em termos
morais. Justificando, portanto, atitudes que, noutros contextos, seriam consideradas
xenófobas.
Esquecendo-nos, contudo, do radicalismo ocidental; passado
e presente.
E de que também este não pode, nem deve, ser visto como
matriz de toda uma civilização.
Ou de toda uma
religião. Por muito que sejamos, maioritariamente, cristãos.
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