Pode dizer-se, de forma
sintética, que a história política do século XIX constitui uma luta contínua
entre (por um lado) o liberalismo, assente no papel da burguesia e defendendo a
autonomia do poder temporal e, por outro, filosofias conservadoras em que a
nobreza e a Igreja funcionam numa sintonia mais ou menos orgânica, como
orgânica é a relação (poder-se-á dizer antidemocrática) entre a lógica de
sucessão aristocrática e a fórmula de ocupação dos cargos clericais.
Na verdade, tanto no sistema
aristocrático como na igreja, o poder (logo o exercício do poder) decorre de
Deus, seja por direito familiar seja por inspirada escolha dos seus pares.
Ora, para a burguesia, liberal e
racionalista, a origem primeva dos poderes irá transitar ideologicamente de
Deus para a Nação, com todas as implicações daí resultantes.
O anticlericalismo republicano
É este o
contexto que a República (no inicio de novecentos) vai encontrar e, em relação
ao qual, irá atuar. Imersos num processo revolucionário cuja febre se apodera
do país, os republicanos identificam a Igreja com a Monarquia e irão agir em
consonância.
Afinal, embora a esmagadora
maioria do povo seja católica, os sectores progressistas e intelectuais e a
opinião pública urbana (ou, se quisermos, aquela parte da população urbana que
tem opinião) nutrem, nessa época, um forte sentimento anticlerical.
Ora, a Concordata de 1848, tinha
aberto caminho a uma reafirmação do poder e influência tradicionais da Igreja;
cujo prestígio (pelo menos no interior rural) permanecerá inalterado e, talvez
até reforçado, pela hostilidade liberal.
Regressadas, as ordens religiosas voltam a enriquecer,
enquanto a nomeação secular dos bispos não impede uma cada vez maior obediência
ao Vaticano. As escolas permanecem nas mãos da Igreja. Os cerimoniais
religiosos continuam, afinal, a consagrar o ciclo de vida das populações.
E se os liberais tinham encarado
a teologia como boa e a sua aplicação como má, os republicanos vão bem mais
longe: considerando, simplesmente, que “a igreja não tem lugar na sociedade1”!
Expulsam, de novo, os jesuítas2,
separam a Igreja do Estado, despojam a mesma dos lugares de culto, proíbem o
ensino da religião nas escolas públicas, publicam a lei do divórcio, acabam com
os dias santos, exigem permissão para o exercício do culto, proíbem os símbolos
religiosos nos lugares públicos, etc.,..
Uma política radical destas, irá impressionar fortemente
as massas católicas, em grande parte ruralizadas. Que não compreendem as razões
sociais de tais estratégias e veem, em tudo isto, a obra do demónio.
Estados emocionais ir-se-ão radicalizar e exacerbar,
criando na população como que uma convicção plena de que estava a chegar o “reino do anti-cristo”.
Em Março de 1916,
Portugal entra na Grande Guerra. Tal facto há-de ser aproveitado pela Igreja e
levá-la, “juntamente com elementos laicos que lhe são afectos, a retaliar,
aproveitando naturalmente o aumento de religiosidade popular {ou, se
quisermos, com mais rigor, o aumento popular de religiosidade} que
acompanhou a entrada na guerra”.
A falta de referenciais simbólicos patrióticos ligados à
República, uma propaganda ineficaz e um exército pouco motivado (ligado que
estava ao ruralismo religioso e monárquico) colocam a Igreja como opositor
privilegiado3.
A falta de alimentos agrava a
conflitualidade latente. A igreja pintará de negro, ainda mais negro, a
situação existente.
Desencadeiam-se então motins
populares reprimidos, duramente, pelas forças da ordem, Movimentos grevistas,
já minimamente organizados, vão contribuir igualmente para alargar tais
agitações às zonas urbanas.
A hostilidade atinge níveis
elevados de intensidade. O clero, cerceado nos seus rendimentos e sentindo
diminuir a frequência à missa, reforça a ofensiva. Nos púlpitos, os padres
pregam abertamente contra a República.
Na zona de Fátima a situação não
é diferente. Situação que há-de levar à prisão do pároco de Fátima, do seu
superior imediato o Padre Faustino, do Vigário do Olival e, até, daquele que
virá a ser, posteriormente, o Bispo de Leiria.
Afinal a Primeira Guerra Mundial
onde perderam a vida centenas de milhares de soldados, constituiu para as
populações europeias (mesmo aquelas de que dela participaram à distância) uma
página extremamente negra da história europeia.
Numa guerra de trincheiras em que
dezenas de milhares de homens morriam, nalguns casos, para conquistar uns
metros de terreno ou um ponto estratégico mais elevado (que algumas vezes se
voltava a perder rapidamente) os soldados eram nessa altura, literalmente,
carne para canhão.
Marcado pela fome e respectivo
racionamento, o terror da mobiliação punha em desespero, próprios e familiares.
Terror que tinha evidente razão;
o índice de mortes era aterrador.
E é neste contexto que, em Maio,
surgem as aparições.
A Virgem e a menina
Pode dizer-se, a
propósito, que as aparições constituem manifestações hierofânicas decorrentes
de determinadas condições sociais, assentes em catalisadores culturais bem
definidos e tendo como elemento polarizador a personalidade do vidente!
As divindades aparecem sempre aos
seus particulares devotos ou, em casos especiais, antagonistas; indivíduos que
com eles possuem intensas conexões positivas ou, ocasionalmente, negativas.
As suas configurações refletem sempre
os modelos estereotipados que imagens e gravuras iconográficas apresentam em
templos ou edições canónicas e que impregnam, fortemente, o folclore religioso
local
Corria, então, o
ano de 1917 e o país encontrava-se mergulhado na tal conjuntura social e
política difícil; envolvido externamente na Grande Guerra e internamente numa
acesa conflitualidade entre o Governo da República e a Igreja. Tudo isto no
contexto de um tecido social ruralista e conservador, de incipiente nível
educacional e em que as sucessivas homilias dos milhares de igrejas, todos os
domingos condicionavam, fortemente, mentes e corpos.
Preocupado com a guerra, o Papa
Bento XV envia, em 5 de Maio, uma missiva/apelo aos católicos de todo o mundo,
para participarem, numa cruzada de orações, dirigidas à Virgem, cujo objetivo era fazer “conhecer aos episcopados do mundo inteiro
o nosso ardente desejo de que se recorra ao coração de Jesus, trono de graça e
a que a esse trono se recorra por intermédio de Maria4”.
Um pedido expresso papal concretizado
numa linear ordem litúrgica: nas litanias à Virgem, dever-se-ia, daí em diante,
acrescentar: Rainha da Paz! Rogai por
nós!
Para os crentes existia uma óbvia
discrepância e um “quase sacrilégio entre
as palavras da Virgem e a insistência do Governo em enviar mais 4000 homens
para França5”.
Deste modo, desde o início,
Fátima (tal como, noutro contexto, La Salette e Lourdes) que, é um facto,
constituiu um inegável manifesto contra a estrutural laicização em curso que a
República personificava, utilizará a guerra como elemento agravante na
formulação explícita do libelo acusatório.
Esta mensagem
foi, provavelmente, transmitida em Fátima na missa de domingo, a 13 de Maio.
Diz Alfaric (e não é propriamente difícil concordar com ele) que, tudo leva a
crer, a mesma terá sido, aí, “comentada
pelo pároco sob uma forma simples e ingénua, como convinha ao auditório
respectivo6”.
Ora, Lúcia, tinha um irmão na
iminência de ser mobilizado e, também por isso, é de admitir como muito
provável que tal problemática a tivesse afetado e impressionado de forma muito
particular.
Fosse como fosse, numa vivência
campestre extremamente dura, o dia do
senhor não obstava a que o gado tivesse de ser alimentado, assim se
compreendendo que, após o serviço religioso, Lúcia e os primos se aprestassem a
tirar os rebanhos para os levar a
pastar, durante algum tempo, no local habitual.
Ao meio-dia (dizem as crónicas)
os três rezam e comem. Não custa adivinhar que a problemática da guerra e da
possibilidade da intervenção divina esteja de alguma forma presente, explícita
ou implícita, na citada oratória e, naturalmente, nas respectivas mentes
infantis.
Não nos esqueçamos que estamos a
falar de crianças; cujo mundo se resume ao que os seus sentidos percecionam, a
um imaginário cultural que as envolve e a uma educação quase exclusivamente
religiosa. Crianças, em que o real e o simbólico de uma teologia
necessariamente prosaica, se confundem em inconsciente simbiose.
De repente, um relâmpago cruza os
céus. Fogem com os animais para casa mas surge um segundo relâmpago e depois um
terceiro, que quase os cega.
E é nessa altura que, segundo
Lúcia, ela vê uma figura feminina aparecer sobre a forma de uma luz
resplandecente.
E assim se inicia um processo
que, após algum tempo de hesitação e desenvolvimentos algo inesperados, há-de
levar ao reconhecimento dos fenómenos por parte da Igreja e após um processo
gradual de adequação dos testemunhos (que termina, apenas, duas décadas atrás),
criar as condições que hão-de conduzir à construção, material e espiritual, do
grande santuário aí existente.
Entre Maio e Outubro as notícias
espalham-se rapidamente num tecido social e numa conjuntura, social e política,
propícia. O número de peregrinos aumenta vertiginosamente.
Em Outubro a anunciada revolução bolchevique
na Rússia (cujo temor configura já os respectivos fenómenos fatimitas), agrava
ainda mais a inquietação e incrementa o pânico do comunismo; visto, este, como
a encarnação mais completa do Diabo.
E é afinal, nesta época de
especial perturbação, interna e externa, que Fátima irá caldear as suas
condições de afirmação.
O fim da guerra
Um dos temas de
diálogo entre Lúcia e a Virgem será, como se sabe, o fim da guerra.
A previsão mais
famosa das mensagens fatimitas teve a ver, precisamente, com a ansiada data do
fim do conflito.
Aliás, talvez nenhum outro aspeto tenha contribuído tanto
para desprestigiar os fenómenos fatimitas (principalmente entre os não crentes)
como a previsão do fim da Grande Guerra, anseio, à época, particularmente
premente.
Afinal, o conhecimento do futuro foi sempre, em todas as
sociedades, um desiderato de especial importância e, o seu alegado sucesso,
condição de excecionalidade sempre prodigiosa.
E, de uma forma ou doutra, sempre a premonição, feita
muitas vezes profecia, esteve ligada ao transcendental; religioso ou não,
doutrinário ou não! De uma maneira geral, as potestades apresentam-se como
detentoras do conhecimento de um futuro visto sempre como determinável e, do
qual, de alguma maneira, são igualmente artífices.
A sua revelação é, contudo, naturalmente interdita. A não
ser, é claro, em ocasiões muito especiais; a confidentes muito especiais!
O anúncio do fim da guerra, feito pela Virgem a Lúcia,
pretendia ser, assim, mais um milagre pretensamente probatório da excecionalidade
divina das epifanias fatimitas.
Pretendia,.. mas não foi!
Porque, ao contrário das profecias pitonísicas, esta,
falha redondamente!
Porque veiculado por uma adolescente, inculta, embora
convicta da sua singularidade, não se encontrava dotado dos mecanismos
preventivos necessários que pudessem obstar à uma eventual desacreditação8.
Faltava-lhe o carácter de contingência que é próprio dos
mecanismos premonitórios desde o início dos tempos. A saber; uma profecia
difusa e eventual, de multiplicidade interpretativa e eivada de
condicionalismos funcionais que, em si mesmos, constituam defesas necessárias
(e, quase sempre, suficientes) contra resultados imprevistos e indesejáveis9
Aqui, a revelação (feita premonição), é simplesmente
linear: “a guerra acaba hoje; esperem cá pelos militares muito em breve”,
afirma perentoriamente a Senhora, tal como Lúcia revela, ao padre
Marques Ferreira (um dos autores mais fiáveis), escassos dias após o
acontecimento10.
Mas, já no próprio dia treze, interrogada pelo Cónego
Formigão, tinha declarado ao mesmo, e cito: “que a guerra acabaria ainda
hoje e esperássemos pelos nossos soldados muito em breve11”.
O mesmo diz, aliás, Avelino de Almeida, enviado especial
do Jornal O Século e testemunha direta, referindo-se ao que ouviu, precisamente
a 13 de Outubro, na Cova da Iria: “Lúcia fala com a Virgem e anuncia, em
ademanes teatrais, (..) que a guerra terminara e que os soldados iam regressar12”.
Bem, ainda, como o padre Ferreira de Lacerda, em inquérito
efetuado ainda durante o mês de Outubro, onde a vidente volta a afirmar que a
Virgem lhe dissera “que a guerra acabaria ainda hoje e que esperássemos
pelos nossos militares muito em breve13
Não é assim de admirar o incómodo com que esta
problemática tem sido tratada. Incómodo já presente no jornal católico O
Mensageiro de Leiria que, a 18 de Outubro de 1917 (quando já se sabia que a
guerra não terminara), e numa interpretação muito livre, traduz tal revelação
da seguinte maneira; “a guerra acaba por estes dias, brevemente os soldados
regressam a Portugal14!
Até porque, não conscientes do imbróglio que criaram, as
crianças (principalmente Lúcia), insistem em afirmar que a Virgem tinha
anunciado o fim da guerra para próprio dia 13 de Outubro.
Por exemplo, em dezanove do mesmo mês, o Cónego Formigão,
incomodado naturalmente com a imprecisão factual, volta a interrogar Lúcia
acerca das palavras precisas que a divindade pronunciara. Esta responde-lhe: “disse
assim; a guerra acaba ainda hoje. Esperem cá pelos vossos militares muito em
breve”.
Bem se esforça Formigão por obter resposta diferente ou
que, pelo menos, pudesse ser objeto de diferente interpretação.
- “Algumas pessoas afirmam que te ouviram dizer, nesse
dia, que Nossa Senhora tinha declarado que a guerra acabava brevemente. É
verdade!”
- “Eu disse, tal e qual, como Nossa Senhora tinha
dito!”
E só após pacientes e demoradas insistências consegue que
a mesma admita que pode estar enganada:
- Não me recordo já bem como ela disse. Poderia ter
sido isso, não sei... talvez não entendesse bem a Senhora15
E foi tudo o que Formigão conseguiu, neste processo de
inquirição eivado de induções e de, implícitas e, explícitas, sugestões.
À distância, o que se pode deduzir daqui, é que a
convicção de Lúcia (tivesse ela a origem que tivesse) se manifesta como
substancial. Aliás, ser submetida a sucessivos interrogatórios por personagens
particularmente temerosos na sua respeitabilidade e continuar a afirmar,
sucessivamente, a “sua verdade”, é algo digno de registo.
Comprova assim, de alguma forma, não só a firme convicção
que é própria dos videntes em geral mas, igualmente, as idiossincrasias que
normalmente lhe são imputadas: um carácter pouco impressionável e uma vontade
especialmente forte.
Postas as coisas nestes termos, não é assim de admirar que
o processo de credibilização vintista tenha, igualmente, gerado tentativas
canónicas diversas destinadas, se não a ultrapassar as incongruências
existentes, pelo menos a revesti-las de uma dúvida minimamente razoável.
Por exemplo, em 1924, Lúcia deporá num inquérito com esse
propósito e aí afirmará, tentando (dir-se-á) dourar a pílula: “parece-me que a Senhora disse: a guerra
acaba hoje mas, minha prima Jacinta, disse-me em casa, que a Senhora falou
assim: convertam-se que a guerra acaba dentro de um ano16!”
Tudo isto, não o esqueçamos, quando Jacinta tinha falecido
já há muito e há muito se sabia, naturalmente, quanto tempo, ainda, tinha
durado a guerra.
Contudo, mesmo esta tentativa (algo desconexa) acaba por
se revelar insustentável. Na verdade, a própria Jacinta, no referido 19 de
Outubro de 1917, inquirida igualmente pelo Cónego Formigão (que lhe fazia notar
que a guerra continuava, à revelia do que ela e a prima tinham afirmado), dirá
a propósito, num diálogo surrealista que só a ingenuidade infantil pode
explicar:
- Nossa Senhora
disse que quanto chegasse ao céu a guerra acabava.
- Mas a guerra não
acabou!
- Acaba, acaba - insiste a pequena na simplicidade dos seus
sete anos.
- Mas, então, quando
acaba?
- Cuido {penso} que acaba no domingo17!
Insustentáveis, ou não, tais adequações acabarão por, à
falta de melhor, atenuar a incongruência de uma inexatidão de facto,
extremamente gravosa da credibilidade dos fenómenos.
Incongruência que, afinal, só poderia acarretar duas
explicações: ou a Senhora mentiu ou
enganou-se (e deste modo não seria uma divindade) ou Lúcia mentiu ou enganou-se
e, deste modo, punha em causa a fiabilidade não só das aparições mas, e
principalmente, dos diálogos aí travados, de que é, quase em absoluto, única
sustentadora.
Compreende-se, assim, porquê o Cónego Formigão, que bem se
esforçou (neste como noutros casos), por adequar convenientemente os
testemunhos, reconhecerá em 1921, na primeira obra publicada sobre Fátima, ao
analisar as diferentes opiniões que estes acontecimentos geraram no seio da
igreja: “as affimações das creanças
relativas ao próximo fim da guerra contribuíram para essa divergência de
opiniões18”.
Deste modo, as décadas seguintes hão-de assistir a um
suceder de alegadas explicações, algumas particularmente imaginativas, numa
tentativa desesperada de explicar o inexplicável.
O resultado podemos encontrá-lo, já em 1954, numa
afirmação atribuída a Lúcia: “Devido
talvez a preocupar-me com a preocupação das diversas graças que tinha para
pedir a Nossa Senhora, houve engano de entender que a guerra acabara no próximo
dia treze19”.
Por isso as versões (pelo menos oficiosas) deste episódio,
hão-de alterar as palavras supostamente divinas por outras menos problemáticas.
A exemplo de Deidre Manifold, uma escritora apologética, cuja versão moderna é,
na verdade, bem mais conveniente: “a
guerra vai acabar e os militares voltarão, em breve, para casa20”.
Mas a problemática da guerra não vai ficar por aqui.
Impregnará, por gradual afetação, os famosos três segredos de Fátima; (questão
desenvolvida muito mais tarde), nomeadamente no que concerne à componente visão do Inferno.
Afinal, só em 1941 tal temática adquirirá
contornos de elaboração e adequação doutrinária, embora naturalmente
contextualizados pela conjuntura temporal.
Fica-se assim a saber que o primeiro segredo é, não só uma descrição
do inferno, mas inclui, ainda, uma vertente profética, que a sua divulgação,
posterior aos acontecimentos, permite ser agora mais certeira21!
“A guerra vai acabar {a Primeira Guerra Mundial assinale-se} mas no reinado de Pio XI, começará outra
pior. Quando virdes uma noite alumiada por uma luz desconhecida sabei que é o
grande sinal que Deus dá22”.
Se acreditarmos que estas
revelações são oriundas de 1917, apesar de (por insondáveis desígnios divinos)
só se terem tornado públicas depois dos acontecimentos se terem verificado
então, teremos igualmente de admitir que as mesmas não só previram o início da
Segunda Guerra Mundial, como também a aurora boreal que a anunciou e, ainda,
que o papa que reinaria, nesse tempo, teria o nome de Pio XI!
Seja como for, pode dizer-se que a questão da guerra é
transversal a todos estes episódios primevos que criaram o grande altar do
mundo que Fátima, hoje, é.
Fator causal e configurador dos referidos episódios, pode
dizer-se que, sem a Grande Guerra (e, já agora, sem a conflitualidade com o Governo Republicano),
esta dificilmente aconteceria.
Afinal, Fátima é a expressão
promovida de acontecimentos hierofânicos várias vezes verificados e repetidos,
em diversos tempos, com diversas configurações e em diversificados cenários
conjunturais e socioculturais.
[1] Manuel Tiago Martins, op, cit., p. 26.
2
Desde que estrangeiros ou naturalizados. Aliás pela importância que tinham na
Igreja portuguesa, os jesuítas foram, diversas vezes, usados como bodes
expiatórios e expulsos do país. Pela Monarquia Absoluta, pelos liberais e,
neste caso, pela República.
3
Filipe Ribeiro de Menezes. op. cit., p. 134.
4
Cónego Barthas, op. cit., pp. 10 e 11.
5
Filipe Ribeiro de Menezes. União
Sagrada e Sidonismo: Portugal em Guerra, op. cit., p. 133.
6 Prosper Alfaric, op. cit.,
p. 38.
7
Cónego Barthas, op. cit., p. 265.
8 Aliás se pretendesse-mos
um fator validador da hipótese taumatúrgica auto-induzida, uma profecia destas
serviria, perfeitamente, de exemplo cabal. Nenhuma divindade erraria dessa
maneira, nenhuma conjura clerical cairia na asneira de prever, de forma
absoluta, algo que não estava nas suas mãos acontecer. Por isso Ilharco (adepto
desta última) é obrigado a considerar tal afirmação como constituindo uma
decisão autónoma de Lúcia; independentemente das, por si defendidas,
orientações clericais. Na verdade, a afirmação é de Lúcia (como, provavelmente,
todo o processo) talvez aqui entusiasmada com a crescente importância dada às
suas palavras, susceptíveis de a fazer acreditar cada vez mais em si e na
construção mística que ia criando. Além disso, não podemos esquecer que estamos
a falar de crianças de tenra idade, pouco instruídas, cujo imaginário se resume
ao tradicional coletivo e àquilo que a família e a Igreja lhe iam transmitindo.
Crianças que tinham natural dificuldade em separar a imaginação da realidade.
9 Por exemplo, aquele que
(embora sem carácter profético), é aplicado às respostas da Senhora (nas
aparições propriamente ditas), às solicitações de curas por parte de Lúcia. “Daqui
a um ano encontrará melhoras” diz a Senhora; expressão dúbia com
resultados que podem significar muitas coisas e, ser interpretados, de muitas
mais. Ou, então, “se se converter, curar-se-á durante um ano”,
concretizando-se agora o ato e o tempo mas fazendo depender tal desfecho de uma
condição, em rigor absoluto, nunca comprovável.
10 Padre Marques Ferreira,
Pároco de Fátima: in Costa Brochado; Fátima à Luz da História, op. cit., pp.
325 e seguintes.
11 Visconde de Montelo, As
Grandes Maravilhas de Fátima, op, cit., p. 99.
12 Avelino de Almeida, Jornal
O Século de 15 de Outubro de 1917.
13 Padre Ferreira de
Lacerda, Jornal O Mensageiro de Leiria, nº 160, de 2 de Novembro de 1917.
14 Jornal O Mensageiro de
Leiria, nº 158, de 18 de Outubro de 1917.
15 Visconde de Montelo, op,
cit., p. 109.
16 Revista Brotéria de Maio
de 1951, p. 519.
17 Visconde de Montelo, As
Grandes Maravilhas de Fátima, op, cit., p. 117.
18 Visconde de Montelo, Os
Episódios Maravilhosos de Fátima, op, cit., p. 10.
19 Visconde de Montelo,
citado em Fátima Altar do Mundo, fasc. XVI, op. cit., p. 96.
20 Deidre Manifold, Fátima;
a Grande Conspiração, op, cit., p. 23.
21
Enfim, não tão certeiro como isso no que respeita ao fazer coincidir o início
da Segunda Guerra Mundial com o pontificado de Pio XI.
22
Terceira Memória de Lúcia, op, cit., p. 219.
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