No mar de chamas em que o país tem estado mergulhado, continua a notar-se,
hoje como ontem, nos mais diversos jornalistas e politólogos de serviço, uma
excessiva postura analítica de conjunturalidade.
Conjunturalidade, que se funda numa opção consciente de crítica às
situações próprias do momento (sempre da responsabilidade, dos famigerados, opositores
políticos) e esquecendo, situações estruturais diversas, que permitem que, nestes
fenómenos, independentemente de eventuais falhas de comunicação ou de enviesados
contratos de meios aéreos ou de apoio logístico às forças no terreno (que,
naturalmente, devem ser investigados), sejam visualizadas causas
proporcionadoras bem mais abrangentes, persistentes e profundas.
Porque é de causas proporcionadoras que falamos. Catalisadoras ou,
simplesmente, facilitadoras.
E porquê, afinal, toda esta ligeireza?
Porque uma análise mais alargada no tempo (diacrónica, se quisermos) pode
fazer remontar culpabilidades ao tempo em que (na nossa habitual alternância partidária)
alguns dos críticos individuais ou institucionais de hoje eram, afinal,
responsáveis de ontem.
Ou, porque, achamos que tal corresponde, indiretamente, a uma intenção
de desculpabilização dos atuais governantes.
Ou, já agora, porque as questões estruturais não se reconhecem numa
temporalidade eleitoral; leia-se, eleitoralista.
Daí, o debate, esquecer, quase sempre, as mais importantes causas em
presença. Estruturais, globais e anualmente agravadas.
- Causas que começam, logo, pelo aquecimento global. De que muito se fala
em termos teóricos e globais (ecologicamente corretos) mas que, pelas razões
expostas e não só, nos esquecemos de relevar a sua evidente influência operativa,
aqui e agora.
Aquela que torna usuais temperaturas de quarenta e muitos graus;
algumas décadas atrás praticamente insólitas.
E que torna as formas
tradicionais de combater os fogos pouco adequadas a estas novas condições
climatéricas.
- Causas que se relacionam, igualmente, com a desertificação do interior;
em função do qual o, ciclicamente badalado “Ordenamento do Território” surge, em
grande parte, como uma espécie de miragem.
Primeiro, porque qualquer intervenção significativa neste domínio
implica grandes e demorados investimentos e um, ainda mais demorado,
desfasamento entre os mesmos e eventuais resultados visíveis. É, portanto, uma
opção que não comtempla, facilmente, as habituais temporalidades que norteiam a
nossa classe política.
Segundo, porque necessitamos, pura e simplesmente, de ordenar quase
todo o território nacional. Principalmente o interior desertificado e deixado,
há décadas, entregue ao crescimento desordenado de mato e arvoredo.
Em que a crescente ausência das populações acarretou um enorme
problema demográfico e territorial. Não só no proliferar descontrolado de
árvores e mato particularmente consumíveis (que, esclareça-se, ocupam hoje não
só as anteriores zonas florestais como, ainda, uma parte, cada vez maior, de
espaços que estavam ocupados com aldeias (hoje desertas), hortas, lameiros,
pastagens, zonas cultiváveis e frutíferas), como ainda tem levado,
naturalmente, ao mais completo abandono da limpeza das matas.
Situação que não se resolve, só por si, com leis que obrigam à sua
limpeza.
Até porque as mesmas, em muitas zonas do país, não são, sequer,
exequíveis.
Afinal, grande parte dos detentores de terras do interior (fundiariamente
microdivididas) está ausente temporária ou definitivamente (da região ou do
país) e, alguma dela, até já deste mundo. Os seus descendentes cortaram,
quantas vezes, as relações com muitos pedaços de terra dos quais, às vezes, nem
sequer conhecem a localização.
E, a cada vez mais exígua população residente, é constituída por
pessoas idosas e empobrecidas que não possuem condições para limpar os seus
terrenos (nalguns casos nem, sequer, do próprio quintal), e, ainda menos, pagar
a alguém que o faça.
É esta a situação deplorável que
décadas de incúria provocaram.
- Causas, finalmente, que assentam na inadaptação da justiça a este
tipo de crimes. Que o país ainda não percebeu (ou não quer perceber), não podem
continuar a ser tratados como até aqui. Não só porque estes têm, hoje, uma
consequência incomensuravelmente maior, como é este um sector no qual operam
(há décadas) diversas organizações criminosas.
Não são, assim, apenas questões psíquicas e patológicas as aqui envolvidas.
Mas, sim, um verdadeiro crime organizado.
As investigações têm, portanto de ir mais fundo e mais longe e as
sanções tem de ser mais pesadas e, principalmente, adequadas a este tipo de
crime. Eventualmente, sei lá, fazer os pirómanos pagar as penas de prisão nos
meses anuais propícios aos incêndios*.
Afinal, este é um crime em que todo o território constitui uma
potencial área de vulnerabilidade. E não pudemos fiscalizar, total e
absolutamente, todos os cantos e recantos deste país.
Onde, a esmagadora maioria da população vive hoje num quinto do
território; com todos os problemas de concentração demográfica daí resultantes.
Enquanto no resto do país, em povoações em estado acelerado de
desaparecimento, subsistem (num limbo existencial) escassos idosos,
especialmente vulneráveis ao abandono, a ações criminosas e aos efeitos
dramáticos das mais diversas intempéries.
E, enquanto isto, vamos alimentando estéreis e levianas guerrilhas
partidárias que, para mais não servem, muitas vezes, que tomar a “pole
position” na grelha de partida acusatória.
Acusar o outro; antes que me
acuse a mim.
*Há um ano, precisamente
(num artigo de opinião publicado num periódico regional) advogava, já, esta
opção penal. Soube agora que o Parlamento acabou de aprovar uma lei para obrigar
os piromaníacos a prisão domiciliária, com pulseira eletrónica, durante o
período dos incêndios.
A ideia é a mesma,
embora, não se tenha ido tão longe. Afinal, a pulseira, não obsta, em absoluto,
que os ditos continuem a atear fogos.
Apenas os coloca no
lugar; o que facilita a imputação de responsabilidades.Resta saber se, para
maníacos (pagos ou não), isso é assim tão importante.
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