A crise das assim chamadas democracias ocidentais, com a nova ordem
económica e o surgimento de novas causas e valores como a ecologia, a
multiculturalidade, as questões de género e de transgénero que os partidos
tradicionais não representam mas cujas adesões ou rejeições são susceptíveis de
capitalizar apoios por parte de personagens especialmente populistas, constitui
um dos aspetos que explicam de alguma forma o, à primeira vista inesperado,
resultado presidencial no E U.
Constituindo bandeiras de muitos, facilmente são usados como ódio de
estimação de muitos outros: como um convite à insegurança, como um desrespeito
pelos valores tradicionais, como obstáculo ao desenvolvimento económico, como
fomento de indecências e, em última instância, como feira de aberrações.
E, afinal, sejam qual forem as ideologias que os partidos veiculem, as
mesmas são, hoje, pouco mais que balizas enquadradoras de muito largo espectro.
São assim, cada vez mais, as personagens que ganham as eleições.
Como aliás se tem verificado recentemente na Europa e se verificou
agora (de forma aberrante), na direita americana.
Provocando-se estados emocionais intensos e polarizadores, mesmo que
apresentando programas bizarros e totais inexperiências.
Mas, pelo menos, diferentes do monocórdio discurso de quem nada tem, de
novo, a dizer.
A não ser a repetida alternativa de nenhures.
Ora, encontram-se
hoje, os EUA, ameaçados no seu estatuto de potência hegemónica mundial.
Se quisermos, cavalgando um ciclo de decadência económica e politica
cujas consequências, a médio prazo, facilmente se advinham.
Não só por razões próprias mas pela emergência de novas economias (como
a China) cujas condições de afirmação global são, afinal, bem mais eficazes.
Com cinco vezes a população dos Estados Unidos, mão-de-obra abundante
e barata, não reivindicativa, sociedade estável, motivação empresarial e
regulação económico-administrativa forte e inquestionada, esta usufrui de uma
conjugação das vantagens da motivação ideológica e centralidade musculada marxista
com as vantagens de um capitalismo despudorado, consumista e produtivo.
Neste momento é já a maior economia do planeta. A reivindicação de papéis
correspondentes, políticos e militares,
suceder-se-á.
Afinal, como todos os impérios (atuais ou não) também este quer ser mais
que uma potência regional. Que até aqui se tem limitado a manter um visível controle
na sua área (dir-se-á natural) de influência. De que a Formosa e o Tibete são exemplos
paradigmáticos.
Para os americanos a maneira
mais fácil de explicar toda esta situação tende a ser encontrada em
insuficiências internas. A radicalização de princípios e ações passa a ser,
quase sempre, vista como opção justificável E justificada.
As culpas são, muitas vezes, atribuídas àquela parte da população que
por particularidades étnicas ou mais tardia integração é vista como minando a
anteriormente existente (ou, supostamente existente) homogeneidade nacional.
Com implicações claras; políticas e económicas.
Da primeira, emerge uma certa maneira de ver (não assumida, totalmente)
que culpabiliza a multiculturalidade existente por qualquer coisa como a
degeneração da raça; dos valores e capacidades nacionais.
Minorias como os muçulmanos são, também, vistas como potenciais de
insegurança e inquietação; trazida agora para a vizinhança dos cidadãos.
Dirigentes vistos como eleitos por essas e outras minorias (ou fazendo,
inclusivamente, parte das mesmas) são encarados como responsáveis maiores por
uma inaceitável fraqueza de liderança interna com implicações externas.
Afinal, a ação moderadora de Obama, a sua maior flexibilidade política
e militar e a melhoria de relações com inimigos ancestrais como Cuba, indispôs
com certeza muita gente, principalmente da área conservadora.
Também do ponto de vista económico são naturalmente as minorias e a
fracas lideranças que as toleram que, são encaradas, como criando condições
para a situação existente.
Neste sentido, para lá das estapafúrdias posições face ao aquecimento global
(visto como um obstáculo à livre industrialização), as violações da fronteira
sul por contrabando de bens e pessoas, surge como algo que ameaça não só à economia,
como impregna, cada vez mais, de latinidade corruptora, quem se reivindica (de
alguma forma) de uma purista origem anglo-saxónica; contudo, convenhamos, historicamente
sempre muito mestiçada.
Daí o apoio eleitoral da Ku Klux Klan.
Daí a pretensão de construir um muro para isolar os americanos do
vírus corruptor mexicano. À semelhança do “muro de Berlim” de triste memória e
do atual “muro de Israel”, sobre o qual pende uma cortina de silêncio.
Afinal, a arte de encontrar culpados alheios para culpas próprias ou não,
constitui uma das mais úteis capacidades políticas.
Até onde irão os devaneios
xenófobos e discriminatórios de Trump?
De que forma tal virá a influenciar os diversos conflitos em que o país
está envolvido?
De que maneira a questão segurança vai obcecar a sua ação?
Será que iremos assistir a uma nova “caça às bruxas”?
Na verdade, ensina-nos a história, que poucas coisas são piores que um dirigente
bronco e autoritário à frente de uma grande potência!
Afinal, o mesmo congrega valências populistas, nacionalistas e, pouco disfarçadamente,
racistas.
O que é que isto nos faz lembrar?
O que é que isto nos faz lembrar?
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