A notícia rebentou como uma bomba e rapidamente
perpassou, feita um tufão, as diversas repartições municipais. Uma deliberação
do executivo tinha autorizado a construção duma urbanização num local de
paisagem protegida do parque natural apesar da lei proibir aí, terminantemente,
construções privadas de qualquer natureza.
Parece
que alguém se “esqueceu” de solicitar ao ministério da tutela o respectivo
parecer e os serviços técnicos apresentaram o projecto como possuindo todas as
avalizações necessárias induzindo em erro o executivo. Diz-se!
As
cópias que constavam do processo foram, ao que consta, forjadas. A situação
nunca seria, contudo, descoberta se alguém, pelos visto insatisfeito com o
negócio (dizem as más línguas) não tivesse enviado uma denúncia anónima para os
jornais.
O
pânico está instalado! São declarações e mais declarações de técnicos e
políticos, contraditórias entre si e mais contraditórias ainda com a situação,
cujo controlo se esvai rapidamente por entre os dedos.
Com
a chegada do “Sr. Presidente” consegue pôr-se alguma ordem no reboliço. É
“aconselhado” aos diversos responsáveis departamentais especial contenção nas
relações com a imprensa. O “no coments” torna-se lugar comum.
O
chefe do departamento de obras é chamado de urgência e encontra-se reunido há
já duas horas com o “Sr Presidente”. Do que lá se passa nem uma nota respiga.
Por
corredores e gabinetes as conversas em surdina continuam bichanando de boato em
boato.
Finalmente
a porta abre-se para entrar o Dr. Marcos, o assessor, um jovem executivo de
grossas lentes oculares e da mais canina lealdade para com o “seu” Presidente.
Dois minutos depois, volta a sair, apressado, aparentando os nervos em franja,
e reentra no seu gabinete rapidamente
fechando a porta.
Porém,
pouco depois a novidade começa a circular: o “Sr. Presidente” marcara uma
conferência de imprensa para as onze horas!
À
hora prescrita, e como era previsível, os jornalistas encontram-se presentes em
grande número, ávidos de um escândalo que vem mesmo a calhar para animar uma
vivência política nos últimos tempos singularmente letárgica.
Aparentando
uma expressão tensa mas determinada, o “Sr. Presidente” entra na sala. Debaixo
do braço traz uma pasta com documentos que aparentam ser técnicos e oficiais.
Senta-se, fixa o olhar no auditório e inicia imediatamente uma intervenção
simples e concisa.
Começa
por revelar a enormidade da fraude de que só agora tem conhecimento. Apela para
a sua conhecida e nunca questionada honradez como penhor da sua palavra.
Qualifica de “inqualificável” e “criminoso” o episódio em questão. Manifesta a
mais firme determinação de “abrir um Inquérito para apurar todas as
responsabilidades e punir exemplarmente os responsáveis”.
“É
o bom nome da instituição municipal que o exige! É a honra de todos os que
trabalham aqui que o reclama!”
Aqui
chegado, o discurso sofre abrupto corte, a voz embarga-se como que de emoção,
as palavras recusam-se a sair como que incapazes de exprimir toda a angústia e
indignação que lhe vai na alma!
O
auto-domínio, contudo, acaba por se impor. Um forte suspiro despoleta,
finalmente, a tensão acumulada:
“Iremos
até ao fim! Custe o que custar! Doa a quem doer!”
E,
num gesto arrebatado de dramática teatralização o “Sr. Presidente” ergue-se
rapidamente, deseja a todos, ainda um pouco atónicos, um tenso “bom dia” e,
antes que os jornalistas recuperem totalmente, abandona bruscamente a sala.
O
Dr. Marcos segue-o apressadamente. Os seus olhos pitosgas estão carregados de
interrogações.
“Mas,
Senhor Presidente”, e o Inquérito? Como é que vai ser?”
Aquele,
que parece estranhamente ter perdido toda a tensão, pouco afrouxa o seu passo
firme e cadenciado e responde displicentemente:
“Ora,
os inquéritos nunca são conclusivos!”
De
repente pára e, coçando como que distraidamente o bigode, adianta num esgar
levemente trocista:
“Se
for preciso abrimos depois outro inquérito para averiguar porque é que diabo é
que este não foi conclusivo”
Vencido,
mas não convencido, o Dr. Marcos, pisca os olhos repetidamente, sintoma nele de
especial nervosismo! Vê-se que pretende interpelar o “chefe” mas que não se
atreve.
Apercebendo-se
disso o “Sr Presidente” olha fixamente o seu fiel subordinado, suspira
resignado e coloca-lhe paternalmente o mão sobre o ombro:
“Não
te preocupes”, aconselha-o, “o tempo tudo apaga” e, parafraseando o dito
popular, adianta enfaticamente, “de inquéritos velhos ninguém fala e, os
novos,… deixam-se fazer velhos!”
Aurélio
Lopes
Sabedorias de presidências....
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