De vez em quando surgem, entre nós, causas sociais, vendidas
como desígnios éticos e morais pelas agências internacionais de informação,
geradoras de mobilizações de vontades quantas vezes sinceras, mas ingénuas.
É, de alguma forma, o que acontece hoje com a, assim
denominada, “crise migratória”.
Aliás, a própria terminologia adotada é, desde logo,
sintomática: pretendendo resumir a crise aos processos migratórios que a guerra
ocasionou e desde logo, esquecer a natureza da mesma, bem como as condições que
a geraram e deram origem à presente deslocalização das populações.
Porque fogem? De quem
fogem?
Quem criou as condições que
fomentaram a dita e proporcionou o aparecimento do Estado Islâmico: paraíso na
terra de todos os radicalismos?
Brincando aos polícias do mundo,
o Ocidente vende-nos tais conflitos como combates entre o mal e o bem.
O problema é que numa situação
como a atual, em que as alianças mudam ao ritmo das alterações no terreno, inimigos
de ontem, como o Governo de Assad, “radical” quando combatia as forças sírias pró-ocidentais,
é hoje visto como aliado dito “governamental”, pois combate o Estado Islâmico
em que muitas dessas forças (e as suas congéneres iraquianas) se transformaram.
As tribos sírias que combatiam Assad e eram apodados de “rebeldes” e “guerrilheiros”
são, hoje, em grande parte, “radicais islâmicos”. Os Curdos, são “guerrilheiros”
quando combatem o dito E.I. e “radicais” quando combatem a Turquia; seu inimigo
intemporal.
Seja como for, com a consciência
algo pesada, as nações europeias vêm-se agora a braços com cenários que, tradicionalmente, se verificavam longe
das suas fronteiras. Que afetavam outras nações, suficientemente distantes para
não constituírem problema nosso.
Mesmo que envolvendo
situações abomináveis de miséria e repressão. E fosse qual fosse a nossa
responsabilidade na matéria.
Agora calha-nos a nós.
A nós! O Éden, afinal, para
grande maioria dos “países pobres do mundo”.
Que fugidos, neste caso, do
inferno de crueldade e intolerância (que são afinal todas as guerras), estão dispostos
a tudo e mais alguma coisa para aproveitar a conjuntura. De forma a serem
aceites na Europa.
Até porque os países que atravessam
não estão (naturalmente) interessados na sua permanência, nem em ver-se a braços
com dezenas de milhares de refugiados em campos de refugiados nas suas zonas
fronteiriças.
Conjugam-se, assim, os
interesses que fazem desaguar fluxos cada vez maiores de refugiados muçulmanos
no interior da Europa.
Corporizando, deste modo, mais
um drama migratório, a juntar ao já nosso conhecido que, oriundo do norte de Africa,
demanda, igualmente, a Europa.
Populações, estas últimas, se
possível, ainda mais pobres e mais abandonadas. Entregues a indivíduos sem
escrúpulos, gastando os últimos tostões em superlotadas e deploráveis
embarcações sem quaisquer condições de navegalidade.
Originando recorrentes tragédias
em que centenas de pessoas (incluindo mulheres e crianças) perdem a vida nas águas
do Mediterrâneo. Arriscando tudo em contentores selados; gerando mortes
horríveis como aquelas que, recentemente, vieram a lume.
Ponta de icebergue de uma
situação africana mais grave ainda: feita de guerras intermináveis e genocídios
abomináveis. De limpezas étnicas, misérias e fomes.
Há longas dezenas de anos.
Mas que as agências
noticiosas, pouco noticiam. A não ser, conjunturalmente, face a inolvidáveis
episódios dramáticos acontecidos, já, próximo de nós.
Afinal, a morte de centenas
de pessoas (todos os dias) no interior da África, de fome e subnutrição (quando
não de epidemias ou genocídio organizado), não é infelizmente notícia, neste
mundo!
Que fazer, então, com estes
crónicos refugiados, fugidos da perseguição e tortura que, não tendo nada a
perder, arriscam tudo (inclusive a própria vida e a dos seus) para chegar ao Hemisfério
Norte.
Quem se preocupa com eles?
Quem cria causas em seu favor?
Esquecemo-los, simplesmente
(como vimos fazendo) apenas porque não fazem parte de causas badaladas?
Ou relativizamo-los por
estarem, para já, mais longe de nós?
Ou por, em relação a eles,
entendermos a nossa culpa como mais difusa e indireta?
Ou, já agora, por serem
africanos?
Calculo que, por qualquer
coisa, como uma perversa simbiose de tudo isto!
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