O
aproximar do dia das eleições vem electrizando a postura, normalmente formal e
discreta, do Simplício.
Após
uma marcação cerrada aos líderes regionais e uma tentativa, de alguma forma bem
sucedida, de se tornar indispensável, conseguiu o seu desiderato principal: um
lugar nas listas do Partido, condição prévia, que se espera premonitória, de um
futuro auspicioso.
Corresponder
o dito a um dos últimos lugares suplentes poderia até ter desanimado alguns
menos entusiastas ou, quem sabe, frustado alguns mais impulsivos. Contudo, não
o Simplício!
Apoiando-se
na sua humilde (mas badalada) origem rural, este sabe, como diz o povo que
tantas vezes evoca, que as “cadelas apressadas parem os cães cegos”.
E
cego é aquilo que ele não é! Ele sabe que as próximas eleições podem abrir um
mundo de oportunidades. Ou, se quisermos, de forma mais rigorosa, um novo mundo
de oportunidades.
A
lista constitui uma oportunidade de notoriedade e a notoriedade desde que
enquadrada num círculo de conhecimentos adequados pode fazer ganhar o céu a
quem recentemente chegou ao mundo real, recém-formado, sem experiência
profissional e sem grande apetência para a travessia do deserto que esta
exigiria.
Até porque, só próximo do poder podemos influenciar
o dito a tomar as decisões mais adequadas e, desta forma, contribuir realmente
para desenvolver este país, melhorar a qualidade de vida e servir, assim, o
povo que somos.
Não é, com certeza, provocando agitação nas empresas
e nas ruas, reivindicando de forma ineficaz condições descabidas ou já
previstas nos programas de governo, que o país consegue recuperar as décadas de
atraso que leva dos seus parceiros europeus.
O Simplício sente, assim, não só que é seu
inequívoco direito como, inclusive, seu dever, partilhar das ingratas responsabilidades
que o poder acarreta. Contra tudo e contra todos, inclusive a incompreensão
daqueles que tudo resumem a “jobs” e a “boys”, como se o mundo fosse feito
apenas de oportunismos e interesses mesquinhos.
Como lhe seria fácil manter-se cómoda e passivamente,
“assistindo de poltrona” ao mergulhar do país cada vez mais fundo, no caos para
o qual outros o arrastaram.
Mas o Símplício sente que tem qualquer coisa a dizer
sobre o assunto. Que o país precisa do Partido e o Partido precisa dele! Da sua
determinação, clarividência, honestidade e inexcedível sentido de justiça!
Só de pensar nisso uma irritação envolve-o como num
frenesim. Perpassa-lhe a pele, eriça-lhe os cabelos, sobe-lhe pela garganta,
num amplexo asfixiante que o oprime e emociona.
É que se existem coisas a que ele é particularmente
sensível, é às injustiças. Foi esta, aliás, uma das principais razões porque
aderiu ao Partido.
“Justiça e modernidade” será até a frase chave que
escolherá quando, alguma vez, a estratégia de campanha passar por uma bem mais
destacada disponibilidade eleitoral da sua pessoa.
“Justiça e modernidade”! É disto que o país precisa!
Valores pragmáticos, alheios a utopias, assentes na competência, capazes de
fazer deste país algo mais que o “carro vassoura” de um percurso europeu a
várias velocidades.
O resto é conversa para eleitor ouvir. Conversa
fiada, de quem prefere falar a agir. De ingratos e mal intencionados. De
derrotados e perdedores.
E perdedor, foi aquilo que, à cabeceira do leito
paterno, acompanhando os últimos suspiros, o Simplício prometeu veementemente
que nunca seria!
É
um facto que lá no fundo, bem lá no fundo, a sua consciência briga ainda com
pressupostos residuais dos seus tempos de militância estudantil em que os
valores e ideias apresentavam, até, contornos esquerdistas.
Épico,
esforçado e digno dos maiores encómios tem sido, na verdade, o seu esforço para
ultrapassar definitivamente tais empecilhos filosóficos. É que a percepção da
realidade que o envolve parece apostada em infernizar-lhe o juízo quanto à
racionalidade ideológica das suas opções actuais.
Mas não é em vão que o Simplício é tido como
pragmático. Talvez se não possa dizer que nunca se engana e raramente tem
dúvidas. Mas é moço de convicções firmes, dúvidas escassas e decisões empenhadas.
Portanto, se há coisas que se têm que fazer, “o que
tem que ser tem muita força”, remata, peremptoriamente, de si para si.
E se, na verdade, a sua percepção das coisas, aqui e
ali, apresenta ainda algumas dificuldades em enquadrar-se harmoniosamente na
realidade vigente, paciência,…. problema
da realidade!
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