O terrorismo islâmico tem constituído o tema favorito de um linear tratamento
mediático, em que, por arrastamento, os muçulmanos passam a ser olhados como
inimigos públicos (ativos ou passivos), cuja existência justifica, só por si,
uma política ocidental intervencionista e uma sociedade de mercado (como se tem
visto) injusta e desigual.
O radicalismo islâmico é, aí, tratado como algo geneticamente maléfico.
Algo que só a mais absoluta exterminação pode resolver.
Como se cada extremista fosse, não igualmente filho de Deus, mas, sim,
filho do Diabo.
Afinal, curiosamente, a mesma argumentação (face ao Ocidente) dos referidos
extremistas!
E, assim, os antagonismos em presença vão atingindo novas e maiores dimensões;
que o ódio catalisa.
Tenho, contudo, algumas dúvidas acerca de muitos dirigentes ocidentais
odiarem, sequer, os extremistas islâmicos.
Talvez tenham, sim, algum receio. Apesar das mais modernas e avançadas
medidas de proteção. Mas ódio, suponho que não.
Afinal, os mesmos, cumprem um papel conveniente (mesmo que
involuntário) na legitimação do intervencionismo político e militar ocidental,
nas justificação das enormes despesas militares (agora que a guerra fria se
encontra em “banho maria”) e, ainda, no reforço do controlo sobre os cidadãos, a
pretexto da necessária segurança nacional.
Ódio, têm os extremistas islâmicos. E isso constitui uma das suas mais
fortes motivações.
Ódio que vem, essencialmente, das controversas (chamemos-lhe assim)
decisões que resultaram na criação do Estado de Israel e da correspondente
expulsão dos palestinianos para campos de refugiados ou para a caótica e
superlotada Faixa de Gaza. Situação que continua sem fim à vista; arrastando
consigo, por exemplo, a inaceitável (para os muçulmanos) ocupação de Jerusalém.
Ódio que se incrementa cada vez que os interesses petrolíferos ou
geoestratégicos americanos levam a intervenções explícitas como no Iraque ou na
Líbia ou, implícitas, como no Egipto ou na Síria. Fazendo, recorrentemente, potenciar
as sempre disponíveis tensões e conflitualidades étnicas, como oposição aos
governos que lhe são hostis.
A criação do, assim chamado, “Estado Islâmico”, num território em que
(por culpas ocidentais) o poder está pulverizado por diversos grupos étnicos,
deve constituir para o extremista islâmico padrão, uma espécie de antecâmara do
Paraíso.
Um local em que se pode lutar contra o “Grande Satã” e seus “infiéis” acólitos,
numa “guerra santa” capaz de garantir as ambicionadas “graças eternas”.
A afluência de jovens de variadas origens permite, provavelmente, um
enquadramento de camaradagem entre potenciais mártires. Buscando aí, afinal, aquela
que é, facilmente, vista como a maior de todas as causas: o desagravo a um Deus
ofendido, como condição de recompensa de uma paradisíaca eternidade.
Deste modo, o previsível esmagamento deste embrião teocrático não irá
servir de alerta a eventuais futuros recrutas.
Muito pelo contrário: a experiência, sublimada pelos respetivos
serviços radicais de propaganda, tem tudo para se tornar um foco de atração
para novos e velhos convertidos. Desejosos de se sacrificarem. De “morrer em
nome do Senhor”.
Porque estas questões não se resolvem com mais repressão. Ou, pelo
menos, apenas com mais repressão. Se resolvessem, há muito que estavam resolvidas.
Resolvem-se, sim, com o enfrentar das situações que sustentam as
indignações extremistas. Que, não podemos esquecer, são “apenas” expressões
radicais de uma insatisfação e indignação maiores.
Que se não são (obviamente) justificáveis, são, contudo, explicáveis.
Atenuar-se-iam, assim, as razões de conflitualidade existentes. Contribuindo,
a médio-prazo, para enfraquecer as fileiras radicais: reduzindo-as uma dimensão
mais ou menos controlável.
Afinal, isto é algo que até os dirigentes ocidentais percebem.
Mas, por diversas razões, lhes não interessa.
Porque isso seria reconhecer erros passados. Afetar interesses próprios,
de amigos e aliados.
Reconhecer, em suma, uma nova ordem internacional: não baseada no direito
da força, mas na força do direito. Que reconhecesse a todos os povos (apesar
das suas diferenças) o direito à mesma dignidade.
PS - As abomináveis execuções públicas de indivíduos ocidentais apanhados
no frenesim de um fanático antagonismo, tem contribuído, naturalmente, para
extremar as posições em presença.
Contudo, confesso que já algumas vezes me tinha perguntado quando é
que os extremistas do EI começariam a imitar os EUA, quando estes se decidiram
pelo mediático enforcamento público do antigo ditador iraquiano Saddam Hussein:
presidente legítimo (pelo menos tão legítimo como os restantes que proliferam
por este mundo; muitos deles aliados ocidentais,) deposto por uma, para todos
os efeitos, ilegítima invasão militar externa.
Sem comentários:
Enviar um comentário