Reconheço
que nunca tive uma particular predileção por papas. Dando de barato a sua
suposta santidade e infalibilidade, os mesmos são afinal chefes de uma
organização religiosa (como todas as organizações religiosas, particularmente
conservadora) que, embora nos seja teológica e culturalmente próxima, possui um
historial de intolerância, no mínimo, tenebroso.
Deverei,
assim, abrir uma exceção para o atual.
Cuja
ostensiva simplicidade e compreensibilidade, convenhamos, ao princípio me fez
desconfiar. Simplicidade de forma, de imagem e de discurso, cogitei. Sem
correspondência com a compreensibilidade daqueles aspetos. tanto teológicos
como socioculturais e políticos que, afinal, fazem deste mundo aquilo que ele,
infelizmente, é.
Hoje,
contudo, acho que o seu papel (o papel que pretende desempenhar) é de alguém
que se assume como incómodo para com os inúmeros vícios e intolerâncias que
ainda, hoje, grassam na Igreja.
As
intervenções sobre os mais variados assuntos (como aconteceu, ainda
recentemente, com a sugestão de que o radicalismo islâmico deve ser enfrentado não
exclusivamente de forma repressiva mas, igualmente, através de uma alteração na
nossa maneira de ver o outro) revelam não só uma inaudita coragem (face às bolorentas
atitudes politicamente corretas do Vaticano) como, ainda, uma significativa
clarividência.
Sugestão
desassombrada e contracorrente, que lançou mais vez a polémica*. Incomodando muitas
posturas tradicionalmente acomodadas e confortavelmente instaladas.
Tal
como tinha acontecido, já, com as suas opiniões manifestas sobre os
homossexuais, o papel das mulheres, o celibato dos padres e, grosso modo, a
hipocrisia caritativa.
Afinal,
aquilo que vem, de forma ainda surda, provocando uma divisão na Igreja.
Entre
as massas católicas pouco canonizadas que o adoram e grande parte das estruturas
pastorais e eclesiásticas (bem como a própria hierarquia do Vaticano) que, por
enquanto, o censuram de forma inversamente proporcional à respetiva
responsabilidade hierárquica.
A tal
hierarquia mais ou menos atacada do famoso “alzheimer espiritual”.
Naturalmente
existirão sempre diferenças entre as nossas maneiras de ver as coisas.
Reconheço,
contudo, que preferiu a inquietude de afrontar os “vendilhões do templo” a optar
pelo habitual e farisaico papel de arquétipo moral de uma organização, afinal,
de enviesada moralidade.
E
isso é algo que nos deve merecer o maior respeito.
* Uma pergunta
apenas a propósito deste tema que tanto tem emocionado a opinião pública
portuguesa: será que optarmos por não ridicularizar os outros
naquilo que eles consideram mais sagrado, é estar a abdicar do nosso direito à
liberdade de expressão?
Não estaremos a confundir direitos com
deveres?
Ou será que achamos que é a mesma
coisa?
O que é extraordinário é precisar de
ser o Papa a alertar para uma coisa destas.
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