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quarta-feira, 16 de março de 2016

O país que somos e… merecemos

  

Se existe assunto que direta ou indiretamente vem ocupando os tempos mediáticos no nosso país, nas últimas décadas é, sem dúvida, o da corrupção.
São os ministros e primeiro-ministros a quem saem cursos superiores na Farinha Amparo. Os outros que (para não ficar atrás) se esquecem de pagar impostos. Os cartões Gold como forma, encapotada, de subvenções e favorecimentos. Autarcas que se servem de dinheiros e serviços municipais para proveito próprio e gerem ignotos e nebulosos sacos azuis: pelos vistos sem fundo. Banqueiros e corretores que se apropriam de recursos financeiros dos clientes. Presidentes da República que advinham as crises bancárias e disfarçadamente levantam os seus frutuosos investimentos de risco. Clubes de futebol que pagam férias aos árbitros ou fornecem acompanhantes de luxo como complemento de hotelaria: com certeza para aquecer as camas.
E poderíamos continuar indefinidamente.
O que, à primeira vista, até nos poderia fazer pensar na existência de um qualquer “vírus corruptus” que atacasse, inexoravelmente, todos aqueles que, neste país, ascendem a lugares de poder: na gestão de influências, de recursos, de dinheiro ou de decisões executivas; sejam elas empresariais, governamentais ou autárquicas.
Antes fosse. Um antibiótico de maior ou menor espectro poderia, então, resolver a questão.
Não! O problema é, infelizmente, mais profundo e abrangente.
De facto, de alguma maneira, somos quase todos potenciais corruptos!
Uns mais outros menos, com certeza. Mas em número suficiente para fazer senso-comum.
Afinal, fruto de condições históricas e socioculturais, em Portugal persistem ainda valores e comportamentos próprios de tempos passados, em que o favorecimento e o compadrio face a familiares, amigos e conhecidos (e conhecidos dos conhecidos) se conjugava com uma desconfiança ancestral face às autoridades e à inexistência de solidariedades com o Estado e seus órgãos de soberania.
Valores, estes, que num contexto rural e comunitário eram, então, entendidos como virtudes.
Contudo, quarenta anos de democracia dever-nos-iam ter feito evoluir no sentido da adoção gradual de outros valores; mais adequados, estes, à sociedade contemporânea. Aqueles que, grosso modo, denominamos, hoje, de imperativos de cidadania.
Contudo, tal não aconteceu.
Porque, fruto de um percurso histórico truncado pelo Estado Novo, os quadros de mentalidade rural e comunitária estavam, ainda, profundamente arreigados.
E, principalmente, porque durante as últimas décadas, a população portuguesa tem sido confrontada com recorrentes escândalos de corrupção, envolvendo empresas públicas e privadas, clubes e organismos oficiais, autarquias e bancos e, especialmente (pela gravidade paradigmática), os próprios orgãos de soberania.
Tal não permitiu, portanto, atenuar suficientemente a ancestral desconfiança, face ao poder político, que enformava muitos de nós.
Muito pelo contrário. Tem servido, até, para a justificar!
E continuarmos, assim, um paraíso de corrupção.
Afinal, se não temos, da mesma, uma valorização negativa e se os governantes (com bem mais responsabilidades morais) seguem a antiquíssima regra do “partir e repartir e ficar com a melhor parte”, sentimo-nos plenamente justificados.
Seja nos impostos de transação, nos preenchimentos do IRS ou IRC, no mercado paralelo, no simples avisar o condutor, que connosco se cruza, de que se aproxima da polícia. Sem pensar, sequer, que podemos estar a ajudar um criminoso.
E o que é mais grave é que mesmo nas ilegalidades que podíamos fazer e não fazemos, tal resulta mais de condicionalismos jurídicos que de imperativos cívicos. Dito de outra maneira, resulta mais do medo que temos do que de uma eventual opção de cidadania.
Não admira assim que, quando as “fátima felgueiras”, os “valentins loureiros”, os “ferreira torres” ou os “isaltinos morais” deste país à beira mar plantado, insistem (sem pingo de vergonha) em se candidatar novamente aos cargos onde prevaricaram, os presenteemos, quase sempre, com votações superiores aquelas anteriormente conseguidas.
Pactuando, assim, com os seus crimes e recompensando-os, afinal, pela sua corrupção.
Pois é…
Se calhar (por muito politicamente incorreto que seja afirmar isto) não era má ideia começarmos por assumir, também, a nossa responsabilidade.
Ou não vale a pena queixarmos do país que temos. Se quisermos, do país que somos.
Afinal, os tais governantes e afins não são muito piores que muitos de nós. Apenas têm outras e maiores possibilidades de infringir as leis.
Possibilidades que, em última instância, gostaríamos de ter.
E, mais grave ainda, nos esforçamos por ter.





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