Se existe assunto que direta ou indiretamente vem ocupando
os tempos mediáticos no nosso país, nas últimas décadas é, sem dúvida, o da
corrupção.
São os ministros e primeiro-ministros a quem saem cursos
superiores na Farinha Amparo. Os outros que (para não ficar atrás) se esquecem
de pagar impostos. Os cartões Gold como forma, encapotada, de subvenções e favorecimentos.
Autarcas que se servem de dinheiros e serviços municipais para proveito próprio
e gerem ignotos e nebulosos sacos azuis: pelos vistos sem fundo. Banqueiros e corretores
que se apropriam de recursos financeiros dos clientes. Presidentes da República
que advinham as crises bancárias e disfarçadamente levantam os seus frutuosos investimentos
de risco. Clubes de futebol que pagam férias aos árbitros ou fornecem acompanhantes
de luxo como complemento de hotelaria: com certeza para aquecer as camas.
E poderíamos continuar indefinidamente.
O que, à primeira vista, até nos poderia fazer pensar na existência
de um qualquer “vírus corruptus” que atacasse, inexoravelmente, todos aqueles
que, neste país, ascendem a lugares de poder: na gestão de influências, de
recursos, de dinheiro ou de decisões executivas; sejam elas empresariais, governamentais
ou autárquicas.
Antes fosse. Um antibiótico de maior ou menor espectro poderia,
então, resolver a questão.
Não! O problema é, infelizmente, mais profundo e abrangente.
De facto, de alguma maneira, somos quase todos potenciais corruptos!
Uns mais outros menos, com certeza. Mas em número suficiente
para fazer senso-comum.
Afinal, fruto de condições históricas e socioculturais, em Portugal
persistem ainda valores e comportamentos próprios de tempos passados, em que o
favorecimento e o compadrio face a familiares, amigos e conhecidos (e conhecidos
dos conhecidos) se conjugava com uma desconfiança ancestral face às autoridades
e à inexistência de solidariedades com o Estado e seus órgãos de soberania.
Valores, estes, que num contexto rural e comunitário eram,
então, entendidos como virtudes.
Contudo, quarenta anos de democracia dever-nos-iam ter feito
evoluir no sentido da adoção gradual de outros valores; mais adequados, estes, à
sociedade contemporânea. Aqueles que, grosso modo, denominamos, hoje, de imperativos
de cidadania.
Contudo, tal não aconteceu.
Porque, fruto de um percurso histórico truncado pelo Estado
Novo, os quadros de mentalidade rural e comunitária estavam, ainda, profundamente
arreigados.
E, principalmente, porque durante as últimas décadas, a
população portuguesa tem sido confrontada com recorrentes escândalos de
corrupção, envolvendo empresas públicas e privadas, clubes e organismos
oficiais, autarquias e bancos e, especialmente (pela gravidade paradigmática), os
próprios orgãos de soberania.
Tal não permitiu, portanto, atenuar suficientemente a ancestral
desconfiança, face ao poder político, que enformava muitos de nós.
Muito pelo contrário. Tem servido, até, para a justificar!
E continuarmos, assim, um paraíso de corrupção.
Afinal, se não temos, da mesma, uma valorização negativa e
se os governantes (com bem mais responsabilidades morais) seguem a antiquíssima
regra do “partir e repartir e ficar com a melhor parte”, sentimo-nos plenamente
justificados.
Seja nos impostos de transação, nos preenchimentos do IRS ou
IRC, no mercado paralelo, no simples avisar o condutor, que connosco se cruza,
de que se aproxima da polícia. Sem pensar, sequer, que podemos estar a ajudar
um criminoso.
E o que é mais grave é que mesmo nas ilegalidades que podíamos
fazer e não fazemos, tal resulta mais de condicionalismos jurídicos que de imperativos
cívicos. Dito de outra maneira, resulta mais do medo que temos do que de uma eventual
opção de cidadania.
Não admira assim que, quando as “fátima felgueiras”, os “valentins
loureiros”, os “ferreira torres” ou os “isaltinos morais” deste país à beira
mar plantado, insistem (sem pingo de vergonha) em se candidatar novamente aos
cargos onde prevaricaram, os presenteemos, quase sempre, com votações
superiores aquelas anteriormente conseguidas.
Pactuando, assim, com os seus crimes e recompensando-os,
afinal, pela sua corrupção.
Pois é…
Se calhar (por muito politicamente incorreto que seja
afirmar isto) não era má ideia começarmos por assumir, também, a nossa
responsabilidade.
Ou não vale a pena queixarmos do país que temos. Se
quisermos, do país que somos.
Afinal, os tais governantes e afins não são muito piores que
muitos de nós. Apenas têm outras e maiores possibilidades de infringir as leis.
Possibilidades que, em última instância, gostaríamos de ter.
E, mais grave ainda, nos esforçamos por ter.
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