A criação da “Nossa Senhora dos Avieiros e do Tejo”,
resultante das estratégias promocionais do Projeto de Candidatura da Cultura Avieira, constitui um interessante fenómeno de religiosidade popular.
Independentemente do mais ou menos insignificante móbil que
lhe esteve na génese, a criação, por geração mais ou menos espontânea, para
efeitos turísticos (que tem merecido diversas criticas) não é afinal inédita. Muito
longe disso!
Com maior ou menor base
hierofânica (com patrocínio eclesiástico ou exterior à Igreja), reconstituem-se
cultos adormecidos (Santíssimo Milagre, Senhora do Castelo) ou diluídos
(Senhora da Boa Viagem), para só falar da Região, cultos suportes cultuais são
hoje requeridos para promover vilas, cidades e municípios.
Afinal o turismo religioso está na moda.
Entre a possibilidade
de utilizar cultualidades existentes na Borda d´água e caras aos avieiros (mas
institucionalizadas e controladas nas suas funcionalidades), os responsáveis
pelo Projeto resolveram criar uma nova entidade que pudesse, de alguma forma,
relacionar-se com as diversas aldeias avieiras e se identificasse, afinal, com estas
comunidades piscatórias do Tejo.
E eis assim, como que por milagre, surgiu a “Nossa Senhora de
Tejo e dos Avieiros”.
Não foi, de todo, uma má ideia.
O que não falta são divindades promovidas institucionalmente
por instituições profanas, como os municípios.
O que não falta são situações em que os propósitos (políticos,
sociais, turísticos ou patrimoniais) são completamente exteriores às questões
devocionais.
E, afinal, a atual dimensão cultual mariana, aliada a
sucessivos marketings cerimoniais e especialmente processionais (de particular
popularidade) bem como, à identificação da personagem como elemento simbólico
agregador de avieiros e descendentes pode, inclusivamente, gerar um novo culto.
Que, a acontecer, será interessante estudar. E, naturalmente,
refletir.
Afinal (guardadas as devidas proporções) foi só quando se
transformaram na “noite das bruxas” que as antigas festas célticas do “shamain”,
depois “festas das calendas”, depois “dia de todos os santos”, se
universalizaram.
Só quando a coca-cola
resolveu criar a figura publicitária do Pai Natal, o dito natal extravasou a dimensão
cristã e se tornou um fenómeno mundial. E o “Filho” acabou por ser assinado
pelo “Pai”. Ainda, por cima, um “Pai” ilegítimo.
Provando assim, se necessário fosse, que os aspetos de marketing
são hoje determinantes.
As críticas, no
entanto, têm sido, como usa dizer-se, “mais que muitas”.
Dizem, alguns, que se trata
de uma fraude. De brincar com coisas sérias. Uma divindade inventada de acordo
com propósitos teológicos não justificados, nem justificáveis.
Contudo, todas as “nossas senhoras” são uma e uma só entidade.
As suas diversas personagens, consubstanciadas nas diversas “imagens”, somente
expressam invocações diferentes: dotadas de diferentes atributos.
Dizem, outros, tratar-se de uma divindade de conjuntura e
oportunidade pontual (uma espécie de divindade descartável) e que serve, simultaneamente,
interesses políticos, turísticos e cultuais: uma espécie de três em um!
Dizem outros, ainda,
criticando a ligeireza do processo, que “os santos não caem do céu aos trambolhões”.
Não obstante, os
santos de génese popular, poder-se-á dizer, acabam de uma forma ou doutra, por
“cair do céu”.
Não “aos trambolhões”,
convenhamos, mas transportados em brilhantes nuvens brancas, radiantes arco-íris
ou fluorescentes raios de sol.
Poisando depois, ou
não, numa qualquer azinheira.
Sem comentários:
Enviar um comentário