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terça-feira, 15 de março de 2016

A invenção do sagrado



A criação da “Nossa Senhora dos Avieiros e do Tejo”, resultante das estratégias promocionais do Projeto de Candidatura da Cultura Avieira, constitui um interessante fenómeno de religiosidade popular.
Independentemente do mais ou menos insignificante móbil que lhe esteve na génese, a criação, por geração mais ou menos espontânea, para efeitos turísticos (que tem merecido diversas criticas) não é afinal inédita. Muito longe disso!
Com maior ou menor base hierofânica (com patrocínio eclesiástico ou exterior à Igreja), reconstituem-se cultos adormecidos (Santíssimo Milagre, Senhora do Castelo) ou diluídos (Senhora da Boa Viagem), para só falar da Região, cultos suportes cultuais são hoje requeridos para promover vilas, cidades e municípios.
Afinal o turismo religioso está na moda.
Entre a possibilidade de utilizar cultualidades existentes na Borda d´água e caras aos avieiros (mas institucionalizadas e controladas nas suas funcionalidades), os responsáveis pelo Projeto resolveram criar uma nova entidade que pudesse, de alguma forma, relacionar-se com as diversas aldeias avieiras e se identificasse, afinal, com estas comunidades piscatórias do Tejo.
E eis assim, como que por milagre, surgiu a “Nossa Senhora de Tejo e dos Avieiros”.
Não foi, de todo, uma má ideia.
O que não falta são divindades promovidas institucionalmente por instituições profanas, como os municípios.
O que não falta são situações em que os propósitos (políticos, sociais, turísticos ou patrimoniais) são completamente exteriores às questões devocionais.
E, afinal, a atual dimensão cultual mariana, aliada a sucessivos marketings cerimoniais e especialmente processionais (de particular popularidade) bem como, à identificação da personagem como elemento simbólico agregador de avieiros e descendentes pode, inclusivamente, gerar um novo culto.
Que, a acontecer, será interessante estudar. E, naturalmente, refletir.
Afinal (guardadas as devidas proporções) foi só quando se transformaram na “noite das bruxas” que as antigas festas célticas do “shamain”, depois “festas das calendas”, depois “dia de todos os santos”, se universalizaram.
Só quando a coca-cola resolveu criar a figura publicitária do Pai Natal, o dito natal extravasou a dimensão cristã e se tornou um fenómeno mundial. E o “Filho” acabou por ser assinado pelo “Pai”. Ainda, por cima, um “Pai” ilegítimo.
Provando assim, se necessário fosse, que os aspetos de marketing são hoje determinantes.
As críticas, no entanto, têm sido, como usa dizer-se, “mais que muitas”.
Dizem, alguns, que se trata de uma fraude. De brincar com coisas sérias. Uma divindade inventada de acordo com propósitos teológicos não justificados, nem justificáveis.
Contudo, todas as “nossas senhoras” são uma e uma só entidade. As suas diversas personagens, consubstanciadas nas diversas “imagens”, somente expressam invocações diferentes: dotadas de diferentes atributos.
Dizem, outros, tratar-se de uma divindade de conjuntura e oportunidade pontual (uma espécie de divindade descartável) e que serve, simultaneamente, interesses políticos, turísticos e cultuais: uma espécie de três em um!
Dizem outros, ainda, criticando a ligeireza do processo, que “os santos não caem do céu aos trambolhões”.
Não obstante, os santos de génese popular, poder-se-á dizer, acabam de uma forma ou doutra, por “cair do céu”.
Não “aos trambolhões”, convenhamos, mas transportados em brilhantes nuvens brancas, radiantes arco-íris ou fluorescentes raios de sol.
Poisando depois, ou não, numa qualquer azinheira.







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