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Espaço de comunicação que se espera interactivo, este é um instrumento que permite estar próximo de amigos,presentes e futuros, cujas contingências da vida tornam distantes mas nem por isso menos merecedores de estimas e afectos.


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quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

O Síndrome de Polifemo

A delirante proposta do PAN, pretendendo proibir os provérbios populares que falem de animais, parece estar a fazer escola. Confesso que sempre fui um defensor das causas dos animais. Não, necessariamente, dos cãezinhos e gatinhos das Quintas da Marinha que, muitas vezes, pretendemos transformar em burlescos simulacros humanos. Mas dos inúmeros animais, ditos domésticos, abandonados; numa sociedade que os gera mas não gera condições que lhes permitam uma sofrível qualidade de vida. E dos não domésticos, que razões economicistas vão extinguindo por todo o mundo. Diretamente através de matanças (indiscriminadas ou não) ou, indiretamente, através da inexorável diminuição dos seus ecossistemas. Bem como daqueles que, para exclusivo gozo, criamos como instrumentos do nosso entretenimento. Aos quais provocamos (de forma artística, esclareça-se), desnecessária dor e sofrimento; enquanto expressão das nossas mais perversas vaidades. Ora, recebi recentemente, através das redes sociais, um estrato audiovisual que dava voz a três militantes espanholas que, entrevistadas a propósito, explicavam convictamente porque na sua quinta (ecológica, com certeza) mantinham separados galos e galinhas. “Para evitar que os galos violem as galinhas! Nem mais! Fica assim demonstrado, nestes episódios bizarros de “violência doméstica”, que todas as populações de galináceos existentes neste Mundo (bem como das outras aves e de muitas outras espécies animais), são resultado, estrito, de sucessivas violações. Desde o início dos tempos, presume-se. Pelos vistos, tem sido um regabofe! Bem, pelos menos pudemos agora, levantar um pouco o véu que envolve um dos maiores mistérios da criação: porque é que “os galos, cantam de galo!” Julgávamos nós que era para anunciar o sol-nascente. Santa ingenuidade! Apressam-se, isso sim, mal nasce a alvorada, a proclamar aos quatro ventos as suas ignóbeis proezas sexuais. Tarados!! Então, já agora e calhando em conversa, quem defende o Louva a Deus macho, morto recorrentemente pela parceira (desde há algumas centenas de milhões de anos a esta parte), durante o amplexo frenético de reprodução? Tenham lá paciência mas, nestas coisas, não pode haver filhos e enteados. Enfim, dizia a propósito, enquanto comentário anexo, o meu amigo (professor e antropólogo) responsável pelo envio de tal preciosidade: “Sem nos apercebermos, estamos a criar uma geração de idiotas”. Não sei se poderemos, em rigor, falar de uma geração; é com certeza injusto para muitos. Agora o que eu sei é que, no caso presente, reputá-los de “idiotas”, é ter os idiotas em boa conta!

Mais papistas...

A firme intenção da Federação Inglesa de Futebol castigar as manifestações de racismo é algo que, naturalmente, não podemos deixar de realçar e subscrever. A ação que desenvolveu, há algum tempo, em conjunto com as autoridades, no combate à praga do holiganismo, constituiu exemplo de determinação e vontade que, hoje, serve de modelo para muitos. Mas, como diz o povo, “tudo o que é demais empata a venda”. E a decisão de castigar Bernardo Silva, jogador português do Manchester City, surge como manifesto exagero que, ao contrário do que se quer fazer querer (e que, afinal, seria o seu papel), não ajuda nada a combater tais manifestações discriminatórias. Castigar alguém que se limita a trocar piadas com um (pelos vistos) amigo do peito, feitas de humor e remoque é, convenhamos, ser bem “mais papista que o Papa”. Aliás, eventuais recriminações apenas teriam sentido pelo facto de tal ter sido publicado numa rede social que, muitas vezes esquecemos, não se trata apenas de uma forma de conversar. Uma qualquer repreensão já seria mais que suficiente. E constituiria uma decisão bem mais pedagógica. Até para transmitir que, o que está em causa, não é (nem pode ser) apenas e principalmente aquilo que se diz. Mas a forma como se diz. A razão porque se diz. A intenção com que se diz. E não se venha com argumentos de que a intenção não é facilmente avaliada e mensurável. Afinal, é o mesmo Futebol que possui leis de aplicação disciplinar em que os casos acontecidos durante os jogos são penalizados (logo são avaliados) de acordo com a intenção do jogador. E isto, desde logo, no momento e no interior do campo; em condições que são tudo menos adequadas a apreciações ponderadas. Num contexto, convenhamos, bem mais difícil de avaliar. Temos hoje proibições a mais. Normas a mais. Leis reguladoras a mais. A prova de que são exageradas é que as cumprimos cada vez menos. Não estão, portanto, a desempenhar o papel para que foram criadas. Talvez devêssemos investir menos em imperativos normativos e investir mais na educação da cidadania. Mesmo que os resultados previsíveis pudessem ser menos imediatos. Tenham lá paciência, mas a luta contra o racismo não pode contribuir para o desaparecimento (por proibição ou cautela exagerada) das relações de amizade que se querem naturais e espontâneas e do imprescindível uso do humor e diversão entre pessoas de diferentes etnias. Sejam eles negros, brancos ou azuis às riscas! Isso é o pior que poderemos fazer para uma sã e natural convivência multicultural. É envenená-la! E, portanto, inviabilizá-la!

A Festa dos Tabuleiros e a Unesco

Assiste-se, cada vez mais, a candidaturas tendentes a obter o registo patrimonial da UNESCO, respeitantes a uma multiplicidade de ações, padrões e complexos culturais imateriais. Pode até dizer-se, que o frenesim das candidaturas a Património Mundial ameaça desvalorizar, pela vulgaridade numérica, novas e velhas classificações. Seja como for, um dos mais recentes propósitos nesse sentido, respeita à Festa dos Tabuleiros em Tomar. A propósito da intenção, em curso, referente ao “Fandango ribatejano”, tive a oportunidade de tecer, recentemente, algumas considerações, salientando, entre outras coisas, a natureza fóssil desta dança como aliás de qualquer outra hoje integrante daquilo a que chamamos Folclore (na Região e no País) há várias décadas desaparecido como elemento cultural vivo. Portanto, tal como no “Cante alentejano”, também o “Fandango”, a insistir-se na candidatura, vai, literal e obrigatoriamente, fazer de conta que está vivo. Afinal, quando se trata de património imaterial sempre se pode, mais facilmente, fazer de conta. Bem mais difícil seria vender como atual um templo ou uma fortificação entretanto desparecida. Um conjunto geológico, entretanto arrasado. Um bosque de raras e preciosas espécies, entretanto transformado numa urbanização. No contexto intangível criam-se, simplesmente, representações/reconstituições etnográficas e apresentam-se, as mesmas, nos processos de candidaturas, como ações espontâneas e regulares. À boa maneira do desenrascanço português. Contudo, a hoje denominada “Festa dos Tabuleiros” apresenta algumas e significativas diferenças. Se é verdade que esta antiga Festa do Espírito Santo (hoje estilizada a partir do modelo “Império”) foi alvo, em meados do século XX, de um processo de fusão e concentração concelhia a partir de festividades em desaparecimento (dando origem uma grande festa municipal e municipalizada) e se é certo que neste processo de institucionalização se virão a perder, com o tempo, os últimos carateres devocionais, não deixa igualmente de ser verdade que os mesmos virão a ser substituídos por uma outra motivação agregadora, vinculadora de um semelhante sentimento de pertença. Nem mais, nem menos que aquilo a que podemos chamar o sentido patrimonial. Algo que tornou, gradualmente, cada uma das atuais largas centenas de participantes, alguém que faz dessa participação a expressão mais cabal do orgulho de ser tomarense. A semelhança do que acontece com algumas outras situações no nosso país, hoje igualmente mediatizadas (como os “caretos trasmontanos” ou a utilização do “traje tradicional pela mulher da Nazaré”) o que está aqui em causa, em última instância, é a forma como a comunidade, mesmo aquela dispersa espacialmente, se vê refletida aos olhos dos outros. Sente a importância que os outros atribuem à sua Festa. À sua Terra. E sentindo, se acha, naturalmente, valorizada. Portanto, se a Festa perdeu o fator devocional que a manteve viva por séculos, encontrou outro tipo de suporte vivencial. Conferindo, assim, à iniciativa, contornos que ultrapassam a, à primeira vista considerada, reconstituição etnográfica. E, hoje por hoje, mantendo de alguma forma, esta manifestação festiva, enquanto elemento determinante de identidade comunitária. Até porque, mais que quaisquer outras festas populares, as festas espiritistas, pelas suas exigências de encargo e configuração, sempre acarretaram (para lá das respetivas confrarias) uma mais alargada estrutura organizacional, muitas vezes, até, municipal e corporativa. Deste modo, as condições exigidas pela UNESCO, pese embora a natural e evidente diluição devocional*, parecem assim, numa perspetiva socio-antropológica, cabalmente preenchidas. *Afinal, estas festividades tiveram de lidar no Continente com mais antigas, apegadas, telúricas e antropomorfas entidades divinas (ou divinizadas) como os santos ou a Virgem. Com prejuízo evidente, a médio e longo prazo, para as mesmas.