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Espaço de comunicação que se espera interactivo, este é um instrumento que permite estar próximo de amigos,presentes e futuros, cujas contingências da vida tornam distantes mas nem por isso menos merecedores de estimas e afectos.


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segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Nós e os Outros - A naturalidade da diferença

Já algumas vezes tenho abordado a problemática da naturalidade da diferença (ou da sua ausência) independentemente das tantas vezes apregoadas liberdades de opinião (e respectivas liberdades de ação) que os novos tempos consagram. Contudo, consagração à parte, continuam a manifestar-se inúmeras dificuldades em reconhecer aos outros, na prática, efetivos diretos de opinião e, principalmente, de ação. Principalmente quando tais opiniões/ações colidem com as nossas. Em assuntos que reputamos de importantes. Quando pretendem questionar causas que nos são caras e gratificantes. Por exemplo, nos recentes e sucessivos debates (mais discussões/altercações) acerca das peripécias futebolísticas que, diariamente, nos invadem através dos canais noticiosos nacionais, têm contribuído para usualizar entre nós a naturalidade, sim, mas da opinião dogmática como coisa comum e natural. Ter opinião diferente é aí (se de cor diferente) sinónimo de abominável comportamento ou, se da mesma cor) de inqualificável traidor à causa; de alguém que não merece dizer-se adepto de um determinado clube. A questão de ter uma opinião de acordo com os interesses do respetivo clube é assumido não só como natural mas igualmente como correto. E são este tipo de pessoas que, pela sua multiplicação e omnipresença, vão de maneira sub-reptícia formatando o senso comum nacional. São estes os valores que vamos, subconscientemente, interiorizando. Com consequências particularmente gravosas. A naturalidade da diferença transforma-se, aqui, na diferença da naturalidade. Em discussões em que se pretende não convencer mas vencer; a qualquer preço e custe o que custar. Vem isto a propósito de umas imagens que, não há muito tempo, correram na comunicação social, a propósito de uma manifestação anti taurina em Albufeira. A história conta-se depressa: no decorrer de uma tourada, alguns (poucos) militantes anti touradas invadiram a arena, ostentando mensagens de condenação da festa brava. Tendo sido, prontamente, detidos pela polícia. Até aqui tudo bem! Os manifestantes interromperam temporariamente uma iniciativa legal a decorrer (logo numa ação ilegal) e as forças da ordem fizeram aquilo que lhe competia: detendo os manifestantes que, com certeza, foram apresentadas à justiça que lhes aplicou as medidas judiciais previstas na lei. Contudo, mostravam as imagens, enquanto era conduzido por dois polícias, um dos manifestantes, era violentamente agredido por trás, perante o regozijo, ululante, da populaça e o alheamento, total, dos agentes da autoridade. Simultaneamente, o agressor mimoseava-o ainda com obscenidades que, o canal (não me lembro qual), prestavelmente, traduzia. A pergunta que se impõe é a seguinte: será que um cidadão detido deixa de ter direitos? Ou os agentes estavam demasiados ocupados para impedir, ou tentar impedir o agressor? Ou, simplesmente, estavam com medo? Será que as imagens que identificam (suponho eu) o energúmeno serão usadas como elemento susceptível de abrir uma investigação? Ou nestas coisas das sessões de porrada, mesmo que nas barbas da polícia, quem tem unhas (ou não tem as unhas presas) é que toca viola? Era um manifestante anti taurino. Podia ser um manifestante pró taurino. Ou um defensor do aborto. Ou contra o aborto. Ou contra a morte assistida. Ou a favor dela. Isto para só falar de causas sociais que enformam de susceptibilidades várias. Continuam a ser seres humanos; merecedores de todos os direitos e mais alguns que tal natureza lhes confere. No caso citado, apenas não detentor dos imperativos de liberdade. Apenas isso!

A MULHER DO RIBATEJO - MITOS E EQUÍVOCOS

Pode-se dizer-se que, tradicionalmente, o papel social da mulher do Ribatejo tem sido objeto de vários equívocos? - O equívoco, afinal, é só um: o de que os carateres de personalidade próprios da mulher ribatejana, que a tradição consagra, eram particularmente humildes e subservientes. Daí decorre, depois, todo um conjunto de erróneas implicações sociais e até culturais. Na verdade, não só tal configuração psicossocial não corresponde à realidade, como a mesma se nos revela aqui, pelo contrário, uma personagem bem mais autónoma e afirmativa; se comparada com a mulher de outras regiões. E, arriscar-me ia a dizer, com a mulher das outras regiões! Mas, se é assim, como se chegou aí? Digamos que a suposta subserviência da mulher ribatejana surge como contraponto à utilização exacerbada do “mito do campino” e decorre das supostas virilidades e destemores do “homem do Ribatejo” consubstanciado este, precisamente, na figura do campino. E se o campino foi elevado a arquétipo ribatejano no contexto dos arquétipos regionais que o Estado Novo promoveu como expressão sublimada das virtudes da raça (e, no seu caso, como símbolo do cavaleiro português de antanho que garantiu a independência nacional nos momentos difíceis de afirmação nacionalista), ao mesmo foram-lhe imputadas diversas e elevadas qualidades e virtudes que, gradualmente, se foram mitificando. E se, como diz o povo, “só pode haver um galo numa capoeira”, o estatuto da mulher irá sofrer por arrastamento inverso. Virá, então, a ser encarada como alguém particularmente passivo e obediente. Situação, que convenhamos, não correspondia, de todo, à realidade existente. Como poderíamos então, em termos de estatuto social, caracterizar a mulher do Ribatejo? Esclareça-se que falamos, essencialmente, das “mulheres do campo” que, durante séculos, marcaram, social e laboralmente, toda a região; nomeadamente o Vale do Tejo a que, em tempos passados, se chamava Borda d´Água. Trabalhadoras jornaleiras, como o homem. Que, como este, tinham a sua praça todas as semanas, onde iam vender a sua força de trabalho. Aí, discutiam preços e condições com capatazes e proprietários. Daí, saíam para trabalhar, afastadas dos maridos, às vezes por dezenas de quilómetros. Labutando, toda a semana, lado a lado com outras mulheres (ou, até, com homens) de outras localidades. Pessoas que, recorrentemente, tinham de reafirmar (alto e bom som) a sua fama de boas trabalhadoras; pois disso dependiam trabalho e salário. Algumas, ainda, eram capatazas, habituadas a comandar grupos de trabalhadoras, servindo de porta-voz perante o feitor ou o proprietário, reivindicando remunerações ou condições de trabalho. Pessoas de opiniões firmes e decididas, extrovertidas e assertivas; expressando e exigindo maior autonomia social. Eram as mulheres do campo, camponesas morenas de corpo robusto e pêlo na venta, de sonoras gargalhadas e língua afiada, temperadas da geada e do calor da lezíria. E até onde vai, afinal, essa autonomia? Não existe, aqui, uma inversão social, esclareça-se. O homem continua a ser o chefe de família e a exprimir, de forma algumas vezes pública e violenta, esse estatuto. Mas a relação com a mulher e os filhos sofre de inegáveis caracteres subversivos, expressos familiar e comunitariamente. Digamos que a imposição dessa liderança é, neste caso, aceite menos pacificamente. O come e cala de tantas outras zonas do país é aqui, diversas vezes, substituído pelo, mais problemático, come, …e não cala! E de que maneira isso se refletia no dia-a-dia destas pessoas? Ao contrário do que emana da literatura regionalista, elevadora do homem ao tal papel de arquétipo regional (feito de virtudes várias e ausência de defeitos), pode dizer-se que a mulher ocupava, no Ribatejo, uma posição de género significativamente menos subordinada que noutras zonas do território nacional! O seu papel é mais marcante, tanto social, como profissionalmente! Proletária e jornaleira, a mesma emerge, aqui, das brumas de uma história local e regional (em grande parte por fazer), como disposta a liderar causas sociais e comunitárias diversas. Por exemplo, enquanto rapariga, na reivindicação do direito a escolher o conjugue ou, como mulher, na relação com o padre e a Igreja. Nestas situações e noutras, a mulher reivindica condições de ação e opinião muito pouco comuns na tradicionalidade feminina portuguesa. Nas atividades lúdicas, como as danças e os cantares, o seu papel surge significativamente valorizado. Tanto nas desgarradas (competições de improviso poético extremamente populares), como até em certas danças mais competitivas como o bailarico ou o fandango, parte considerável das rivalidades locais, explícitas ou implícitas, eram (ao contrário do que se pensou durante décadas), expressas numa perspectiva homem/mulher! Confirma-se, então, que a mulher também dançava o fandango? Naturalmente. De facto, não só parecem ter sido dançarinas espanholas que, no século XVIII, alimentaram especialmente a popularidade desta dança nos teatros lisboetas como, inclusive, disseminado já um pouco por todo o país, as descrições efetuadas por autores portugueses e estrangeiros, durante a segunda metade de setecentos, apresentam-no, quase sempre, como dançado entre homem e mulher, em pé de igualdade. Mais recentemente (de fins do século XIX até aos nossos dias) e mesmo sem a realização de um qualquer estudo global, tanto os estudos monográficos locais como as pesquisas minimamente sustentáveis (a propósito ou não) desenvolvidas por diversos grupos do Ribatejo constituem, disso, prova cabal. Como se compreende, então, que muitas representações folclóricas só recentemente, tenham aceite a participação feminina? É que, dentro do contexto que falámos, a identificação mítica do fandango com o homem do Ribatejo, dotado este dos tais caracteres psíquicos excecionais de força, vigor, destemor e virilidade, tornava naturalmente interdita, à mulher, a partilha de valências de caráter que lhe eram atribuídas. A sublimação mítica idealizou, aliás, cenários pictóricos em que o campino, dançando o fandango, seduz e conquista a mulher; completamente rendida aos encantos do bailador. Na verdade, esta interpretação; pelo carácter restritivo e determinista das complexidades da natureza humana, pelo papel estritamente passivo (e de alguma forma servil) da mulher e pela redução de um sentimento à mera avaliação de um desempenho artístico, constitui, em rigor, um autêntico disparate! Não obstante, persistiu até hoje. E foi criando, contra todas as evidências, um insensato senso-comum. E porque é que nunca se percebeu isto? Essa é, afinal, a grande questão: - Primeiro porque durante décadas ninguém estudou o Ribatejo. Nem sequer o próprio campino foi objeto de estudo. Pelo contrário, era apresentado, apenas, como um símbolo mítico regionalista: alguém que tinha nascido já adulto e montado: cavalgando, garbosamente, pela vastidão da lezíria. Dito de outra maneira, o Ribatejo era o campino e, este, o “Homem do Ribatejo”. O fandango era sua dança. Os touros, o seu desígnio. - E, convenhamos, quando nas décadas de oitenta/noventa isso foi sendo, em parte, ultrapassado, já tais questões de género não eram tão evidentes, O modelo laboral tradicional tinha-se já, em grande parte, transformado. - Depois, ainda, porque os ranchos folclóricos, na sua grande parte, não possuem nem as capacidades técnicas nem sequer interesse especial no estudo das condições de género. - E, finalmente, porque os mitos exercem uma ação desertificadora em seu redor. A mitificação positiva do homem arrastou, afinal, uma gradual mitificação negativa da mulher. E os mitos, após, implantados, são extremamente difíceis de extirpar. É muito grave se tal equívoco persistir no tempo? Bom, para já, é uma cedência ao erro e um atropelo à verdade. Naturalmente injusto para os registos memoriais da mulher ribatejana; cuja vida constituía nesses tempos, isso sim, um paradigma épico de esforço e superação. E, principalmente, não contribui em nada (muito pelo contrário) para melhor perceber a realidade social e cultural de género, no nosso país e nossa região. Afinal, só amamos aquilo que conhecemos. E só conhecemos aquilo a que damos suficiente importância, para o olhar com olhos de ver.

Santos, causas e presciências

Por estranho que pareça à primeira vista, se existem, hoje, aspetos facilmente previsíveis são, com certeza, os respeitantes aos processos canónicos de santificação. Principalmente, agora, que o Mundo se tornou global na sua perceção, mas uma aldeia na sua interação. Em que as conveniências canónicas obedecem a pressupostos universais e particularmente claros na adequação a evidentes imperativos canónicos e apostólicos. Ou isso ou, então, deverei mesmo possuir insólitas capacidades premonitórias, até recentemente desconhecidas, que me têm permitido prever o futuro como qualquer profeta místico que se preze. Desde a previsão da canonização rápida de João Paulo II (acontecida em 2014) que desenvolvi na obra “Videntes e confidentes: Um estudo sobre as aparições de Fátima”, editado em Abril de 2009. Até à canonização de Francisco e Jacinta (em 2017), há décadas pendente pela funcionalidade devocional do Santuário: que sendo mariológico e universal, reporta (naturalmente) as solicitações de graças, diretamente, à Virgem Maria. Afinal, João Paulo II foi um papa sofredor, alvo de atentados, oriundo do, à altura, ainda diabolizado Leste e que, convenhamos, de alguma forma, abriu a Igreja ao Mundo. E no que concerne aos assim chamados “pastorinhos de Fátima”, tinha sido até admitido pela Igreja, o recurso, em última instância, a uma canonização mesmo sem o omnipresente milagre probatório. Excecionalidade, contudo, não necessária pois, após solicitação pública, logo se desencadeou (como aí tive, igualmente, oportunidade de prever) o ansiado milagre. Afinal, os “pastorinhos”, tinham mesmo que ser rapidamente canonizados já que o processo de Lúcia (entretanto falecida) o exigia. Porque Lúcia é a sustentação de Fátima. As aparições são ela! E o desenvolvimento posterior dos factos, ainda mais! Logo esta tinha de ser objeto de um processo particularmente rápido. Por isso, tanto no livro “Foi a 13 de Maio na Cova da Iria”, editado em Março de 2017, como em entrevista concedida a um periódico regional em Janeiro do mesmo ano, tive oportunidade de afirmar que, a mesma, seria com certeza “canonizada em tempo recorde”. Confesso, contudo, que não esperava recorde tão grande, como aquele que, recentemente, um periódico nacional revelava: mais de 1600 milagres; oriundos de cerca de uma vintena de países! É obra! Mais se informava, ainda, que as intervenções milagrosas se têm desenvolvido a uma média de 10 a 15 por mês! Espera-se, aliás, que a mesma seja declarada “Venerável”, já em meados do próximo ano. E eu a criticar a IURD por realizar “campanhas de milagres” com tempo e hora marcada! Afinal, este é um processo de garantida promoção universal. Pela mediatização das intenções implícitas e até explícitas e pela globalidade interativa dos tempos modernos. Chocante é, apesar de tudo, verificar o deserto taumatúrgico que envolveu Jacinta e Francisco, durante décadas; não resultando, daí, um simples milagre que se visse, em contraste com à enxurrada taumatúrgica “lucialina” em presença. Afinal, Fátima pretende (naturalmente) perpetuar-se como o “grande altar do mundo” que é e, “Santa Lúcia” constitui, como é óbvio, vector determinante dessa estratégia. E se os santos precisam tanto dos homens como, estes, deles (é a devoção humana, afinal, que os sustenta e vivifica), percebe-se assim, melhor, a manifesta desigualdade dos panteões celestes. Seja como for, estes fluxos de santificação fatimitas ameaçam não ficar por aqui. Pois o processo de beatificação do Cónego Formigão, iniciado em 2000 (e igualmente retardado por razões análogas às dos ditos “pastorinhos”) recebeu também, agora, um impulso determinante, com a concessão do atributo de “venerável” por parte do Papa Francisco. E, também aqui, a sua concretização não deve tardar. Aliás, o encarecido desejo manifestado na comunicação social por parte da Vice- postuladora da respetiva causa: “Temos grandes esperanças de que ocorra brevemente um milagre” corresponde, na prática, ao desencadear do mesmo. Que, a mimética, mais tarde ou mais cedo (provavelmente, mais cedo que mais tarde), proporcionará. E como, pelos vistos, possuo as tais insuspeitáveis capacidades premonitórias posso, assim, garantir à citada Vice-postuladora que, após tão veemente anseio público manifestado, o ansiado milagre irá, naturalmente, “ocorrer”. Esteja descansada. Enfim, lá iremos ter, finalmente, um santo mais ou menos ribatejano. Termine-se, a propósito, com uma simples reflexão acerca das diferentes naturezas estratégicas destes processos que geram afinal (como estamos vendo), taumaturgias tão dimensionalmente opostas! Na verdade, enquanto alguns são fomentados e pressionados pela força da adesão das massas (expressa numa devoção crescente e assente em taumaturgias diversas) e aceites depois (ou não) pela Igreja, outros, como os aqui referidos, decorrem essencialmente de iniciativas e interesses eclesiásticos; revelando portanto, algumas vezes, dificuldades acrescidas na obtenção de milagres probatórios minimamente sustentáveis. Sendo muitas vezes, necessário, um ligeiro empurrão.