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Espaço de comunicação que se espera interactivo, este é um instrumento que permite estar próximo de amigos,presentes e futuros, cujas contingências da vida tornam distantes mas nem por isso menos merecedores de estimas e afectos.


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sexta-feira, 8 de abril de 2016

Não praticantes



 
O assim denominado Papa Francisco tem conseguido, em poucos meses, abalar o edifício da sumptuosidade formal em que assenta a estrutura conservadora de valores e se processam as conceções vivenciais do catolicismo romano.
Assumir que lhe não compete criticar o homossexualismo sacerdotal, constitui atitude, no mínimo, revolucionária.
Mas que tende a acarretar, como já vem acarretando, não só resistências várias no seio da Igreja mas, ainda, inconvenientes implicações doutrinárias.
Ser tolerante para com aqueles sacerdotes cujas inclinações sexuais são minoritárias e estigmatizadas é atitude corajosa e dignificante; apesar de nestes tempos modernos o “amai-vos e multiplicai-vos” ser mais problema que solução.
Ou será que se toleram homossexuais desde que “não praticantes?!”
Seja como for, aceitar tacitamente relações sexuais (envolvendo sacerdotes) de um mesmo sexo (masculino não o esqueçamos) e não os aceitar entre sexos diferentes (naturalmente bem mais frequentes) parece constituir uma distorcida e macarrónica tolerância.
Mas aceitar relações entre homem/sacerdote e mulher e continuar defender o celibato (que não a virgindade) é, admitamo-lo, estapafúrdio!
A não ser, mais uma vez, que se defendam os “celibatários não praticantes!”
Atá porque o estigma cai agora (ainda mais) não sobre o ato sexual, mas sobre o casamento!
Sobre a união (mesmo que dita sagrada) entre homem e mulher!
Estigmatizando, ainda mais, a mulher!
Numa misoginia completamente despropositada!
É evidente que estamos já longe dos primeiros séculos do cristianismo em que, os assim chamados “padres da Igreja” (Jerónimo, Cipriano, Gregório de Nisse, Gregório Magno, Justino Mártir, Agostinho o próprio Paulo de Tarso) abominarão a mulher e a maternidade
Em que Jerónimo chegará a dizer que a maternidade dá à mulher um “aspeto repugnante”.
Em que Gregório de Nisse pretende divinizar as virgens e proclama: “felizes as estéreis”.
Em que Gregório Magno defenderá a negação da comunhão às mulheres parturientes.
Em que Cipriano chega a aconselhar às mulheres que se “unam entre si”!
Em que Orígenes se castrará a si próprio!
Estamos já longe. Será?
A não ser que, afinal, passado todo este tempo, defendamos ainda mulheres e mães, também elas “não praticantes!”



O edifício misógino



 Depois de ter reconhecido um “lobby gay” no Vaticano, o Papa Francisco surpreendeu tudo e todos ao assumir, agora, como natural, a inclinação sexual dos padres gays e dessa maneira (e por maioria de razões) dos gays não padres.
Um enorme passo em frente na milenar hipocrisia canónica. Com o qual, contudo, muitos cristãos discordam.
Até, porque está aqui implícita, a tolerante compreensão (ora reafirmada) para com aqueles que tendo tendências homossexuais as exercem ou manifestam.
Afinal, muito deles vivem em universos predominantemente masculinos; às vezes quase exclusivamente.
E também porque, tal tolerância, levanta algumas interrogações no seio da Igreja. Interrogações merecedoras de reflexão.
Tolerância que traz à baila a questão da castidade e do celibato.
Ou será que se compreende a homossexualidade e espera-se que os homossexuais, em ambientes propícios, manifestem absoluta e completa contenção?
Ou são só os heterossexuais que têm de ser castos?!
Ou admitem-se as relações homossexuais masculinas e não as heterossexuais?
Ou é tudo apenas uma questão de celibato?
Admitindo-se (hipocritamente) as reações sexuais, desde que os sacerdotes não se casem?
Afinal o problema continua a ser a abominável mulher que o cristianismo recebeu de uma pastoril herança semita?
Fonte de pecado e tentação!
Criada para assistir e servir o homem.
De quem, ainda em 1930, Pio XI dizia: “o casamento (…) implica o primado do marido sobre as mulheres e os filhos e a submissão solícita da mulher, assim como a sua obediência espontânea6”.
Fazendo, assim, o estigma transitar do “abominável pecado da carne” e concentrar-se, ainda mais, na misógina subvalorização da mulher.
Que persiste há dois milénios!
Suportada hoje, afinal, pela inércia da tradição e milenar conservadorismo.
E, se quisermos, por bizarros interesses corporativos de género.




O tecto e as paredes




Agitam-se as hostes folcloristas com a recente avaliação que a Federação do Folclore Português desenvolveu por todo o pais (através dos conselhos técnicos regionais) geradora, como era de esperar, de contestações várias: uma mais, outras menos sustentadas.
Geradora, aliás, como também era de esperar, de injustiças várias, que se fundam num processo que, pese embora as boas intenções de quem de direito, não possuía, afinal, qualquer possibilidade efetiva de ser justo e coerente.
De ser minimamente objetivo, e suportado, mesmo que vagamente, numa metodologia técnico-científica. Susceptível de, pelo menos, credibilizar e validar as classificações obtidas.
É que o processo enferma de uma tripla incongruência:
Em primeiro lugar, a grande maioria dos conselheiros técnicos regionais (pesquisadores locais que só conhecem, quando conhecem, a realidade da sua aldeia ou freguesia e não possuem uma formação socio-cultural que lhes permita extravasar daí de forma sustentada, contextualizar padrões culturais ou analisar funcionalidades sociais) não têm, nem poderiam ter, competência técnica e cientifica para tal*.
Em segundo, a maioria dos mesmos são dirigentes de agrupamentos que fazem afinal parte do seu universo de avaliação. O que acarreta dois problemas: Por um lado tendem a ver todos os projetos como cópias, necessariamente deformadas, do seu. Por outro, dão corpo a um evidente conflito de interesses: marcante e omnipresente, seja qual for a estratégia que se adote na respetiva avaliação.
Mas existe ainda um outro problema. Mais determinante ainda.
Susceptível de, só por si, inviabilizar todo o processo, mesmo que os anteriores não existissem!
É que, fugindo como gato escaldado da metodologia científica, não querendo entrar em choque com interesses instalados e amizades diversas que os ligam a diversos dirigentes de agrupamentos folclóricos e sendo pessoas (apesar de dedicadas) algo prosaicas e socioculturalmente pouco esclarecidas, os dirigentes folclóricos nacionais nem sequer percebem esta coisa básica:
Não se pode proceder a uma avaliação qualitativa, se não existir, sequer, um conceito minimamente comum do que é “qualidade”!
Tão simples como isto!
Um conceito que obste, por exemplo, que certos agrupamentos folclóricos que em certas zonas do país são elevados aos píncaros da sublime valorização sejam, noutras, vistos como pitorescos estereótipos, que nem mereceriam ser federados.
Como é que numa situação destas alguém ousa proceder a uma avaliação nacional de representatividade.
Na verdade, não se pode avaliar representatividades, se não soubermos, sequer, o que é Folclore!
Pois, sem isso, não podemos naturalmente saber o que é representatividade folclórica!
Ora, o que acontece, é que, cada um de nós (dirigentes, conselheiros, folcloristas, diretores e ensaiadores) possui um conceito diferente; muitas vezes radicalmente diferente; algumas vezes antagónico! Quase sempre empírico, vago, subjetivo.
Ou, simplesmente, não possui conceito nenhum!
Como é que se pode, assim, exigir uma qualidade de representação se não se sabe, sequer (mesmo que de forma aproximada) o que isso quer dizer.
Portanto, era por aí que se devia ter começado fazer a casa.
E não esperar que o teto, por uma qualquer singularidade mística, se mantenha, eterna e milagrosamente, suspenso.


*E se isso se passa com os conselhos regionais, que dizer do Conselho Técnico Nacional (responsável, último, por estas avaliações)  cujo critério de pertença é, simplesmente, a pertença aos órgãos executivos da Federação?
Se aqueles dificilmente conseguem contextualizar realidades regionais no tempo e no espaço, calcule-se estes (cujos elementos na sua maior parte são igualmente folcloristas locais de base e que nunca evoluíram daí) e cujo âmbito territorial é, afinal, todo o território nacional?
Pois é…


sábado, 2 de abril de 2016

Confrangedor



 Fui mais uma vez às Festas da Cidade (de Santarém, entenda-se) no feriado municipal de São José, este ano simultaneamente sábado.
Mas se pensei que tal poderia melhorar a deplorável situação habitual, depressa me enganei.
A imagem que encontrei foi confrangedora.
Mais confrangedora, ainda, que nos anos anteriores.
Se é que tal é possível.
Apesar de feriado e sábado, apesar de, por definição, o dia mais importante dos festejos, o cenário era digno de lástima.
Meia dúzia de grupos folclóricos (habituais “paus de arara” das iniciativas autárquicas) resistia, estoicamente, desde manhã, dando corpo a um suposto “mercado tradicional".
Algumas dezenas de pessoas deambulavam erraticamente, de um lado para o outro, numa busca insana de algo que as interessasse.
Os espaços na Casa do Campino, vendedores de bolos, queijos, doces e fumeiros encontravam-se quase vazios. Os artesãos desunhavam-se por um pontual cliente.
Até os feirantes (carrocéis, carros de choque, bares de farturas ou de bifanas) esperavam e desesperavam por clientes que fizessem funcionar maquinismos e tesourarias.
Um “speaker” pouco entusiasmado, anunciava um espetáculo da Orquestra Típica para a noite: da qual distavam cinco ou seis horas.
O ambiente era semelhante a uma festa anual de uma qualquer aldeia rural do concelho. Provavelmente, ainda, menos concorrida e entusiasta.
Situação que um dia climatologicamente instável, só por si, não explica.
Mas se explica, também, pelo processo de morte lenta de uma iniciativa, há décadas, enteada dos interesses e motivações dos sucessivos responsáveis municipais.
Afinal, se considerarmos que se trata do dia mais importante das referidas festividades, suposto clímax do tempo festivo anual de uma cidade já capital de Distrito e de Província, dotada de um invulgar e milenar património histórico e cultural (tanto tangível como intangível), a conclusão inevitável não abona, nada, acerca da dimensão dos referidos executivos.
Que depois de terem diligentemente assassinado o famigerado Centro Histórico, vêm esforçadamente fazendo o mesmo às, assim incorretamente chamadas, “festas da Cidade”.
E em qualquer dos casos por inação.
Preferindo continuar a ser, como os Essénios diziam dos Fariseus: “aqueles que procuram as coisas fáceis”.
Por inércia, já se vê.
Mas não só. Também por manifesta falta de coragem e clarividência.