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Espaço de comunicação que se espera interactivo, este é um instrumento que permite estar próximo de amigos,presentes e futuros, cujas contingências da vida tornam distantes mas nem por isso menos merecedores de estimas e afectos.


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sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Navegando nas vagas pandémicas do poder em Portugal

Afundados que estamos na malfadada pandemia, somos diariamente inundados por dados sobre a natureza, dimensão, configuração e particularidades da mesma, previsões e expetativas, numa profusão que, muitas vezes, induz inúmeras confusões e incongruências. A decisão governamental de confinamento inicial de suporte policial e judicial, aditada (a seu tempo) de um apelo ponderado a valores éticos e ao sentido cívico dos cidadãos, (bem como, naturalmente, o temor da pandemia), levou ao enfrentar da primeira vaga de forma algo eficaz merecendo, até, diversos elogios. Mas a necessidade de reanimar a sociedade e a economia levou, mais tarde, à inevitável abertura social, colocando, em grande parte, as condições de cumprimento das medidas impostas e aconselhadas, nas mãos da população. Assentes, agora, em pressupostos de livre arbítrio; de direitos individuais e deveres de cidadania. E, aí, tudo se alterou. Para pior, já se vê. O equívoco do Governo (para lá de decisões estratégicas sempre discutíveis e nunca absolutamente perfeitas), é semelhante ao que outros governos muito provavelmente teriam tido no seu lugar. O mesmo que todos os governos têm tido. O mesmo que a classe política portuguesa, afinal, tende a ter. Esquecendo-nos (esquece muito a quem não sabe) que a população portuguesa possui uma idiossincrasia muito particular; que não a vocaciona, especialmente, para este tipo de situações. Desde logo para cumprir, voluntária e espontaneamente, regras que provenham de qualquer organismo estatal. Não por qualquer atavismo cultural, esclareça-se. Mas por um percurso histórico muito peculiar. Ora, pode dizer-se que os nossos governantes, tendem a entender o povo português como alguém que, devidamente instrumentalizado, se comporta de uma forma prescrita e adequada aos, vistos como tal, interesses nacionais. Esse é o primeiro erro; o de que as massas populares se comportam de forma absolutamente previsível e dirigida. A estratégia pandémica adotada para as Escolas constitui paradigma exemplar de tal. O segundo, que a classe politica dispõe de conhecimentos que lhe permite condicionar tais atitudes e comportamentos*. Mas existe ainda um terceiro (eventualmente mais importante), o de que a atitude da população face ao Poder/Estado/Governo/Autoridade, corresponde a uma relação de solidariedade ou, facilmente, convertida em tal. De facto, ao contrário de muitos países da Europa, que tiveram quase mais dois séculos de coabitação com as ideias liberais e humanistas, Portugal ainda em 1974 constituía uma nação predominantemente rural; tendente para a auto suficiência de bens e serviços. E de valores, já agora. A implementação de alterações significativas nas superestruturas vivenciais (feitas, entretanto, de melhorias habitacionais e educacionais, autoestradas, parques automóveis, novas tecnologias, superiores condições de vida e mais diversificados consumos, quase não deixam perceber o país que tínhamos. Contudo, as infraestruturas mentais persistem, ainda, em grande parte! Infraestruturas em que, nas vivências de subsistência na altura dominantes (diretamente no mundo rural e, indiretamente, nas populações suburbanas de afluência recente), as comunidades viam o Estado (em qualquer das suas vertentes; Governo, Municípios, Polícias, Tribunais, Finanças) como algo a evitar todo o custo; do qual não se esperava nada de bom! E hoje, passados 46 anos do 25 de Abril, tal permanece ainda, em grande parte. Por isso não cumprimos as mais diversas leis, se a isso pudermos fugir. E ajudamos, convicta e voluntariamente, outros a fazê-lo. Por isso, não denunciamos transgressões (como é nossa obrigação) a não ser que, com isso, estejamos a ser lesados. Seja nas autoestradas, seja nos impostos da mais variada natureza. Não admira, assim, que a denúncia de tal comportamento seja, ainda hoje, denominado de “bufar”; vernáculo para imoralidade e carácter sinuoso e vingativo. Por isso a nossa relação com as autoridades se transforma, frequentemente, num jogo do gato e do rato. Por isso, ainda, apoiamos sempre os políticos e afins acusados de corrupção pelo Estado. E os brindamos, até, com reforços eleitorais. Por isso, também, as razões para os tais agravamentos verificados após o desconfinamento; independentemente da natureza das respetivas vagas. Até porque, o aligeirar das medidas iria sempre, como foi, criando a sensação de que o pior estava passado. E o temeroso tendeu, portanto, a diluir-se. E, com o decorrer do tempo, fomo-nos habituando a lidar, mentalmente, com milhares de infetados diários e várias dezenas de mortes. Na verdade, habituamo-nos a tudo. Principalmente, se nos der jeito! Aliás, tudo isso tem a ver, desde logo, com a maneira como os nossos políticos valorizam, usualmente, as diversas áreas do conhecimento. Suponho que, para estes, as ciências sociais só servem para instrumentalizar discursos e indumentárias, poses e atitudes públicas e eleitoralistas. Levando-os, muitas vezes, pela deficiência de perceções contextuais sociais e culturais, a tomar medidas sem aplicabilidade prática e incorrer em erros de palmatória. E porquê, perguntar-se-á, os partidos políticos portugueses apresentam tal défice de compreensão de fenómenos sociais que, afinal, os deviam enquadrar? Pois, afinal, respeitam à população que somos, no espaço que temos e no tempo que vivemos. Em primeiro lugar, porque os cientistas sociais raramente ocupam lugares de relevo político. A não ser os omnipresentes advogados; não por acaso especialistas em instrumentalizar a verdade. Em segundo, porque a vivência de poder (seja na Administração Central, seja na Local) é feita de tal maneira de fidelidades caninas (não confundir com pequeninas) que o Chefe (não tão infalível como o Papa mas, lá perto) age e reage conforme quer e lhe apetece e, eventuais aconselhamentos, acabam afinal por ser, em grande parte, concomitantes com a vontade do mesmo. Divergir pode custar o lugar que tanto custou a alcançar (que não esqueçamos é de “confiança politica” e não técnica) já que o simples questionar ou discordar põe em causa a clarividência toda poderosa do Chefe. E, pode ser visto, como escondendo tenebrosas intenções. As “vozes do dono” são, assim, as normas padrão no interior das organizações politicas nacionais e outras que tais. Mais visíveis operativamente nas Administração Local (pela frequência e dimensão) mas existentes, afinal, em todos os níveis da hierarquia do poder. Percebe-se, porquê, o Governo quis abrir as Escolas. País de economia frágil, com um dívida externa obscena, já profundamente afetado pela situação pandémica dos últimos meses, precisa como de pão para a boca do reatar da atividade social e económica. Mesmo que para isso tenha de sacrificar os professores (exteriores, estes, à badalada estratégia das “bolhas”); muitos deles, pela idade e saúde, constantes dos famigerados grupos de risco. Mas o que também não há dúvida, é que fossem quais fossem as medidas a implementar, seriam sempre polémicas e criticáveis. E de eficácia limitada e controversa. A não ser que se criasse um estado policial dentro de cada escola; a ecoar tenebrosas lembranças. Que, não haja dúvidas, é alternativa bem pior que o famigerado vírus. E, tal como nas Escolas, também na Sociedade em geral. Nos últimos tempos o Governo vem revelando algum desnorte que espero, sinceramente, venha a ser passageiro. Más opções informativas, bem como dividir o país em concelhos de variada gravidade e hierarquização alterável, aos quais estão adstritas regras diversificadas, particularmente mutáveis no tempo e no espaço, constituem elementos geradores de dispensáveis confusões. Particularmente interessante é ver, contudo, as diversas forças da oposição esforçando-se por encontrar argumentos que justifiquem estratégias diferentes e sustentáveis como consequências de más opções ou deficientes aplicações. Afinal, se as medidas não resultam (como se pretende) e se a culpa não pode ser das pessoas a quem se dirigem, só pode ser de quem as tomou. O povo, donde vem afinal a legitimidade da nossa situação de político de carreira, é que não pode ser culpabilizado. Pelo menos em público, já se vê| Surgem, no entanto, grupos radicais de parca e esconsa responsabilidade, que veem na crise uma oportunidade fácil e despudorada de ganhar popularidade defendendo, clara ou implicitamente, uma maior autonomia comportamental, mesmo que implicando um inevitável agravamento epidémico. Vulgarizando, de alguma forma, um sinistro senso comum, que entende que as mortes, em certas condições qualitativas e quantitativas, são perfeitamente aceitáveis. Afinal. este é um vírus de natureza algo perversa. Desde logo porque afeta especialmente aqueles, já de si mais vulneráveis. Tendendo a revestir a ação de muitos governantes de uma, mesmo que disfarçada, menorização social (com consequências diversas) e uma atitude de um certo laxismo, face a um fenómeno que, afinal, “liberta” a nação de alguns encargos sociais presentes e futuros. Espécie de depuração social, pela filtragem de elementos vistos como improdutivos, num sociedade que endeusa a produção e o lucro. A sobrelotação dos hospitais tem feito, inclusive, admitir a hipótese de chegar-se a uma situação extrema em que as hipóteses avaliáveis de cura sirvam de seleção e opção de tratamento. Mais chocante será, ainda, a aplicação neste caso, mesmo que disfarçado, de um critério paralelo predominantemente etário. Na verdade, a colocação da vacinação dos mais idosos como última prioridade, no que concerne ao Plano de Vacinação preconizado pela Direção Geral de Saúde (e pesem embora pretensas justificações) parece, de facto, apontar para aí. Porém, se chegarmos ao ponto de equacionar o valor da vida (das vidas, dir-se-á) face a, vistos como tal, superiores interesses económicos (e nestes optar por indivíduos mais ou menos empresarialmente produtivos) teremos perdido, em grande parte, a nossa indispensável dimensão humanista. E nesse caso, se calhar mereceremos, mesmo, o que nos está a acontecer. *Talvez resida precisamente aqui a culpa maior da nossa Classe Politica. A de, durante o tempo que medeia de Abril de 1974 aos nossos dias ( e já lá vai quase meio século), não ter conseguido, como seria sua obrigação, alterar de forma significativa a imagem que o nosso Povo tem do Poder. Uma imagem algo fora do tempo, com certeza, que se intrinca em conceções de valor tradicionais (naturalmente), mas que a classe governante, por atos de corrupção e afins, tem levado a que continue a ser vista como natural senso comum..

O Fandango e a Unesco

A Entidade Regional de Turismo do Alentejo e (parte do) Ribatejo revelou, há algum tempo, no Cartaxo, a propósito da Candidatura do “Montado de sobro” a Património da Humanidade que, o “Fandango”, viria a ser, igualmente, candidato a esse estatuto. Passados quase três anos de suposto esquecimento, o mesmo dá agora, novamente, mostras de reanimação. Resta saber como é que o Fandango vai preencher o requisito que a UNESCO exige: o de se tratar, obrigatoriamente, de um padrão cultural vivo. Requisito que, como se sabe, o Fandango deixou de cumprir há largas décadas. Bem largas, por sinal! Portanto, para vender o mesmo como uma tradição vida e atuante (e não como a representação etnográfica que os diversos grupos, ditos folclóricos, veiculam) obriga, necessariamente, à realização de ações supostamente espontâneas mas que, de espontâneas, só poderão, mesmo, ter o nome. Contudo, confesso que não me repugna assim tanto a utilização de tais subterfúgios mesmo que, naturalmente, me recuse a tomar parte em algo que, mesmo que bem intencionado (admitamos), constitui, sempre, uma fraude. Afinal, estamos num país em que a moral é cada vez menos um imperativo de orientação e, mais, um irritante obstáculo a tornear. E não é a primeira vez (mesmo em Portugal) que tal acontece (veja-se o exemplo do “Cante alentejano”) e, calculo, não seja a última. Tendo ainda em conta que, tal reconhecimento, mesmo que obtido por métodos tortuosos, arrasta sempre um potencial promocional não desprezível. Mas, ao menos, que se aproveite para estudar o Fandango de forma a ultrapassar os variados equívocos que o impregnam, que hoje estão identificados e analisados mas continuam, em muitos casos, a plasmar as representações (ditas folclóricas) realizadas nesta Região. - Por exemplo, que o Fandango não é uma dança; mas sim um tipo de danças! Como acontece com qualquer dança ribatejana, ou não, proliferam as variantes de fandangos por todo o Ribatejo,.. por todo o país! - Que à semelhança de outras danças, igualmente vistas como regionais, o Fandango não é uma dança estritamente ribatejana! Como os “viras” não são só minhotos, os “corridinhos” não são só algarvios, os “bailaricos” não são só saloios, as "saias" não são só norte-alentejanas! Existem fandangos em diversas regiões, principalmente na Estremadura e no Minho, mas ainda nas Beiras e até no Alentejo e nos Açores. Existem, a jusante, inúmeros fandangos em Espanha. A montante, diversos no Brasil. - Que o Fandango não é, como se poderia julgar, uma dança em que o canto esteja, necessariamente, ausente! À semelhança do que era comum nos teatros lisboetas de setecentos, muitas versões eram, normalmente, cantadas. Não só no Ribatejo (onde, embora não dominantes, surgem, ainda, algumas versões cantadas) mas, tanto quanto se sabe ainda, na Estremadura e nas Beiras, e igualmente, como modelo usual, em terras minhotas. Também no Brasil e em Espanha tal situação era frequente. - Que o Fandango no Ribatejo não era só dançado por homens, mas indiferenciadamente por homens e/ou mulheres. Isto tanto no Bairro onde (embora relutantemente) se foi há mais tempo aceitando, como na Charneca ou na Lezíria. Como acontecia no Vale de Santarém, em Torres Novas, nos Riachos, no Pego e nas Mouriscas de Abrantes, no Cartaxo, na Glória do Ribatejo, em Benavente, na Golegã, na Moita, em Alcanhões, etc,... - Finalmente, que o Fandango não era, como hoje se julga e representa, uma dança de movimentos rígidos, invariáveis, quase hieráticos. Mas, pelo contrário, uma dança cujas variações se expressavam, essencialmente, a nível coreográfico. Coreografias feitas de passes criativos e personalizados, imagem de marca de cada fandanguista e dependentes, em última instância, da criatividade, dinâmica e resistência física daqueles. Se isto ficar consagrado (e independentemente das vantagens promocionais envolvidas) terá, com certeza, valido a pena. Se não, se contribuir para cristalizar tais equívocos (perpetuando uma memória errónea e falaciosa das nossas raízes culturais), então, mais valia estarem quietos!