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sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

O Fandango e a Unesco

A Entidade Regional de Turismo do Alentejo e (parte do) Ribatejo revelou, há algum tempo, no Cartaxo, a propósito da Candidatura do “Montado de sobro” a Património da Humanidade que, o “Fandango”, viria a ser, igualmente, candidato a esse estatuto. Passados quase três anos de suposto esquecimento, o mesmo dá agora, novamente, mostras de reanimação. Resta saber como é que o Fandango vai preencher o requisito que a UNESCO exige: o de se tratar, obrigatoriamente, de um padrão cultural vivo. Requisito que, como se sabe, o Fandango deixou de cumprir há largas décadas. Bem largas, por sinal! Portanto, para vender o mesmo como uma tradição vida e atuante (e não como a representação etnográfica que os diversos grupos, ditos folclóricos, veiculam) obriga, necessariamente, à realização de ações supostamente espontâneas mas que, de espontâneas, só poderão, mesmo, ter o nome. Contudo, confesso que não me repugna assim tanto a utilização de tais subterfúgios mesmo que, naturalmente, me recuse a tomar parte em algo que, mesmo que bem intencionado (admitamos), constitui, sempre, uma fraude. Afinal, estamos num país em que a moral é cada vez menos um imperativo de orientação e, mais, um irritante obstáculo a tornear. E não é a primeira vez (mesmo em Portugal) que tal acontece (veja-se o exemplo do “Cante alentejano”) e, calculo, não seja a última. Tendo ainda em conta que, tal reconhecimento, mesmo que obtido por métodos tortuosos, arrasta sempre um potencial promocional não desprezível. Mas, ao menos, que se aproveite para estudar o Fandango de forma a ultrapassar os variados equívocos que o impregnam, que hoje estão identificados e analisados mas continuam, em muitos casos, a plasmar as representações (ditas folclóricas) realizadas nesta Região. - Por exemplo, que o Fandango não é uma dança; mas sim um tipo de danças! Como acontece com qualquer dança ribatejana, ou não, proliferam as variantes de fandangos por todo o Ribatejo,.. por todo o país! - Que à semelhança de outras danças, igualmente vistas como regionais, o Fandango não é uma dança estritamente ribatejana! Como os “viras” não são só minhotos, os “corridinhos” não são só algarvios, os “bailaricos” não são só saloios, as "saias" não são só norte-alentejanas! Existem fandangos em diversas regiões, principalmente na Estremadura e no Minho, mas ainda nas Beiras e até no Alentejo e nos Açores. Existem, a jusante, inúmeros fandangos em Espanha. A montante, diversos no Brasil. - Que o Fandango não é, como se poderia julgar, uma dança em que o canto esteja, necessariamente, ausente! À semelhança do que era comum nos teatros lisboetas de setecentos, muitas versões eram, normalmente, cantadas. Não só no Ribatejo (onde, embora não dominantes, surgem, ainda, algumas versões cantadas) mas, tanto quanto se sabe ainda, na Estremadura e nas Beiras, e igualmente, como modelo usual, em terras minhotas. Também no Brasil e em Espanha tal situação era frequente. - Que o Fandango no Ribatejo não era só dançado por homens, mas indiferenciadamente por homens e/ou mulheres. Isto tanto no Bairro onde (embora relutantemente) se foi há mais tempo aceitando, como na Charneca ou na Lezíria. Como acontecia no Vale de Santarém, em Torres Novas, nos Riachos, no Pego e nas Mouriscas de Abrantes, no Cartaxo, na Glória do Ribatejo, em Benavente, na Golegã, na Moita, em Alcanhões, etc,... - Finalmente, que o Fandango não era, como hoje se julga e representa, uma dança de movimentos rígidos, invariáveis, quase hieráticos. Mas, pelo contrário, uma dança cujas variações se expressavam, essencialmente, a nível coreográfico. Coreografias feitas de passes criativos e personalizados, imagem de marca de cada fandanguista e dependentes, em última instância, da criatividade, dinâmica e resistência física daqueles. Se isto ficar consagrado (e independentemente das vantagens promocionais envolvidas) terá, com certeza, valido a pena. Se não, se contribuir para cristalizar tais equívocos (perpetuando uma memória errónea e falaciosa das nossas raízes culturais), então, mais valia estarem quietos!

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