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Espaço de comunicação que se espera interactivo, este é um instrumento que permite estar próximo de amigos,presentes e futuros, cujas contingências da vida tornam distantes mas nem por isso menos merecedores de estimas e afectos.


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sábado, 15 de outubro de 2016

Milagres em Saldo



A impressão imediata que o fenómeno das novas seitas religiosas nos transmite, é que o campo teológico, durante séculos monopolizado pela Igreja está, desde algum tempo, sujeito a um regime de concorrência que, embora possa chocar piedosas consciências não pode, na verdade, ser ignorado.
A dinâmica das, assim denominadas, "novas seitas" é um factor que tanto a Igreja Católica como até algumas igrejas reformistas  instaladas entre nós, fariam bem em não menosprezar e perspectivar até (porque não) a sua vinda como um desafio. Algo que, eventualmente, pudessem capitalizar a seu favor como um estímulo susceptível de revitalizar as suas comunidades de base (e de topo) hoje em dia mais ou menos amorfas e acomodadas.
É esta uma problematica que, de vez em quando, parece cair no esquecimento público, para irromper depois, bruscamente, quando mediática ou directamente nos entra, literalmente, pela porta dentro.
Noutras vezes cruzamo-nos, na rua, com manifestações desse tipo. Por exemplo, quando aproximando-nos do carro deparamos, preso ao vidro, não com mais uma famigerada multa de estacionamento, mas com um simpático folheto convidando todos os interessados para uma grandiosa ”Campanha de Curas Divinas e Milagres”, marcada para um determinado dia, entre as 12 horas e as 17 horas, no Teatro Municipal de um determinado burgo.
A primeira coisa que me chamou a atenção foi a duração do acontecimento: convenhamos que, nos tempos que correm, cinco horas de “curas divinas e milagres”, é obra!!
Mas o que me intrigou, sobremaneira, foram as referências a “curas divinas e milagres” como se de algo diferente se tratasse. E eu a pensar que as “curas divinas” eram “milagres”!
Mas, modéstia à parte, depressa me apercebi da subtileza que o marketing publicitário (ditado, provavelmente, por inspiração divina), aqui envolvia: na verdade as curas divinas são milagres, mas os milagres não são, necessariamente, curas divinas!
É, afinal,  uma mera questão de âmbito: é que a “cura divina” envolve apenas a área específica da saúde, enquanto os milagres podem incluir aspectos tão díspares como ganhar no Totoloto, fazer regressar ao seio familiar o “galo de raça” do marido, ficar apurado para a Casa dos Segredos ou até ser eleito presidente da Sociedade Recreativa local!
Fácil, não é?! A não ser, é claro, que tudo aquilo não passe de uma questão de semântica. Nesse caso as “curas divinas” constituiriam intervenções da própria divindade. Existiriam, então “curas divinas” e “curas não divinas”, estas últimas que poderíamos denominar de.... digamos,.... curas de inspiração divina!
Todas elas, obviamente, constituiriam do ponto de vista técnico, milagres. Só que uns, directos e genuínos, à boa maneira antiga. Os outros, indirectos, por delegação, e sujeitos com certeza ao necessário “despacho superior”.
É claro que tal hipótese acarreta um problema complementar: se as tais “curas divinas” são na verdade prodígios executados sem intermediários, directamente da divindade para o paciente, então isso exige a presença, mesmo que em espírito, da referida divindade. Ora com o crescente proliferar de milagres (sob a forma de “campanhas” ou não), que a concorrência cultual exige, será que existe divindade que chegue para tanto?
Bem sei que Deus está em toda a parte, mas também,...não exageremos!
Aliás, se pensarmos um pouco, (esta coisa de pensar é, decididamente, um mau hábito) a mesma acarreta, ainda, um outro problema. É que sendo esta uma iniciativa com local e hora marcada, como é que a organização pode garantir a disponibilidade divina para essa hora e local em particular!? Será que existe um qualquer acordo prévio com a mesma? Será que a escolha do tempo e do espaço foi ela própria de inspiração divina?
Agora, do que eu gostei mesmo, foi da expressão “entrada livre”!
Vivemos numa sociedade em que tudo se paga, desde a água que se bebe ao direito a execretá-la! Em que se paga para trabalhar, se paga por trabalhar e até se paga por não trabalhar! Em que grande parte da massa cinzenta se dedica a idealizar necessidades sociais que, acto contínuo, se tornam hábito e exigem um acrescer de encargos económicos, daí advindo recursos vários para o mundo empresarial, que vão depois financiar novas ideias, novas necessidades, num perpétuo ciclo vicioso.
E dizer que nesta mesma sociedade os “milagres” são ainda grátis! É de facto uma completa subversão da lógica consumista! É algo que conforta os corações e aquieta as consciências!
Até porque o referido folheto/convite vêm ilustrado com uma foto de um simpático “bispo”, pelos vistos a estrela da companhia. Um rapaz novo, de olhar sereno, transmitindo confiança a rodos e proporcionando, com certeza, à mais ingénua donzela ou respeitável senhora, o poder entregar-se confiantemente nas suas mãos! Nas suas não, nas de Deus!
Confesso que apesar de tudo fui ainda percorrido pela dúvida (ah, a dúvida!) de que tudo se tratasse de um equívoco e que apenas as entradas fossem grátis. De facto, em rigor, não é dito em lado nenhum que os milagres são grátis. Ou será que uma entrada dá direito a um milagre de bónus, cogitei?!
Mas, mesmo que o não seja, é certo e sabido que o preço será baixo, reflecti! Uma pechincha, com certeza, ou não estivéssemos em época de “campanha”!
É um facto que o dito papelinho não vem assinado. O que levanta, uma vez mais, algumas interrogações. Será que a organização da dita “campanha” é composta, exclusivamente, pelo dito “bispo”? Será que a sua relação com o divino é assim uma espécie de “face to face”?! Constituirá o mesmo como que um “free lance” do sobrenatural?!
Será uma organização clandestina, procurando fugir às impiedosas perseguições eclesiásticas? Será uma sociedade secreta; uma espécie de Rosa-Cruz em versão yuppie?
Ou, pelo contrário, a não revelação da entidade organizadora constitui pura e simplesmente uma genuína demonstração de modéstia que a nossa deturpada e materialista consciência contemporânea não deixa perceber?
São interrogações que ficam, num tempo que passa. Que, acredito, atormentam muitos espíritos de que constituo, aqui e agora, apenas o catalisador da sua compreensível ansiedade. À espera de novos dados que as clarifiquem ou, em alternativa, de um lampejo de inspiração divina que, num ápice, lance finalmente a luz da verdade sobre toda esta enigmática e complexa problemática.
É certo que muitas destas questões teriam sido facilmente esclarecidas com a simples presença na solicitada sessão no dia e hora requeridos. 
Confesso que estive tentado a participar. Uma “cura divina” é algo que dá sempre jeito e uns milagritos mesmo que modestos (nesta situação de crise) vinham mesmo a calhar.
Mas, pensando melhor, conclui que perderia assim o móbil perfeito e a oportunidade única para estas sublimes reflexões filosóficas que convosco aqui partilho; milagre de discernimento e composição literária só comparável, afinal, à “campanha de milagres” que lhe serve de  inspiração!

Emoções e… manipulações



De vez em quando surgem, entre nós, causas sociais, vendidas como desígnios éticos e morais pelas agências internacionais de informação, geradoras de mobilizações de vontades quantas vezes sinceras, mas ingénuas.
É, de alguma forma, o que acontece hoje com a, assim denominada, “crise migratória”.
Aliás, a própria terminologia adotada é, desde logo, sintomática: pretendendo resumir a crise aos processos migratórios que a guerra ocasionou e desde logo, esquecer a natureza da mesma, bem como as condições que a geraram e deram origem à presente deslocalização das populações.
Porque fogem? De quem fogem?                         
Quem criou as condições que fomentaram a dita e proporcionou o aparecimento do Estado Islâmico: paraíso na terra de todos os radicalismos?
Brincando aos polícias do mundo, o Ocidente vende-nos tais conflitos como combates entre o mal e o bem.
O problema é que numa situação como a atual, em que as alianças mudam ao ritmo das alterações no terreno, inimigos de ontem, como o Governo de Assad, “radical” quando combatia as forças sírias pró-ocidentais, é hoje visto como aliado dito “governamental”, pois combate o Estado Islâmico em que muitas dessas forças (e as suas congéneres iraquianas) se transformaram. As tribos sírias que combatiam Assad e eram apodados de “rebeldes” e “guerrilheiros” são, hoje, em grande parte, “radicais islâmicos”. Os Curdos, são “guerrilheiros” quando combatem o dito E.I. e “radicais” quando combatem a Turquia; seu inimigo intemporal.
Seja como for, com a consciência algo pesada, as nações europeias vêm-se agora a braços com cenários  que, tradicionalmente, se verificavam longe das suas fronteiras. Que afetavam outras nações, suficientemente distantes para não constituírem problema nosso.
Mesmo que envolvendo situações abomináveis de miséria e repressão. E fosse qual fosse a nossa responsabilidade na matéria.
Agora calha-nos a nós.
A nós! O Éden, afinal, para grande maioria dos “países pobres do mundo”.
Que fugidos, neste caso, do inferno de crueldade e intolerância (que são afinal todas as guerras), estão dispostos a tudo e mais alguma coisa para aproveitar a conjuntura. De forma a serem aceites na Europa.
Até porque os países que atravessam não estão (naturalmente) interessados na sua permanência, nem em ver-se a braços com dezenas de milhares de refugiados em campos de refugiados nas suas zonas fronteiriças.
Conjugam-se, assim, os interesses que fazem desaguar fluxos cada vez maiores de refugiados muçulmanos no interior da Europa.
Corporizando, deste modo, mais um drama migratório, a juntar ao já nosso conhecido que, oriundo do norte de Africa, demanda, igualmente, a Europa.  
Populações, estas últimas, se possível, ainda mais pobres e mais abandonadas. Entregues a indivíduos sem escrúpulos, gastando os últimos tostões em superlotadas e deploráveis embarcações sem quaisquer condições de navegalidade.
Originando recorrentes tragédias em que centenas de pessoas (incluindo mulheres e crianças) perdem a vida nas águas do Mediterrâneo. Arriscando tudo em contentores selados; gerando mortes horríveis como aquelas que, recentemente, vieram a lume.
Ponta de icebergue de uma situação africana mais grave ainda: feita de guerras intermináveis e genocídios abomináveis. De limpezas étnicas, misérias e fomes.
Há longas dezenas de anos.
Mas que as agências noticiosas, pouco noticiam. A não ser, conjunturalmente, face a inolvidáveis episódios dramáticos acontecidos, já, próximo de nós.
Afinal, a morte de centenas de pessoas (todos os dias) no interior da África, de fome e subnutrição (quando não de epidemias ou genocídio organizado), não é infelizmente notícia, neste mundo!
Que fazer, então, com estes crónicos refugiados, fugidos da perseguição e tortura que, não tendo nada a perder, arriscam tudo (inclusive a própria vida e a dos seus) para chegar ao Hemisfério Norte.
Quem se preocupa com eles? Quem cria causas em seu favor?
Esquecemo-los, simplesmente (como vimos fazendo) apenas porque não fazem parte de causas badaladas?
Ou relativizamo-los por estarem, para já, mais longe de nós?
Ou por, em relação a eles, entendermos a nossa culpa como mais difusa e indireta?
Ou, já agora, por serem africanos?
Calculo que, por qualquer coisa, como uma perversa simbiose de tudo isto!

A evidência do ser




Sabe-se como muitos estudos sociais (nomeadamente os devidamente encomendados pelas instituições interessadas) constituem meros validadores e consagradores de evidências ou eventuais quantificadores das mesmas.
Está, neste caso, um estudo recente, noticiado pela Agência Lusa, e encomendado pela Presidência da República, que chegou à brilhante conclusão que cinquenta e sete dos jovens portugueses entre os 15 e o 24 anos “não demonstram qualquer interesse pela política”.
Não temos acesso aos resultados completos do mesmo, mas basta este item para vincar bem o conhecido desinteresse dos mais jovens (e, em grande parte, dos menos jovens) por uma atividade que, afinal, congrega a governação e deste modo tem condicionado o nosso passado e continuará a condicionar o nosso presente e futuro.
Porquê, então, os tais jovens não sentem ponta de interesse pela atividade politica?
Poder-se-ia dizer que se trata de um reflexo da imagem negativa dos políticos portugueses.
E não deixaria de ser verdade.
Mas esta verdade é afinal mais ampla.
Porque a política é vista, grosso modo, como a ação dos partidos.
Os partidos de poder, vistos como meros mecanismos de carreira. Oportunidade para competentes e incompetentes (mais, estes, que aqueles) tratarem do seu futuro.
Os da oposição, pequenos e utópicos, vistos como inconsequentes e ilusórios desperdícios de tempos e vontades.
Deste modo, se os jovens (por opção ou inadequação ao carreirismo politico) não são daqueles que buscam nos partidos de poder a sua cota parte de participação no dirigismo público político e empresarial e, ao mesmo tempo, não desejam embarcar em aventuras (que mesmo que defendendo causas, constituem atividades muita vezes estigmatizadas, não remuneradas e feitas de um inexorável percurso de derrotas), porque se hão-de, então, interessar pela política.
Não é com certeza pelo apelo à causa pública, em que já ninguém acredita e cujo enxovalho é quotidianamente noticiado em escândalos de corrupção e atitudes de indiferença pela pobreza e miséria que grassa no nosso país.
Cujos responsáveis são cada vez mais paus mandados de poderes políticos e financeiros externos.
Poderes tão cínicos como eles mas (se possível for) mais afastados ainda de uma eventual solidariedade com as condições de vida e os interesses do povo português.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Má sorte ter nascido




Basta olharmos para o nosso país numa perspetiva um pouco crítica (o que é, convenhamos, pouco frequente neste país de analfabetos funcionais) para parecer, às vezes (muitas vezes, diga-se de passagem) que vivemos, literalmente, num país de doidos!
Ou, se quisermos, de deficientes mentais, em fase de negação.
País em que, por exemplo, os primeiros-ministros se esquecem de pagar impostos.
E ministros e primeiros-ministros ganham licenciaturas na Farinha Amparo.
Em que os processos judiciais, por mais importantes que sejam, prescrevem, irremediavelmente, sem culpa formada
Onde empresas sólidas vão à falência, em pouco meses, sem ninguém ser responsável.
Em que modernos estádios de futebol (construídos, também, às nossas custas), não servem, hoje, sequer de galinheiros.
Em que o território se encontra retalhado por autoestradas que se cruzam e entrecruzam; numa teia viária em grande parte deserta.
Em que ninguém se apercebe do potencial turístico do património paisagístico, mas se aperceberam, rapidamente, do potencial fiscal.
Em que os corruptos obtém, quase sempre, folgadas vitórias eleitorais.
Em que, afinal, a corrupção é uma virtude e o egocentrismo uma qualidade.
E a boa educação e respeito pelos outros; sintomas, inequívocos, de insegurança.
Em que as leis não são para cumprir mas para potenciar as condições de coima.
Em que um selecionador de futebol tem de andar a “pedir por amor de Deus” para conseguir o mínimo de atletas para competir nos Jogos Olímpicos.
E, em contrapartida, damos o nome de um jogador (ainda por cima de caráter pouco exemplar) a um aeroporto internacional.
Um país em que oferecer prendas a um filho carece de comunicação às Finanças.
E comprar uma pastilha elástica de cinco cêntimos exige o preenchimento de uma fatura.
E neste hospício, à beira-mar plantado, parece assim (para nosso mais completo azar) que a única coisa que é eficaz, é o fisco.
Somos os melhores a cobrar cada vez mais impostos, a quem tem cada vez menos.
O desígnio sublime alcançar-se-á quando atingirmos, afinal, a eficácia absoluta: conseguirmos cobrar tudo a que já não tem nada!