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quinta-feira, 19 de julho de 2018

O Ano do Centenário

Terminou o Ano do Centenário. Com Papa e sem Papa, sucederam-se diversas iniciativas (cerimoniais ou não), bem como emergiu toda uma peculiar torrente editorial, aproveitando, afinal, a boleia do momento. A grande maioria de um de dois tipos: os apologéticos e confessionais: envolvendo, às vezes, a apreciação histórica e a contribuição papal e os pseudo memoriais; recolhendo testemunhos de personagens mais ou menos relevantes da sociedade portuguesa; estratégia, afinal, sempre eficaz. Congressos, simpósios e produções audiovisuais, ensaiaram supostos contraditórios. Suficientes, para relevar diferenças. Insuficientes, para constituírem opção conclusiva. Estudos, percecionando os factos nucleares disponíveis e conhecidos enquanto meros dados de pesquisa, contam-se pelos dedos de uma mão. E,… ainda sobram dedos! Mesmo assim constituíram uma singularidade mais ou menos insólita. Dir-se-á, portanto que, também por isto, alguns factos se vão tornando menos interditos. Algumas análises, menos constrangidas. Algumas conclusões, menos estigmatizadas. Sintetizemos então, à guisa de reflexão, os traços básicos de uma fatimologia atual que, apesar de tudo, vai adquirindo traços mais claros; enquanto dicotomia mais ou menos interativa entre o objetivo facto científico e o subjetivo dado de fé. - Aparições como a de Fátima constituem fenómenos bem mais frequentes do que é suposto à primeira vista. - Afinal, em alturas particularmente difíceis, as súplicas tornam-se especialmente fervorosas e as relações entre Deus e os Homens tendem a assumir um carácter direto e imediato. - Estabelece-se, assim, um atalho na relação com a esfera do Divino. E a intermediação clerical torna-se dispensável. – No caso de Fátima, a conflitualidade entre o Governo da República e a Igreja foi o principal fator que despoletou os fenómenos. - Assente, este, em propícias condições socioculturais e na existência de potenciais videntes; possuidores de marcantes propensões alucinatórias. - Videntes que participam, sempre, de especiais idiossincrasias. Sentem-se como “escolhidos” por Deus; seus “mensageiros na Terra”. - São muitas vezes pessoas simples, de formação cultural baixa, emotivos e impressionáveis, levando uma existência dura e boçal, quantas vezes sofrida, sem perspectivas de melhoria. - Para eles o mundo é palco de uma luta entre o bem e o mal. Luta perpétua, em que o mal confere, de alguma forma, sentido ao bem e um importante desígnio ao respetivo sofrimento. - A aparição proporciona-lhes uma importante rutura com o quotidiano. Que os resgata à banalidade prosaica da sua existência e confere uma razão de ser à mesma. Tornam-se a mão direita de Deus. Representantes, na Terra, dos interesses do Céu. - São quase sempre sinceros e convictos da “sua” verdade (por mais delirante que seja) e mesmo que os faça sofrer. Quando, não, buscando mesmo o soteriológico sofrimento. - A inclusão de confidências e “segredos” transforma-os em confidentes da divindade. - Neste caso, só Lúcia é vidente e confidente. As aparições são ela! – À semelhança de La Salette e Lurdes, no princípio Fátima constitui um acontecimento meramente popular e local. - As conversas, extremamente prosaicas (próprias da idade de Lúcia), são meramente locais; a preocupação com a Guerra, as mortes e as doenças de vizinhos e conhecidos. - Afinal, trata-se de crianças; em que o real e o simbólico de uma teologia necessariamente prosaica, se confundem em inconsciente simbiose. - Fátima partilha, aliás, de um modelo usual à época: crianças, pastoras, local ermo, dureza de vida, acidente geofísico, construção de um templo, milagre probatório: nascente milagrosa, prodígio do sol, curas sobrenaturais. - Entre diversos outros temas, nem o “Anjo”, nem o “Imaculado Coração de Maria”, nem as referências à Rússia, nem sequer os famosos “Três Segredos”, constam dos testemunhos primevos. - O usual, nestes fenómenos é a rejeição por parte da Igreja. Pois, os mesmos, dispensam e menorizam o papel de intermediários dos sacerdotes. - Na verdade, aceitar que Deus resolve atalhar a sua comunicação com os Homens escolhendo, para tal, uma criança ou um personagem banal (quantas vezes simplório), não é fácil. - Daí, também, a desconfiança do Pároco de Fátima. E do Cardeal Mendes Belo. Percebe-se, contudo, desde o início, uma atitude de abertura/apoio de alguns clérigos (como o Cônego Formigão) de especial influência na Região. - Entre 1917 e 1920/1 o processo mantêm-se como que em suspenso; esperando-se tempos mais favoráveis. A partir daí, tudo começa a mudar. - A morte de dois dos videntes e a colocação, na recriada Diocese de Leiria, de um bispo especialmente devoto do marianismo, criam as condições determinantes que levarão à implementação do Santuário. - Tal como aconteceu com Lúcia, a colocação dos videntes a recato é, nestes casos, condição necessária ao gradual reconhecimento. - As configurações das entidades manifestadas neste tipo de fenómenos são modeladas pelas particularidades etno-culturais em presença. Refletem os modelos estereotipados que imagens e gravuras iconográficas apresentam em templos ou publicações mais ou menos catecúmenas. – Também as linguagens e preocupações demonstradas pela “Senhora” são, naturalmente, aquelas que uma criança daquele tempo, daquela idade e daquele lugar, poderia conceber. - Podemos dizer que os testemunhos primevos, são aqui especialmente prosaicos, breves, frios e de uma confrangedora falta de assunto. Tudo se resume “à Guerra” e ao desagravo pelos “pecados do mundo”. – As profecias sagradas são, quase sempre, contingentes, eventuais ou controladas pelo profeta. Ou, até, constituindo revelações posteriores ao acontecimento. O que não aconteceu, de todo, em Fátima, com a profecia, falhada, do “fim da guerra”. – Os fenómenos de rotação solar são parte integrante da nossa tradição popular. Acreditando-se, por exemplo, que ocorrem ciclicamente em alturas especiais do ano; como as alvoradas do dia de São João, de Natal ou do 1º de Maio. - São condição de especificidades atmosféricas que, pela sua singularidade (vista como prodigiosa) e pelo frenético misticismo em presença surge, quase sempre, associadas a estes fenómenos. - Após década e meia de completo isolamento Lúcia, em 1936, estava convencida que Fátima tinha acabado. – Contudo, passado que foi o tempo de criação material do santuário, estavam criadas as condições para a necessária adequação e elaboração dos testemunhos a que alguns chamaram Fátima II. - Deste modo logo, a mesma, se tornará alvo de sucessivos pedidos; solicitando-lhe novas versões dos testemunhos, bem como reconversões dos respetivos contextos sociais e familiares. – As “Memórias de Lúcia” constituirão, assim, um processo dirigido e controlado de adequação (reformulação, adição e, aqui e ali, omissão) dos testemunhos primevos. Transformando textos prosaicos e simplórios, em extensos e eruditos escritos doutrinários - Criar-se-ão os famosos “Segredos”, as referências ao Imaculado Coração de Maria e Sagrado Coração de Jesus e uma singular multiplicação dos fenómenos de vidência pré e, principalmente, pós 1917. - O nacionalismo que o culto desenvolveu no santuário, há-de promover e catalisar o, algo surreal, “Anjo de Portugal”. – Fátima tornar-se-á, entretanto, um santuário institucional controlado, em que o lúdico/subversivo popular (tão comum às romarias portuguesas) foi combatido desde muito cedo – Transformar-se-á, gradualmente no, hoje tão badalado, grande “altar do mundo”. Dando corpo à consagração do domínio do marianismo na Igreja. - Tornando-se importante fenómeno global; tanto social, como económico e turístico. - Afinal os santos, tal como os deuses, precisam tanto de nós como nós deles. A sua importância, é resultado, direto e proporcional, das respetivas devoções. – Fátima é, assim, o aproveitamento (em condições propícias) de um fenómeno hierofânico várias vezes verificado e repetido em diversos tempos, com diversas configurações e em diversificados cenários estruturais e conjunturais Esclareça-se, finalmente, que ao contrário do que alguns sustentam, não são conhecidos dados minimamente sustentáveis que indiciem a existência de uma potencial fraude: entenda-se algo construído, desde o início, com o propósito prévio e consciente de enganar. A

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