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quinta-feira, 19 de julho de 2018

O Solstício de Verão

Numa perspectiva hierofânica que sobrevivências simbólicas e vestígios cultuais permitem ainda perceber nos nossos dias, poder-se-á dizer que o Sol tem sido, na tradição mediterrânea, identificado com ao princípio masculino e com a simbologia do pai e patriarca. Dele emana o poder fecundante, bem como um princípio da autoridade a este intimamente ligado. Mas o Sol é uma potência multifacetada; de diversificadas valências que muitas vezes surgem, até, como ambivalentes. Fecundador da terra, logo símbolo da fertilidade e potência viril. Divindade da luz, logo dador de conhecimento. Caminhante diurno e incansável, deus da beleza, facultador da harmonia e senhor do fogo. É ele que cíclica e quotidianamente imerge no mundo subterrâneo; logo é visitante assíduo do “inferno”, tornando-se assim guia dos mortos! Austero na sua impassibilidade, terrível na sua flamejante energia, os seus vestígios cultuais encontram-se hoje, especialmente, associados às tradições festivas do Natal e dos Santos Populares que herdaram a temporalidade cósmica dos solstícios. É aí, em manifestações de origem pré-cristã como as “fogueiras” ou os “lumes novos”, o “cepo de natal” ou a “missa do galo”, que se perpetuam os símbolos arcaicos das antigas teofanias solares! Aliás, o canto do galo marca, à meia-noite, a inflexão solar própria destes tempos. Assinala em apoteose o fim do período das trevas e da dominância das criaturas do caos e anuncia a luz que a alvorada há-de trazer! E ai! Se o galo canta Que á fatal hora, encantos quebrou E o poder lhes acaba! Pois estas são as épocas anuais em que o Sol atinge o seu clímax de vitalidade ou, pelo contrário, o seu estádio mais baixo de entrópica degeneração. Marcam, assim, tempos críticos de inversão de tendências que ameaçam perpetuar-se. Tempos do fim e do princípio do domínio solar; do tempo que o mesmo consubstancia e das coisas a que dá existência. Apoteose da vida Por isso, na noite dita de São João o prodígio, acredita-se, envolve tudo e todos. O maravilhoso domina. O impossível acontece. É este um tempo divinatório em que, por todo o país, se “deitavam as sortes”; seculares fórmulas adivinhatórias respeitantes ao amor e ao casamento, bem como proliferavam as crenças e práticas difusoras e propiciatórias respeitantes à fertilidade humana e da natureza. São as alcachofras, a erva-pinheira e o manjerico mas, igualmente, as “sortes do bochecho”, do “chumbo derretido” ou da “gema de ovo”! Saltar às fogueiras fomenta nesta altura a fertilidade, acredita-se por toda a Europa. Defumar as casas, purifica e esconjura dos malefícios e “coisas ruins”. Num tempo, afinal, em que por todo o lado proliferavam práticas diversas, tendentes a fertilizar pessoas, campos e animais. Comemora-se aí, deste modo, o apogeu criativo de uma natureza grávida de vida. O comportamento do astro-rei impregna aqui, o lendário popular, de um paradigma de prodígio cósmico e senciente! Sob o seu signo emergem, neste tempo, hierofanias diversas que o imaginário popular perpetua. Acreditava-se, por exemplo, em muitas zonas do país, que o Sol, ao nascer, “dava três voltas” ou “vinha a dançar”. Um pouco por todo o norte da Europa são erguidos mastros nos campos. Em seu redor dança-se, canta-se e bebe-se, durante toda a noite. Os mais jovens desencadeiam perseguições amorosas. Assim se aguarda, em orgiástica alegria, pelo nascer do dia! Também no nosso país as fogueiras dos Santos Populares constituem iniciativas comunitárias, festivas e sedutoras. Festas em que os jovens desempenham o papel dominante, também aqui se queimava ritualmente (normalmente à meia-noite), uma estaca ou uma árvore a que se chamava “mastro”, “carvalho” ou “pinheiro de São João”. Queimava-se, muitas vezes ainda, uma figura antropomorfa, feita de roupas velhas e trapos e recheada de palha. Onde se colocavam, quase sempre, bombas. Ora a noite de São João emerge destes tempos como a misteriosa “noite dos amores”; estimuladora de comportamentos sedutores e sensuais que as diligentes restrições cristãs de séculos não conseguiram, totalmente, erradicar. Por isso as divindades aqui festejadas (São João, Santo António e São Pedro) são vistas, popularmente, como “casamenteiras”. Repletas de um caráter lúbrico e sedutor que impregna todo este tempo. No caso de São João e Santo António, encarados como autênticos “rabos de saia”. Verifica-se, aliás, uma singular homogeneidade nos complexos simbólicos que persistiram através de séculos de particular intolerância. Por toda a Europa este é ainda um tempo sagrado em que o orvalho é “benfazejo” e o “benfazejo” sinónimo de virtuoso! As ervas têm virtude, a água purifica e renova, o fogo fertiliza! Fogos, fumos, orvalhos, ervas, flores e águas, bebendo do sagrado primordial, ligam-se a práticas propiciatórias diversas. Danças e cantos, interligam-se com corridas equestres e “cavalhadas” em que o cavalo assume uma função simbólica dominante. Atitudes de subversão emergem em profusão; próprias de um tempo de rotura com um quotidiano, obrigatoriamente, habitual e disciplinado. Pois este é o “tempo entre os tempos”, onde impera a desordem e a licenciosidade. E neste complexo simbólico São João irá ser identificado com a hierofania pagã da manifestação solar. Pois se Jesus, “o Novo Sol”, é feito nascer a 24 de Dezembro (numa estratégia apropriadora do Natal de Mitra) João, o Batista, é colocado seis meses antes; de acordo com a temporalidade solsticial. É por isso que o Santo é visto muitas vezes como representando o astro diurno. É o precursor. A grande luz! Enfim, outras maneiras de entender o Mundo. Com uma natureza inevitavelmente sagrada e, um cosmos desejavelmente inteligível, inevitavelmente, relacionadas.

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