*********************************************************************************************************************************************************************
Espaço de comunicação que se espera interactivo, este é um instrumento que permite estar próximo de amigos,presentes e futuros, cujas contingências da vida tornam distantes mas nem por isso menos merecedores de estimas e afectos.
Espaço de comunicação que se espera interactivo, este é um instrumento que permite estar próximo de amigos,presentes e futuros, cujas contingências da vida tornam distantes mas nem por isso menos merecedores de estimas e afectos.
**********************************************************************************************************************************************************************
quarta-feira, 26 de junho de 2019
Os Profºs
Dizia, há alguns anos atrás, o conhecido antropólogo e historiador espanhol Júlio Caro Baroja, numa entrevista ao Jornal Le Monde; “o paranormal [pelo menos o mais VIP e badalado], a ovnilogia e a queda de extraterrestres, não passam [dos mitos] das velhas bruxas encobertos por uma linguagem pretensamente científica”.
O mesmo se pode dizer, convenhamos, da astrologia, em termos do reconhecimento social e promoção mediática, bem como dos inúmeros médiuns (profs, assim chamados) de configuração exótica e múltiplas e pretensas capacidades, abarcando todas e mais algumas áreas da magia, feitiçaria, mediunidade, curandeirismo, astrologia e quejandos.
Com denominações (Profº Anu, Profº Toga, Profº Sábá, etc.,…) que remetem para culturas estranhas e distantes (quase sempre africanas) e reivindicam ignotos conhecimentos, daí oriundos e obtidos, depreende-se, em processos iniciáticos herméticos e misteriosos.
Tratam tudo!
Enganos e desenganos, amorosos ou não. Negócios e falências; milagrosamente revertidas. Doenças de todo o foro e mais algum; físicas ou metafisicas. Apegos e desapegos. Amarrações e adivinhações diversas.
Casamentos e descasamentos, se for caso disso.
A simples sorte ou o esconjuro do azar. Fidelidades e infidelidades. Fertilidades e infertilidades. Felicidade e enriquecimento; como condições plenas e absolutas.
São os novos magos! Substitutos dos “curandeiros” (ou mais precisamente “curandeiras”) de antigamente; tradicionais e populares.
Incorporando e reivindicando, agora, todas e mais algumas competências.
Afinal, uma espécie de tudo em um!
Próprios de uma sociedade abrangente e global.
Mas, nem por isso, menos crédula.
terça-feira, 25 de junho de 2019
O Fandango e a UNESCO
A Entidade Regional de Turismo do Alentejo e (parte do) Ribatejo revelou, há algum tempo, no Cartaxo, a propósito da Candidatura do “Montado de sobro” a Património da Humanidade que, o “Fandango”, viria a ser, igualmente, candidato a esse estatuto.
Passados quase três anos de suposto esquecimento, o mesmo dá agora, novamente, mostras de reanimação.
Resta saber como é que o Fandango vai preencher o requisito que a UNESCO exige: o de se tratar, obrigatoriamente, de um padrão cultural vivo.
Requisito que, como se sabe, o Fandango deixou de cumprir há largas décadas. Bem largas, por sinal!
Portanto, para vender o mesmo como uma tradição vida e atuante (e não como a representação etnográfica que os diversos grupos, ditos folclóricos, veiculam) obriga, necessariamente, à realização de ações supostamente espontâneas mas que, de espontâneas, só poderão, mesmo, ter o nome.
Contudo, confesso que não me repugna assim tanto a utilização de tais subterfúgios mesmo que, naturalmente, me recuse a tomar parte em algo que, mesmo que bem intencionado (admitamos), constitui, sempre, uma fraude.
Afinal, estamos num país em que a moral é cada vez menos um imperativo de orientação e, mais, um irritante obstáculo a tornear.
E não é a primeira vez (mesmo em Portugal) que tal acontece (veja-se o exemplo do “Cante alentejano”) e, calculo, não seja a última.
Tendo ainda em conta que, tal reconhecimento, mesmo que obtido por métodos tortuosos, arrasta sempre um potencial promocional não desprezível.
Mas, ao menos, que se aproveite para estudar o Fandango de forma a ultrapassar os variados equívocos que o impregnam, que hoje estão identificados e analisados mas continuam, em muitos casos, a plasmar as representações (ditas folclóricas) realizadas nesta Região.
- Por exemplo, que o Fandango não é uma dança; mas sim um tipo de danças!
Como acontece com qualquer dança ribatejana, ou não, proliferam as variantes de fandangos por todo o Ribatejo,.. por todo o país!
- Que à semelhança de outras danças, igualmente vistas como regionais, o Fandango não é uma dança estritamente ribatejana! Como os “viras” não são só minhotos, os “corridinhos” não são só algarvios, os “bailaricos” não são só saloios, as "saias" não são só norte-alentejanas!
Existem fandangos em diversas regiões, principalmente na Estremadura e no Minho, mas ainda nas Beiras e até no Alentejo e nos Açores. Existem, a jusante, inúmeros fandangos em Espanha. A montante, diversos no Brasil.
- Que o Fandango não é, como se poderia julgar, uma dança em que o canto esteja, necessariamente, ausente!
À semelhança do que era comum nos teatros lisboetas de setecentos, muitas versões eram, normalmente, cantadas. Não só no Ribatejo (onde, embora não dominantes, surgem, ainda, algumas versões cantadas) mas, tanto quanto se sabe ainda, na Estremadura e nas Beiras, e igualmente, como modelo usual, em terras minhotas. Também no Brasil e em Espanha tal situação era frequente.
- Que o Fandango no Ribatejo não era só dançado por homens, mas indiferenciadamente por homens e/ou mulheres. Isto tanto no Bairro onde (embora relutantemente) se foi há mais tempo aceitando, como na Charneca ou na Lezíria. Como acontecia no Vale de Santarém, em Torres Novas, nos Riachos, no Pego e nas Mouriscas de Abrantes, no Cartaxo, na Glória do Ribatejo, em Benavente, na Golegã, na Moita, em Alcanhões, etc,...
- Finalmente, que o Fandango não era, como hoje se julga e representa, uma dança de movimentos rígidos, invariáveis, quase hieráticos. Mas, pelo contrário, uma dança cujas variações se expressavam, essencialmente, a nível coreográfico.
Coreografias feitas de passes criativos e personalizados, imagem de marca de cada fandanguista e dependentes, em última instância, da criatividade, dinâmica e resistência física daqueles.
Se isto ficar consagrado (e independentemente das vantagens promocionais envolvidas) terá, com certeza, valido a pena.
Se não, se contribuir para cristalizar tais equívocos (perpetuando uma memória errónea e falaciosa das nossas raízes culturais), então, mais valia estarem quietos!
Os "Coveiros" do Ribatejo . Entrevista ao C. R. em Dezembro de 2018.
- Em que consiste, o Projeto apresentado, em parceria pelo Fórum Ribatejo e a ESES, ao Orçamento Participativo Portugal 2018?
Na reunião de Benavente, em 2017, na sequência de uma reflexão sobre identidades regionais, o Fórum Ribatejo decidiu contactar a ESES no sentido de se vir a desenvolver um projeto de investigação que aferisse das condições atuais de pertença ao Ribatejo, das populações dos concelhos que, de uma forma ou de outra, são considerados como tal.
Da assunção deste desiderato pela Escola Superior de Educação de Santarém, o mesmo foi alvo de uma proposta ao OPP. Da sua aceitação decorre, agora, o processo de votação que decidirá, ou não, a sua orçamentação; logo concretização.
Suponho que não é necessário assinalar a importância do mesmo; afinal construirá a sustentação científica que poderá permitir ao Ribatejo reivindicar condições que as suas dimensões culturais enquadrem.
- Na sua opinião, existe uma identidade Ribatejana ou um conjunto de identidades? O que é, afinal, este ‘Ribatejo Cultural"?
Uma identidade é sempre composta de diversos elementos de identidade. E de complexos diferenciados em sociedades naturalmente multifacetadas.
De diversas identidades, se quisermos.
A questão está na dimensão das diversas noções de pertença e da maior ou menor adesão aos mais diversos fatores identitários. Bem como da respetiva expressão social, etária, territorial ou de género. De forma a podermos perceber se a identidade sociocultural ribatejana possui ou não (num dado momento) uma dimensão susceptível de afirmação regionalista.
Quando ao, dito, “Ribatejo Cultural” é, apenas, a componente cultural do Ribatejo. O Ribatejo, enquanto emanação cultural. Visto num contexto holístico e integrado.
- O que fazer, então, para preservar valores culturais e identidade regional?
Enquanto organizações político-administrativas, já seria bom que se apercebessem da natureza e dimensão do património cultural da Região. Talvez depois, a partir daí, fizessem alguma coisa em seu proveito.
Enquanto organizações não governamentais, como o Fórum Ribatejo, podem continuar a fazer aquilo que têm feito. Desde logo chamar a atenção para as diversas valências culturais e refletir sobre elas, tomar posição sobre os aspetos regionais candentes (nomeadamente o processo de desagregação em curso), juntar os agentes culturais da região e envolvê-los na realização de iniciativas de importância social, história, política e cultural. Em suma, ser um fórum de debate e reflexão e um catalisador de iniciativas socioculturais que envolva as pessoas e as instituições.
- Decisões político-administrativas têm vindo a tratar esta região sem reconhecer a sua integridade territorial e cultural. O Ribatejo, hoje, não se está a diluir entre a Lezíria e o Médio Tejo?
A diluir e a retalhar. Não, apenas hoje, mas há algumas décadas.
Aliás, pode dizer-se que, enquanto potencial de regionalização, o Ribatejo foi traído por aqueles que, mais obrigação tinham de o defender.
Autarcas, deputados, dirigentes regionais dos diversos partidos instalados no poder regional. Não todos, mas… grande parte deles.
Por razões de interesse pessoal e de grupo (leia-se, Partido) despedaçou-se o Ribatejo provocando, nele, uma atomização e dispersão do poder regional: num autêntico milagre de multiplicação de cargos; leia-se “tachos”.
Por razões interesseiras (entenda-se egoístas) o lobby que devia ter, afinal, a obrigação de defender o Ribatejo, vendeu-o (e vendeu-se) por, eventualmente, “trinta” “dinheiros”.
E nisso todos os partidos de poder regional tiveram culpas, em maior ou menor grau.
- Tem-se falado da criação de uma nova unidade territorial (NUT II) que restabelece a aproximação histórica do Ribatejo-Oeste. Acha que seria uma boa opção para ambos os territórios?
Não vindo, o Ribatejo, a constituir um território autónomo, a ligação com o Oeste acaba por ser, de alguma forma, lógica. Seja como for, tal opção, não deixa de constituir um mal menor. Menor,…. mas mal!
Pior ainda será, com certeza, a ligação com Lisboa que, pese embora propaladas vantagens económicas, nos transformará num mero apêndice sem réstia de poder e afirmação. Ou, já agora, com o Alentejo (como acontece, hoje, na Entidade Regional de Turismo); um perfeito desvario.
- Faz parte do Fórum Ribatejo de que foi coordenador e fundador. Em que consiste esta organização? O que motivou o seu surgimento?
O Fórum Ribatejo surgiu em 2009 com o propósito de agregar os agentes socioculturais que viam o Ribatejo, precisamente, como algo mais que um tecido a retalhar, de acordo com interesses pessoais e de grupo.
Juntar essas pessoas e esperar que daí saíssem reflexões conjuntas e eventuais e decorrentes, iniciativas. E assim tem acontecido.
- Que ações vem a Associação concretizando e que objetivos espera alcançar?
Esclareça-se que o Fórum não é uma associação. Nem pretende ser. Mas sim uma plataforma que congrega pessoas com perspetivas e objetivos semelhantes.
Com o mínimo de organização formal e o máximo de liberdade de auto-organização dos seus membros.
É um organismo de novo tipo; se quisermos. Que surge para juntar e não para dividir. Por isso todas as atividades que desenvolve são feitas em parceria com instituições da região; municípios (principalmente), órgãos de informação, museus, associações culturais, instituições de ensino, etc.,…
Tem hoje mais de quatro dezenas de membros provenientes da grande maioria dos concelhos da região. Que se auto-organizam, nas assembleias trianuais, e desenvolvem, num tempo prescrito, ações pontuais (principalmente) mas também periódicas, como os Encontros de Historiadores Locais Ribatejanos e os Encontros de Cultura Popular do Ribatejo sediados na Barquinha ou até, continuados, como a Base de Dados do Ribatejo em processo de instalação na Biblioteca Municipal de Torres Novas.
Sessões de reflexão sobre “Arte Popular e Folclore” (realizadas na Golegã e em Santarém), o Ribatejo e o Futuro (igualmente em Santarém) e Identidades Regionais (em Alcanena) ou, colóquios temáticos sobre a Ferrovia Nacional (Entroncamento), o Culto Mariano (Ourém), o “Ribatejo na 1ª Grande Guerra” (Montalvo/Constância) ou, ainda, o Ribatejo e a República, (Cartaxo); sempre, naturalmente, em parceria com os respetivos municípios.
Finalmente, para não ser exaustivo, iniciativas como o “I Encontro de Museus do Ribatejo” acontecido em Abrantes ou os espetáculos lúdico-culturais “Tejo Arriba” realizados, em cenário natural, nas margens do Tejo. Em Salvaterra de Magos (2016), Constância (2017) e Barquinha (2018): uma outra forma de mostrar o Ribatejo.
Enquanto fórum de reflexão, defensor da integridade ribatejana, impulsionador dos seus valores culturais e promotor das suas identidades, o Fórum Ribatejo tem, deste modo, constituído um elemento de interligação entre pessoas e instituições desta Região; frequentemente tão dispersas e pouco solidárias.
- Que tem, afinal, o Ribatejo para oferecer enquanto possível região autónoma ou pelo menos sub-região mas mantendo a integridade territorial?
Desde logo o ser o coração da nossa agricultura (nomeadamente intensiva) e da criação de gado principalmente de grande porte: touros, bois e cavalos.
Produções alcançando produtividades de nível internacional. Mas apresentando, igualmente, produções de ponta; como o vinho, o azeite.
O Tejo; apenas o maior rio da Península; que, em Portugal, aqui corre, essencialmente, e que deveria constituir a grande via de comunicação, cenário de desporto e espaço de lazer.
E o turismo, claro. Assente em cidades e vilas históricas que possuem algum do nosso património mais relevante referente (e não só) ao gótico e manuelino.
Na festa brava: em valências como o campino e o fandango que embora arquétipos estilizados não deixam (aliás, por isso mesmo) de apresentar enorme eficácia turística.
Em festivais gastronómicos de diversa natureza (Rio Maior, Benavente, Santarém ou Salvaterra), ou feiras como o Colete Encarnado em Vila Franca, a Ascensão na Chamusca ou a Feira de Maio na Azambuja, constituem referências festivas, inclusive, nacionais.
No turismo religioso, naturalmente. E na paisagem, já se vê.
- Na paisagem?
Sim, embora o Vale do Tejo (para já não falar do bairro e da charneca) esteja dotado de uma paisagem de grande potencial, ainda não interiorizámos a ideia de paisagem como valor patrimonial.
Apesar de, por exemplo, Santarém estar dotada dos mais privilegiados locais de apreciação da mesma.
Apesar da conhecida canção tradicional (divulgada um pouco por todo o país) que fala do tal “lindo jardim de Santarém”: onde se “desfolhou [o tal] malmequer”.
Apesar da enriquecedora mutação sazonal de cenários; feita cores e disposições.
Tejo e lezíria, terra e água, céu e sol, plantações em tons de verde a perder de vista, manadas de bois e cavalos. Onde é que mais, isto existe?
- E o turismo religioso?
Também. Aliás, cada vez mais, um importante foco de atração de turistas portugueses e estrangeiros e não dependente, estritamente, de sazonalidades.
De que Fátima é, “apenas”, o elemento central.
Em que diversos monumentos religiosos consubstanciam inegáveis valores patrimoniais. Em que festas como a Senhora do Castelo, em Coruche, a Senhora da Boa Viagem, em Constância, Senhora do Pranto, em Dornes, da Atalaia no Montijo, do Espírito Santo em Tomar, Meia-Via, Carregueiros ou Azinhaga ou, ainda, o Santíssimo Milagre em Santarém, entre outros, dão corpo àquilo a que já se chamou o Festival Permanente no Ribatejo.
Mas, para isso, as cidades (a exemplo de Santarém) terão de ser mais afáveis e fidelizar melhor os turistas que as visitam. Nos acessos, nas informações, na valorização do património e, principalmente, na diversificação da oferta.
No caso desta, cultos adormecidos como a Senhora da Saúde ou Santa Iria (de quem os escalabitanos ainda não perceberam o potencial), factos históricos como a Conquista de Santarém ou as raízes muçulmanas (daquela que foi uma das mais importantes cidades muçulmanas do ocidente da Península), poderiam e deveriam sustentar focos de atração turística, cultual e historicamente integrados.
segunda-feira, 22 de outubro de 2018
Nós e os Outros - A naturalidade da diferença
Já algumas vezes tenho abordado a problemática da naturalidade da diferença (ou da sua ausência) independentemente das tantas vezes apregoadas liberdades de opinião (e respectivas liberdades de ação) que os novos tempos consagram.
Contudo, consagração à parte, continuam a manifestar-se inúmeras dificuldades em reconhecer aos outros, na prática, efetivos diretos de opinião e, principalmente, de ação.
Principalmente quando tais opiniões/ações colidem com as nossas. Em assuntos que reputamos de importantes. Quando pretendem questionar causas que nos são caras e gratificantes.
Por exemplo, nos recentes e sucessivos debates (mais discussões/altercações) acerca das peripécias futebolísticas que, diariamente, nos invadem através dos canais noticiosos nacionais, têm contribuído para usualizar entre nós a naturalidade, sim, mas da opinião dogmática como coisa comum e natural.
Ter opinião diferente é aí (se de cor diferente) sinónimo de abominável comportamento ou, se da mesma cor) de inqualificável traidor à causa; de alguém que não merece dizer-se adepto de um determinado clube.
A questão de ter uma opinião de acordo com os interesses do respetivo clube é assumido não só como natural mas igualmente como correto. E são este tipo de pessoas que, pela sua multiplicação e omnipresença, vão de maneira sub-reptícia formatando o senso comum nacional.
São estes os valores que vamos, subconscientemente, interiorizando. Com consequências particularmente gravosas.
A naturalidade da diferença transforma-se, aqui, na diferença da naturalidade.
Em discussões em que se pretende não convencer mas vencer; a qualquer preço e custe o que custar.
Vem isto a propósito de umas imagens que, não há muito tempo, correram na comunicação social, a propósito de uma manifestação anti taurina em Albufeira.
A história conta-se depressa: no decorrer de uma tourada, alguns (poucos) militantes anti touradas invadiram a arena, ostentando mensagens de condenação da festa brava. Tendo sido, prontamente, detidos pela polícia.
Até aqui tudo bem!
Os manifestantes interromperam temporariamente uma iniciativa legal a decorrer (logo numa ação ilegal) e as forças da ordem fizeram aquilo que lhe competia: detendo os manifestantes que, com certeza, foram apresentadas à justiça que lhes aplicou as medidas judiciais previstas na lei.
Contudo, mostravam as imagens, enquanto era conduzido por dois polícias, um dos manifestantes, era violentamente agredido por trás, perante o regozijo, ululante, da populaça e o alheamento, total, dos agentes da autoridade.
Simultaneamente, o agressor mimoseava-o ainda com obscenidades que, o canal (não me lembro qual), prestavelmente, traduzia.
A pergunta que se impõe é a seguinte: será que um cidadão detido deixa de ter direitos?
Ou os agentes estavam demasiados ocupados para impedir, ou tentar impedir o agressor?
Ou, simplesmente, estavam com medo?
Será que as imagens que identificam (suponho eu) o energúmeno serão usadas como elemento susceptível de abrir uma investigação?
Ou nestas coisas das sessões de porrada, mesmo que nas barbas da polícia, quem tem unhas (ou não tem as unhas presas) é que toca viola?
Era um manifestante anti taurino. Podia ser um manifestante pró taurino.
Ou um defensor do aborto. Ou contra o aborto.
Ou contra a morte assistida. Ou a favor dela.
Isto para só falar de causas sociais que enformam de susceptibilidades várias.
Continuam a ser seres humanos; merecedores de todos os direitos e mais alguns que tal natureza lhes confere.
No caso citado, apenas não detentor dos imperativos de liberdade.
Apenas isso!
A MULHER DO RIBATEJO - MITOS E EQUÍVOCOS
Pode-se dizer-se que, tradicionalmente, o papel social da mulher do Ribatejo tem sido objeto de vários equívocos?
- O equívoco, afinal, é só um: o de que os carateres de personalidade próprios da mulher ribatejana, que a tradição consagra, eram particularmente humildes e subservientes.
Daí decorre, depois, todo um conjunto de erróneas implicações sociais e até culturais.
Na verdade, não só tal configuração psicossocial não corresponde à realidade, como a mesma se nos revela aqui, pelo contrário, uma personagem bem mais autónoma e afirmativa; se comparada com a mulher de outras regiões.
E, arriscar-me ia a dizer, com a mulher das outras regiões!
Mas, se é assim, como se chegou aí?
Digamos que a suposta subserviência da mulher ribatejana surge como contraponto à utilização exacerbada do “mito do campino” e decorre das supostas virilidades e destemores do “homem do Ribatejo” consubstanciado este, precisamente, na figura do campino.
E se o campino foi elevado a arquétipo ribatejano no contexto dos arquétipos regionais que o Estado Novo promoveu como expressão sublimada das virtudes da raça (e, no seu caso, como símbolo do cavaleiro português de antanho que garantiu a independência nacional nos momentos difíceis de afirmação nacionalista), ao mesmo foram-lhe imputadas diversas e elevadas qualidades e virtudes que, gradualmente, se foram mitificando.
E se, como diz o povo, “só pode haver um galo numa capoeira”, o estatuto da mulher irá sofrer por arrastamento inverso. Virá, então, a ser encarada como alguém particularmente passivo e obediente. Situação, que convenhamos, não correspondia, de todo, à realidade existente.
Como poderíamos então, em termos de estatuto social, caracterizar a mulher do Ribatejo?
Esclareça-se que falamos, essencialmente, das “mulheres do campo” que, durante séculos, marcaram, social e laboralmente, toda a região; nomeadamente o Vale do Tejo a que, em tempos passados, se chamava Borda d´Água.
Trabalhadoras jornaleiras, como o homem. Que, como este, tinham a sua praça todas as semanas, onde iam vender a sua força de trabalho.
Aí, discutiam preços e condições com capatazes e proprietários. Daí, saíam para trabalhar, afastadas dos maridos, às vezes por dezenas de quilómetros. Labutando, toda a semana, lado a lado com outras mulheres (ou, até, com homens) de outras localidades.
Pessoas que, recorrentemente, tinham de reafirmar (alto e bom som) a sua fama de boas trabalhadoras; pois disso dependiam trabalho e salário.
Algumas, ainda, eram capatazas, habituadas a comandar grupos de trabalhadoras, servindo de porta-voz perante o feitor ou o proprietário, reivindicando remunerações ou condições de trabalho.
Pessoas de opiniões firmes e decididas, extrovertidas e assertivas; expressando e exigindo maior autonomia social.
Eram as mulheres do campo, camponesas morenas de corpo robusto e pêlo na venta, de sonoras gargalhadas e língua afiada, temperadas da geada e do calor da lezíria.
E até onde vai, afinal, essa autonomia?
Não existe, aqui, uma inversão social, esclareça-se. O homem continua a ser o chefe de família e a exprimir, de forma algumas vezes pública e violenta, esse estatuto. Mas a relação com a mulher e os filhos sofre de inegáveis caracteres subversivos, expressos familiar e comunitariamente.
Digamos que a imposição dessa liderança é, neste caso, aceite menos pacificamente. O come e cala de tantas outras zonas do país é aqui, diversas vezes, substituído pelo, mais problemático, come, …e não cala!
E de que maneira isso se refletia no dia-a-dia destas pessoas?
Ao contrário do que emana da literatura regionalista, elevadora do homem ao tal papel de arquétipo regional (feito de virtudes várias e ausência de defeitos), pode dizer-se que a mulher ocupava, no Ribatejo, uma posição de género significativamente menos subordinada que noutras zonas do território nacional!
O seu papel é mais marcante, tanto social, como profissionalmente!
Proletária e jornaleira, a mesma emerge, aqui, das brumas de uma história local e regional (em grande parte por fazer), como disposta a liderar causas sociais e comunitárias diversas.
Por exemplo, enquanto rapariga, na reivindicação do direito a escolher o conjugue ou, como mulher, na relação com o padre e a Igreja. Nestas situações e noutras, a mulher reivindica condições de ação e opinião muito pouco comuns na tradicionalidade feminina portuguesa.
Nas atividades lúdicas, como as danças e os cantares, o seu papel surge significativamente valorizado. Tanto nas desgarradas (competições de improviso poético extremamente populares), como até em certas danças mais competitivas como o bailarico ou o fandango, parte considerável das rivalidades locais, explícitas ou implícitas, eram (ao contrário do que se pensou durante décadas), expressas numa perspectiva homem/mulher!
Confirma-se, então, que a mulher também dançava o fandango?
Naturalmente. De facto, não só parecem ter sido dançarinas espanholas que, no século XVIII, alimentaram especialmente a popularidade desta dança nos teatros lisboetas como, inclusive, disseminado já um pouco por todo o país, as descrições efetuadas por autores portugueses e estrangeiros, durante a segunda metade de setecentos, apresentam-no, quase sempre, como dançado entre homem e mulher, em pé de igualdade.
Mais recentemente (de fins do século XIX até aos nossos dias) e mesmo sem a realização de um qualquer estudo global, tanto os estudos monográficos locais como as pesquisas minimamente sustentáveis (a propósito ou não) desenvolvidas por diversos grupos do Ribatejo constituem, disso, prova cabal.
Como se compreende, então, que muitas representações folclóricas só recentemente, tenham aceite a participação feminina?
É que, dentro do contexto que falámos, a identificação mítica do fandango com o homem do Ribatejo, dotado este dos tais caracteres psíquicos excecionais de força, vigor, destemor e virilidade, tornava naturalmente interdita, à mulher, a partilha de valências de caráter que lhe eram atribuídas. A sublimação mítica idealizou, aliás, cenários pictóricos em que o campino, dançando o fandango, seduz e conquista a mulher; completamente rendida aos encantos do bailador.
Na verdade, esta interpretação; pelo carácter restritivo e determinista das complexidades da natureza humana, pelo papel estritamente passivo (e de alguma forma servil) da mulher e pela redução de um sentimento à mera avaliação de um desempenho artístico, constitui, em rigor, um autêntico disparate!
Não obstante, persistiu até hoje. E foi criando, contra todas as evidências, um insensato senso-comum.
E porque é que nunca se percebeu isto?
Essa é, afinal, a grande questão:
- Primeiro porque durante décadas ninguém estudou o Ribatejo. Nem sequer o próprio campino foi objeto de estudo. Pelo contrário, era apresentado, apenas, como um símbolo mítico regionalista: alguém que tinha nascido já adulto e montado: cavalgando, garbosamente, pela vastidão da lezíria.
Dito de outra maneira, o Ribatejo era o campino e, este, o “Homem do Ribatejo”. O fandango era sua dança. Os touros, o seu desígnio.
- E, convenhamos, quando nas décadas de oitenta/noventa isso foi sendo, em parte, ultrapassado, já tais questões de género não eram tão evidentes, O modelo laboral tradicional tinha-se já, em grande parte, transformado.
- Depois, ainda, porque os ranchos folclóricos, na sua grande parte, não possuem nem as capacidades técnicas nem sequer interesse especial no estudo das condições de género.
- E, finalmente, porque os mitos exercem uma ação desertificadora em seu redor. A mitificação positiva do homem arrastou, afinal, uma gradual mitificação negativa da mulher. E os mitos, após, implantados, são extremamente difíceis de extirpar.
É muito grave se tal equívoco persistir no tempo?
Bom, para já, é uma cedência ao erro e um atropelo à verdade.
Naturalmente injusto para os registos memoriais da mulher ribatejana; cuja vida constituía nesses tempos, isso sim, um paradigma épico de esforço e superação.
E, principalmente, não contribui em nada (muito pelo contrário) para melhor perceber a realidade social e cultural de género, no nosso país e nossa região.
Afinal, só amamos aquilo que conhecemos.
E só conhecemos aquilo a que damos suficiente importância, para o olhar com olhos de ver.
Santos, causas e presciências
Por estranho que pareça à primeira vista, se existem, hoje, aspetos facilmente previsíveis são, com certeza, os respeitantes aos processos canónicos de santificação.
Principalmente, agora, que o Mundo se tornou global na sua perceção, mas uma aldeia na sua interação. Em que as conveniências canónicas obedecem a pressupostos universais e particularmente claros na adequação a evidentes imperativos canónicos e apostólicos.
Ou isso ou, então, deverei mesmo possuir insólitas capacidades premonitórias, até recentemente desconhecidas, que me têm permitido prever o futuro como qualquer profeta místico que se preze.
Desde a previsão da canonização rápida de João Paulo II (acontecida em 2014) que desenvolvi na obra “Videntes e confidentes: Um estudo sobre as aparições de Fátima”, editado em Abril de 2009.
Até à canonização de Francisco e Jacinta (em 2017), há décadas pendente pela funcionalidade devocional do Santuário: que sendo mariológico e universal, reporta (naturalmente) as solicitações de graças, diretamente, à Virgem Maria.
Afinal, João Paulo II foi um papa sofredor, alvo de atentados, oriundo do, à altura, ainda diabolizado Leste e que, convenhamos, de alguma forma, abriu a Igreja ao Mundo.
E no que concerne aos assim chamados “pastorinhos de Fátima”, tinha sido até admitido pela Igreja, o recurso, em última instância, a uma canonização mesmo sem o omnipresente milagre probatório. Excecionalidade, contudo, não necessária pois, após solicitação pública, logo se desencadeou (como aí tive, igualmente, oportunidade de prever) o ansiado milagre.
Afinal, os “pastorinhos”, tinham mesmo que ser rapidamente canonizados já que o processo de Lúcia (entretanto falecida) o exigia.
Porque Lúcia é a sustentação de Fátima.
As aparições são ela! E o desenvolvimento posterior dos factos, ainda mais!
Logo esta tinha de ser objeto de um processo particularmente rápido.
Por isso, tanto no livro “Foi a 13 de Maio na Cova da Iria”, editado em Março de 2017, como em entrevista concedida a um periódico regional em Janeiro do mesmo ano, tive oportunidade de afirmar que, a mesma, seria com certeza “canonizada em tempo recorde”.
Confesso, contudo, que não esperava recorde tão grande, como aquele que, recentemente, um periódico nacional revelava: mais de 1600 milagres; oriundos de cerca de uma vintena de países!
É obra!
Mais se informava, ainda, que as intervenções milagrosas se têm desenvolvido a uma média de 10 a 15 por mês!
Espera-se, aliás, que a mesma seja declarada “Venerável”, já em meados do próximo ano.
E eu a criticar a IURD por realizar “campanhas de milagres” com tempo e hora marcada!
Afinal, este é um processo de garantida promoção universal. Pela mediatização das intenções implícitas e até explícitas e pela globalidade interativa dos tempos modernos.
Chocante é, apesar de tudo, verificar o deserto taumatúrgico que envolveu Jacinta e Francisco, durante décadas; não resultando, daí, um simples milagre que se visse, em contraste com à enxurrada taumatúrgica “lucialina” em presença.
Afinal, Fátima pretende (naturalmente) perpetuar-se como o “grande altar do mundo” que é e, “Santa Lúcia” constitui, como é óbvio, vector determinante dessa estratégia.
E se os santos precisam tanto dos homens como, estes, deles (é a devoção humana, afinal, que os sustenta e vivifica), percebe-se assim, melhor, a manifesta desigualdade dos panteões celestes.
Seja como for, estes fluxos de santificação fatimitas ameaçam não ficar por aqui.
Pois o processo de beatificação do Cónego Formigão, iniciado em 2000 (e igualmente retardado por razões análogas às dos ditos “pastorinhos”) recebeu também, agora, um impulso determinante, com a concessão do atributo de “venerável” por parte do Papa Francisco.
E, também aqui, a sua concretização não deve tardar.
Aliás, o encarecido desejo manifestado na comunicação social por parte da Vice- postuladora da respetiva causa: “Temos grandes esperanças de que ocorra brevemente um milagre” corresponde, na prática, ao desencadear do mesmo. Que, a mimética, mais tarde ou mais cedo (provavelmente, mais cedo que mais tarde), proporcionará.
E como, pelos vistos, possuo as tais insuspeitáveis capacidades premonitórias posso, assim, garantir à citada Vice-postuladora que, após tão veemente anseio público manifestado, o ansiado milagre irá, naturalmente, “ocorrer”.
Esteja descansada.
Enfim, lá iremos ter, finalmente, um santo mais ou menos ribatejano.
Termine-se, a propósito, com uma simples reflexão acerca das diferentes naturezas estratégicas destes processos que geram afinal (como estamos vendo), taumaturgias tão dimensionalmente opostas!
Na verdade, enquanto alguns são fomentados e pressionados pela força da adesão das massas (expressa numa devoção crescente e assente em taumaturgias diversas) e aceites depois (ou não) pela Igreja, outros, como os aqui referidos, decorrem essencialmente de iniciativas e interesses eclesiásticos; revelando portanto, algumas vezes, dificuldades acrescidas na obtenção de milagres probatórios minimamente sustentáveis.
Sendo muitas vezes, necessário, um ligeiro empurrão.
sexta-feira, 20 de julho de 2018
Tolerâncias e intolerâncias na Escola Multicultural
A coexistência de culturas, em sociedades cada vez mais pluriculturais (que exacerbados imperativos migratórios acarretam) é, hoje, ditada por imperativos de diferenciação económica entre países (de um fosso económico cada vez maior) e de facilidades de informação e deslocação planetárias.
Entretanto, vivemos numa sociedade que tende para a globalização, não só económica e comunicacional mas, ainda, de valores e de princípios, que tendem, cada vez mais, para universais e humanistas.
Mas, tender não é necessariamente chegar! Muito longe disso!
Diferenças étnicas subsistem, naturalmente: perenes em termos físicos e de mudança lenta em termos culturais. E assim irão continuar!
È, portanto imperioso, aprendermos a viver com grupos e indivíduos portadores de valores e costumes manifestamente diferentes dos nossos.
Na Sociedade e na Escola!
Transportando-nos isto à, assim denominada, “Escola Intercultural”, e à reflexão que se impõe sobre o racismo e a xenofobia, sobre a tolerância e a intolerância face ao “outro”, numa Escola que se quer verdadeiramente do século XXI.
E o primeiro aspeto que devemos ter em conta, é que se trata de uma problemática complexa; De complexas causas, de complexas motivações atuais e, naturalmente, de complexas, abrangentes e delicadas soluções.
Pressupostos de intolerância
Comecemos por nos debruçar sobre as estruturas subjacentes às atitudes de intolerância, tanto na sua componente cognitiva (como se sabe, em grande parte estereotipada), até à social (não menos importante) passando, igualmente, por uma vertente emocional omnipresente e, frequentemente, culpabilizadora.
Como se sabe, os estereótipos pressupõem uma simplificação da realidade social, simbolizando-a e tornando-a, funcionalmente, mais percetível e identificável.
Por exemplo, em termos de identificação dos grupos humanos, a estereotipação tende a entendê-los como de um indivíduo só se tratasse, sem reconhecer as, naturais diferenças (ou, mais rigorosamente as infinitas diferenças), das personalidades que os constituem.
O caso mais extremo desta categorização, pode ser exemplificado pelo pensamento dicotómico; isento de matizes e situações intermédias. São brancos ou pretos, bons ou maus, amigos ou inimigos, “nós” ou os “outros”.
Assim, um eventual estigma envolve todos os indivíduos do grupo considerado, não tendo em conta diferenças de idade, sexo, estatuto social, formação cultural ou quaisquer outras.
Correspondem a uma visão da realidade muitas vezes irracional (emotiva, se quisermos), mas com que deparamos frequentemente; e que, de alguma forma, envolve o nosso quotidiano.
Esta categorização bipartida leva-nos, depois, a identificar os outros por uma perceção simplista e arquétipa de um qualquer aspeto físico (principalmente) ou cultural, ignorando-se porém, de forma muitas vezes ostensiva, as restantes particularidades.
Tal atitude, discriminatória já, potencia-se depois, especialmente quando se funde com outros aspetos de carácter (por exemplo, quando o indivíduo pertence a um grupo com menor poder ou prestígio) ou emocionais: por exemplo, quando o mesmo indivíduo ou grupo são vistos como uma ameaça.
Ensaiemos, então, um esboço de síntese caracterológica das razões psicossociais que podem levar a incrementar estas visões discriminatórias, aumentado o risco da intolerância face aos outros.
- Centrar a nossa atenção nas diferenças entre nós e os outros, tende a exagerar tais diferenças em detrimento das semelhanças.
- A eclosão de dois fatores considerados potencialmente ou efetivamente negativos (por exemplo a chegada de emigrantes e o incremento da droga, da criminalidade ou até do desemprego) tende a relacionar os mesmos num contexto absoluto e linear de causa e efeito.
- Os próprios estereótipos guiam a nossa interpretação da realidade e criam memórias seletivas dos acontecimentos, o que dificulta a sua superação. Digamos que, os dados positivos são considerados como exceção, os negativos como prova!
- Finalmente, mesmo que venhamos a considerar positivamente um qualquer indivíduo doutro grupo/cultura, o estereótipo impede que generalizemos essa apreciação. Será visto, mais uma vez, como uma exceção.
Uma pessoa por quem temos estima, não porque,... mas,... apesar de!
Na verdade, grande parte da nossa intolerância resulta de situações essencialmente emocionais que, embora possamos dizer não resistiriam a uma simples análise metodológica, dominam e persistem, numa irracionalidade muitas vezes cega mas, nem por isso, menos eficaz!
Nós e os “Outros”
Por exemplo, os “bodes expiatórios”, decorrentes da culpabilização dos “Outros” face a situações vigentes de tensão e frustração ou, até, de instabilidade social ou económica. A história recente do Povo Judeu, numa Europa supostamente humanista, é bem paradigma, lamentável, de tal pressuposto.
A isto podemos juntar a necessidade de afirmação do “nosso grupo” face ao “outro”, ao estranho, reforçando a nossa coesão, mas igualmente o nosso estatuto interno e, obviamente a efetiva integração no mesmo.
E aqui, podemos dizer que existem dois vetores que tendem a potenciar esta atitude: por um lado o reforço da nossa identidade construída assim por oposição aos outros, por outro, a criação do inimigo externo, tornado assim ”bode expiatório” de todos os males e mais alguns.
Situação que não deixa sequer, muitas vezes, emergir a natural empatia e solidariedade para com o marginalizado e discriminado.
E, o mais paradoxal, é que nos baseamos numa perceção pretensamente ética, acreditando (querendo acreditar) que o outro é o único (ou principal) culpado da sua situação.
Deus ou a Natureza, determinismos ou fatalidades conjunturais, razões aleatórias ou pressupostos primevos, são vistos como causas explícitas e implícitas, que sustentam inferioridades evolutivas técnicas ou económicas, políticas ou sociais, justificadas assim e, supostamente fundamentadas, pela ausência ou menoridade de capacidades ou de conhecimentos considerados próprios de gente civilizada!
Entre outras coisas, isto descansa a nossa consciência!
São, portanto, atitudes deformadas da perceção da realidade que nos levam, muitas vezes, a encarar os outros como inferiores ou piores.
Deformações que resultam de manifestas expressões de interesse e solidariedade grupal, do desconhecimento, do horror à diferença, quantas vezes... do medo!
Atitudes preconceituosas, que servem, frequentemente, para legitimar diferenças grupais de estatuto e poder. Foi, aliás, considerando os escravos e os “selvagens” como “naturalmente inferiores”, que se justificaram durante séculos, genocídios e expropriações de bens, de territórios e, até, da própria dignidade humana.
A escola e a diferença
De tudo isto se deduz que não basta abrir as nossas escolas a outras culturas étnicas. Nem incluir elementos culturais que lhe são próprios, no currículo escolar.
Nem sequer (e dando já de barato o complexo de dificuldades associadas a esta estratégia) abrir a Escola à Sociedade em que esta está inserida.
É preciso tudo isso! Mas, convenhamos, bem mais do que isso!
È preciso que o docente seja mais que um papagueador do programa. Mais que um simples catalisador, mesmo que fluente, da transmissão do conteúdo programático aos discentes.
Que não se reduza a reconhecer a presença de outras realidades culturais na sala de aula. Que não as encare como expressões pitorescas de singularidades étnicas.
Que não as veja como variantes do modelo padrão existente entre nós.
Que não trate os seus portadores como uma espécie de atrações circenses, nem expresse, por eles, um paternalismo quantas vezes humilhante!
Mesmo que bem intencionado!
É preciso que esteja sensibilizado para a naturalidade da diferença, que o etnocentrismo tantas vezes subverte, implícita ou explicitamente.
Que veja na diferença não um obstáculo, mas um estímulo! Não uma contradição, mas um enriquecimento dos valores patrimoniais em presença!
Que perceba que as diferenças entre as culturas (que os diferentes grupos humanos veiculam), são profundamente influenciadas pelo contexto social e pela transitoriedade histórica. Por opções de progresso e por diferenças de oportunidade.
Que, por exemplo, já na África existiam grandes civilizações, capazes de erigir construções ciclópicas (consideradas hoje maravilhas do mundo), ainda os europeus corriam atrás de bisontes com machados de pedra!
Estará então dotado de condições psicossociais para vir a desenvolver mecanismos pedagógicos e vivenciais que permitam aos alunos tolerar melhor a incerteza (que é nossa companheira inseparável no mundo de hoje), de forma a fazer consolidar identidades em formação sem necessidade de o fazer contra quem quer que seja.
Promovendo e estimulando contactos intergrupais e interpessoais. De forma a descobrir que somos, ao mesmo tempo, iguais e diferentes: homens e mulheres, europeus e africanos, “gadjés” e ciganos, cristãos e muçulmanos, indivíduos com ou sem “necessidades especiais”.
Vivendo a tolerância como valor; nunca como obrigação. Mesmo que revestida do prestígio humanista contemporâneo.
Estará, então, em condições de ajudar a fazer de uma Escola com todos, uma Escola para todos. Ou, se quisermos, uma Escola de todos!
Assim lhe sejam fornecidas condições instrumentais, temporais e, principalmente, psicossociais. De que, hoje, tanto carecem.
Subscrever:
Mensagens (Atom)