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sábado, 15 de outubro de 2016

O Suplente



O aproximar do dia das eleições vem electrizando a postura, normalmente formal e discreta, do Simplício.
Após uma marcação cerrada aos líderes regionais e uma tentativa, de alguma forma bem sucedida, de se tornar indispensável, conseguiu o seu desiderato principal: um lugar nas listas do Partido, condição prévia, que se espera premonitória, de um futuro auspicioso.
Corresponder o dito a um dos últimos lugares suplentes poderia até ter desanimado alguns menos entusiastas ou, quem sabe, frustado alguns mais impulsivos. Contudo, não o Simplício!
Apoiando-se na sua humilde (mas badalada) origem rural, este sabe, como diz o povo que tantas vezes evoca, que as “cadelas apressadas parem os cães cegos”.
E cego é aquilo que ele não é! Ele sabe que as próximas eleições podem abrir um mundo de oportunidades. Ou, se quisermos, de forma mais rigorosa, um novo mundo de oportunidades.
A lista constitui uma oportunidade de notoriedade e a notoriedade desde que enquadrada num círculo de conhecimentos adequados pode fazer ganhar o céu a quem recentemente chegou ao mundo real, recém-formado, sem experiência profissional e sem grande apetência para a travessia do deserto que esta exigiria.
Até porque, só próximo do poder podemos influenciar o dito a tomar as decisões mais adequadas e, desta forma, contribuir realmente para desenvolver este país, melhorar a qualidade de vida e servir, assim, o povo que somos.
Não é, com certeza, provocando agitação nas empresas e nas ruas, reivindicando de forma ineficaz condições descabidas ou já previstas nos programas de governo, que o país consegue recuperar as décadas de atraso que leva dos seus parceiros europeus.
O Simplício sente, assim, não só que é seu inequívoco direito como, inclusive, seu dever, partilhar das ingratas responsabilidades que o poder acarreta. Contra tudo e contra todos, inclusive a incompreensão daqueles que tudo resumem a “jobs” e a “boys”, como se o mundo fosse feito apenas de oportunismos e interesses mesquinhos.
Como lhe seria fácil manter-se cómoda e passivamente, “assistindo de poltrona” ao mergulhar do país cada vez mais fundo, no caos para o qual outros o arrastaram.
Mas o Símplício sente que tem qualquer coisa a dizer sobre o assunto. Que o país precisa do Partido e o Partido precisa dele! Da sua determinação, clarividência, honestidade e inexcedível sentido de justiça!
Só de pensar nisso uma irritação envolve-o como num frenesim. Perpassa-lhe a pele, eriça-lhe os cabelos, sobe-lhe pela garganta, num amplexo asfixiante que o oprime e emociona.
É que se existem coisas a que ele é particularmente sensível, é às injustiças. Foi esta, aliás, uma das principais razões porque aderiu ao Partido.
“Justiça e modernidade” será até a frase chave que escolherá quando, alguma vez, a estratégia de campanha passar por uma bem mais destacada disponibilidade eleitoral da sua pessoa.
“Justiça e modernidade”! É disto que o país precisa! Valores pragmáticos, alheios a utopias, assentes na competência, capazes de fazer deste país algo mais que o “carro vassoura” de um percurso europeu a várias velocidades.
O resto é conversa para eleitor ouvir. Conversa fiada, de quem prefere falar a agir. De ingratos e mal intencionados. De derrotados e perdedores.
E perdedor, foi aquilo que, à cabeceira do leito paterno, acompanhando os últimos suspiros, o Simplício prometeu veementemente que nunca seria!
É um facto que lá no fundo, bem lá no fundo, a sua consciência briga ainda com pressupostos residuais dos seus tempos de militância estudantil em que os valores e ideias apresentavam, até, contornos esquerdistas.
Épico, esforçado e digno dos maiores encómios tem sido, na verdade, o seu esforço para ultrapassar definitivamente tais empecilhos filosóficos. É que a percepção da realidade que o envolve parece apostada em infernizar-lhe o juízo quanto à racionalidade ideológica das suas opções actuais.
Mas não é em vão que o Simplício é tido como pragmático. Talvez se não possa dizer que nunca se engana e raramente tem dúvidas. Mas é moço de convicções firmes, dúvidas escassas e decisões empenhadas.
Portanto, se há coisas que se têm que fazer, “o que tem que ser tem muita força”, remata, peremptoriamente, de si para si.
E se, na verdade, a sua percepção das coisas, aqui e ali, apresenta ainda algumas dificuldades em enquadrar-se harmoniosamente na realidade vigente, paciência,….  problema da realidade!

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