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quinta-feira, 14 de setembro de 2017

A Grande Guerra e as aparições de Fátima




Pode dizer-se, de forma sintética, que a história política do século XIX constitui uma luta contínua entre (por um lado) o liberalismo, assente no papel da burguesia e defendendo a autonomia do poder temporal e, por outro, filosofias conservadoras em que a nobreza e a Igreja funcionam numa sintonia mais ou menos orgânica, como orgânica é a relação (poder-se-á dizer antidemocrática) entre a lógica de sucessão aristocrática e a fórmula de ocupação dos cargos clericais.
Na verdade, tanto no sistema aristocrático como na igreja, o poder (logo o exercício do poder) decorre de Deus, seja por direito familiar seja por inspirada escolha dos seus pares.
Ora, para a burguesia, liberal e racionalista, a origem primeva dos poderes irá transitar ideologicamente de Deus para a Nação, com todas as implicações daí resultantes.

O anticlericalismo republicano
É este o contexto que a República (no inicio de novecentos) vai encontrar e, em relação ao qual, irá atuar. Imersos num processo revolucionário cuja febre se apodera do país, os republicanos identificam a Igreja com a Monarquia e irão agir em consonância.
Afinal, embora a esmagadora maioria do povo seja católica, os sectores progressistas e intelectuais e a opinião pública urbana (ou, se quisermos, aquela parte da população urbana que tem opinião) nutrem, nessa época, um forte sentimento anticlerical.
Ora, a Concordata de 1848, tinha aberto caminho a uma reafirmação do poder e influência tradicionais da Igreja; cujo prestígio (pelo menos no interior rural) permanecerá inalterado e, talvez até reforçado, pela hostilidade liberal.
Regressadas, as ordens religiosas voltam a enriquecer, enquanto a nomeação secular dos bispos não impede uma cada vez maior obediência ao Vaticano. As escolas permanecem nas mãos da Igreja. Os cerimoniais religiosos continuam, afinal, a consagrar o ciclo de vida das populações.
E se os liberais tinham encarado a teologia como boa e a sua aplicação como má, os republicanos vão bem mais longe: considerando, simplesmente, que “a igreja não tem lugar na sociedade1!
Expulsam, de novo, os jesuítas2, separam a Igreja do Estado, despojam a mesma dos lugares de culto, proíbem o ensino da religião nas escolas públicas, publicam a lei do divórcio, acabam com os dias santos, exigem permissão para o exercício do culto, proíbem os símbolos religiosos nos lugares públicos, etc.,..
Uma política radical destas, irá impressionar fortemente as massas católicas, em grande parte ruralizadas. Que não compreendem as razões sociais de tais estratégias e veem, em tudo isto, a obra do demónio.
Estados emocionais ir-se-ão radicalizar e exacerbar, criando na população como que uma convicção plena de que estava a chegar o “reino do anti-cristo”.

            A entrada na guerra
Em Março de 1916, Portugal entra na Grande Guerra. Tal facto há-de ser aproveitado pela Igreja e levá-la, “juntamente com elementos laicos que lhe são afectos, a retaliar, aproveitando naturalmente o aumento de religiosidade popular {ou, se quisermos, com mais rigor, o aumento popular de religiosidade} que acompanhou a entrada na guerra”.
A falta de referenciais simbólicos patrióticos ligados à República, uma propaganda ineficaz e um exército pouco motivado (ligado que estava ao ruralismo religioso e monárquico) colocam a Igreja como opositor privilegiado3.
A falta de alimentos agrava a conflitualidade latente. A igreja pintará de negro, ainda mais negro, a situação existente.
Desencadeiam-se então motins populares reprimidos, duramente, pelas forças da ordem, Movimentos grevistas, já minimamente organizados, vão contribuir igualmente para alargar tais agitações às zonas urbanas.
A hostilidade atinge níveis elevados de intensidade. O clero, cerceado nos seus rendimentos e sentindo diminuir a frequência à missa, reforça a ofensiva. Nos púlpitos, os padres pregam abertamente contra a República.
Na zona de Fátima a situação não é diferente. Situação que há-de levar à prisão do pároco de Fátima, do seu superior imediato o Padre Faustino, do Vigário do Olival e, até, daquele que virá a ser, posteriormente, o Bispo de Leiria.

Afinal a Primeira Guerra Mundial onde perderam a vida centenas de milhares de soldados, constituiu para as populações europeias (mesmo aquelas de que dela participaram à distância) uma página extremamente negra da história europeia.
Numa guerra de trincheiras em que dezenas de milhares de homens morriam, nalguns casos, para conquistar uns metros de terreno ou um ponto estratégico mais elevado (que algumas vezes se voltava a perder rapidamente) os soldados eram nessa altura, literalmente, carne para canhão.
Marcado pela fome e respectivo racionamento, o terror da mobiliação punha em desespero, próprios e familiares.
Terror que tinha evidente razão; o índice de mortes era aterrador.
E é neste contexto que, em Maio, surgem as aparições.

A Virgem e a menina
Pode dizer-se, a propósito, que as aparições constituem manifestações hierofânicas decorrentes de determinadas condições sociais, assentes em catalisadores culturais bem definidos e tendo como elemento polarizador a personalidade do vidente!
As divindades aparecem sempre aos seus particulares devotos ou, em casos especiais, antagonistas; indivíduos que com eles possuem intensas conexões positivas ou, ocasionalmente, negativas.
As suas configurações refletem sempre os modelos estereotipados que imagens e gravuras iconográficas apresentam em templos ou edições canónicas e que impregnam, fortemente, o folclore religioso local
Corria, então, o ano de 1917 e o país encontrava-se mergulhado na tal conjuntura social e política difícil; envolvido externamente na Grande Guerra e internamente numa acesa conflitualidade entre o Governo da República e a Igreja. Tudo isto no contexto de um tecido social ruralista e conservador, de incipiente nível educacional e em que as sucessivas homilias dos milhares de igrejas, todos os domingos condicionavam, fortemente, mentes e corpos.
Preocupado com a guerra, o Papa Bento XV envia, em 5 de Maio, uma missiva/apelo aos católicos de todo o mundo, para participarem, numa cruzada de orações, dirigidas à Virgem, cujo objetivo era fazer “conhecer aos episcopados do mundo inteiro o nosso ardente desejo de que se recorra ao coração de Jesus, trono de graça e a que a esse trono se recorra por intermédio de Maria4”.
Um pedido expresso papal concretizado numa linear ordem litúrgica: nas litanias à Virgem, dever-se-ia, daí em diante, acrescentar: Rainha da Paz! Rogai por nós!
Para os crentes existia uma óbvia discrepância e um “quase sacrilégio entre as palavras da Virgem e a insistência do Governo em enviar mais 4000 homens para França5”.
Deste modo, desde o início, Fátima (tal como, noutro contexto, La Salette e Lourdes) que, é um facto, constituiu um inegável manifesto contra a estrutural laicização em curso que a República personificava, utilizará a guerra como elemento agravante na formulação explícita do libelo acusatório.
Esta mensagem foi, provavelmente, transmitida em Fátima na missa de domingo, a 13 de Maio. Diz Alfaric (e não é propriamente difícil concordar com ele) que, tudo leva a crer, a mesma terá sido, aí, “comentada pelo pároco sob uma forma simples e ingénua, como convinha ao auditório respectivo6”.
Ora, Lúcia, tinha um irmão na iminência de ser mobilizado e, também por isso, é de admitir como muito provável que tal problemática a tivesse afetado e impressionado de forma muito particular.
Fosse como fosse, numa vivência campestre extremamente dura, o dia do senhor não obstava a que o gado tivesse de ser alimentado, assim se compreendendo que, após o serviço religioso, Lúcia e os primos se aprestassem a tirar os rebanhos para os levar a pastar, durante algum tempo, no local habitual.
Ao meio-dia (dizem as crónicas) os três rezam e comem. Não custa adivinhar que a problemática da guerra e da possibilidade da intervenção divina esteja de alguma forma presente, explícita ou implícita, na citada oratória e, naturalmente, nas respectivas mentes infantis.
Não nos esqueçamos que estamos a falar de crianças; cujo mundo se resume ao que os seus sentidos percecionam, a um imaginário cultural que as envolve e a uma educação quase exclusivamente religiosa. Crianças, em que o real e o simbólico de uma teologia necessariamente prosaica, se confundem em inconsciente simbiose.
De repente, um relâmpago cruza os céus. Fogem com os animais para casa mas surge um segundo relâmpago e depois um terceiro, que quase os cega.
E é nessa altura que, segundo Lúcia, ela vê uma figura feminina aparecer sobre a forma de uma luz resplandecente.

E assim se inicia um processo que, após algum tempo de hesitação e desenvolvimentos algo inesperados, há-de levar ao reconhecimento dos fenómenos por parte da Igreja e após um processo gradual de adequação dos testemunhos (que termina, apenas, duas décadas atrás), criar as condições que hão-de conduzir à construção, material e espiritual, do grande santuário aí existente.
Entre Maio e Outubro as notícias espalham-se rapidamente num tecido social e numa conjuntura, social e política, propícia. O número de peregrinos aumenta vertiginosamente.
Em Outubro a anunciada revolução bolchevique na Rússia (cujo temor configura já os respectivos fenómenos fatimitas), agrava ainda mais a inquietação e incrementa o pânico do comunismo; visto, este, como a encarnação mais completa do Diabo.
E é afinal, nesta época de especial perturbação, interna e externa, que Fátima irá caldear as suas condições de afirmação.
O fim da guerra
Um dos temas de diálogo entre Lúcia e a Virgem será, como se sabe, o fim da guerra.
A previsão mais famosa das mensagens fatimitas teve a ver, precisamente, com a ansiada data do fim do conflito.
Aliás, talvez nenhum outro aspeto tenha contribuído tanto para desprestigiar os fenómenos fatimitas (principalmente entre os não crentes) como a previsão do fim da Grande Guerra, anseio, à época, particularmente premente.
Afinal, o conhecimento do futuro foi sempre, em todas as sociedades, um desiderato de especial importância e, o seu alegado sucesso, condição de excecionalidade sempre prodigiosa.
E, de uma forma ou doutra, sempre a premonição, feita muitas vezes profecia, esteve ligada ao transcendental; religioso ou não, doutrinário ou não! De uma maneira geral, as potestades apresentam-se como detentoras do conhecimento de um futuro visto sempre como determinável e, do qual, de alguma maneira, são igualmente artífices.
A sua revelação é, contudo, naturalmente interdita. A não ser, é claro, em ocasiões muito especiais; a confidentes muito especiais!
O anúncio do fim da guerra, feito pela Virgem a Lúcia, pretendia ser, assim, mais um milagre pretensamente probatório da excecionalidade divina das epifanias fatimitas.
Pretendia,.. mas não foi!
Porque, ao contrário das profecias pitonísicas, esta, falha redondamente!
Porque veiculado por uma adolescente, inculta, embora convicta da sua singularidade, não se encontrava dotado dos mecanismos preventivos necessários que pudessem obstar à uma eventual desacreditação8.
Faltava-lhe o carácter de contingência que é próprio dos mecanismos premonitórios desde o início dos tempos. A saber; uma profecia difusa e eventual, de multiplicidade interpretativa e eivada de condicionalismos funcionais que, em si mesmos, constituam defesas necessárias (e, quase sempre, suficientes) contra resultados imprevistos e indesejáveis9
Aqui, a revelação (feita premonição), é simplesmente linear: “a guerra acaba hoje; esperem cá pelos militares muito em breve”, afirma perentoriamente a Senhora, tal como Lúcia revela, ao padre Marques Ferreira (um dos autores mais fiáveis), escassos dias após o acontecimento10.
Mas, já no próprio dia treze, interrogada pelo Cónego Formigão, tinha declarado ao mesmo, e cito: “que a guerra acabaria ainda hoje e esperássemos pelos nossos soldados muito em breve11”.
O mesmo diz, aliás, Avelino de Almeida, enviado especial do Jornal O Século e testemunha direta, referindo-se ao que ouviu, precisamente a 13 de Outubro, na Cova da Iria: “Lúcia fala com a Virgem e anuncia, em ademanes teatrais, (..) que a guerra terminara e que os soldados iam regressar12”.
Bem, ainda, como o padre Ferreira de Lacerda, em inquérito efetuado ainda durante o mês de Outubro, onde a vidente volta a afirmar que a Virgem lhe dissera “que a guerra acabaria ainda hoje e que esperássemos pelos nossos militares muito em breve13
Não é assim de admirar o incómodo com que esta problemática tem sido tratada. Incómodo já presente no jornal católico O Mensageiro de Leiria que, a 18 de Outubro de 1917 (quando já se sabia que a guerra não terminara), e numa interpretação muito livre, traduz tal revelação da seguinte maneira; “a guerra acaba por estes dias, brevemente os soldados regressam a Portugal14!
Até porque, não conscientes do imbróglio que criaram, as crianças (principalmente Lúcia), insistem em afirmar que a Virgem tinha anunciado o fim da guerra para próprio dia 13 de Outubro.
Por exemplo, em dezanove do mesmo mês, o Cónego Formigão, incomodado naturalmente com a imprecisão factual, volta a interrogar Lúcia acerca das palavras precisas que a divindade pronunciara. Esta responde-lhe: “disse assim; a guerra acaba ainda hoje. Esperem cá pelos vossos militares muito em breve”.
Bem se esforça Formigão por obter resposta diferente ou que, pelo menos, pudesse ser objeto de diferente interpretação.
- “Algumas pessoas afirmam que te ouviram dizer, nesse dia, que Nossa Senhora tinha declarado que a guerra acabava brevemente. É verdade!”
- “Eu disse, tal e qual, como Nossa Senhora tinha dito!”
E só após pacientes e demoradas insistências consegue que a mesma admita que pode estar enganada:
- Não me recordo já bem como ela disse. Poderia ter sido isso, não sei... talvez não entendesse bem a Senhora15
E foi tudo o que Formigão conseguiu, neste processo de inquirição eivado de induções e de, implícitas e, explícitas, sugestões.
À distância, o que se pode deduzir daqui, é que a convicção de Lúcia (tivesse ela a origem que tivesse) se manifesta como substancial. Aliás, ser submetida a sucessivos interrogatórios por personagens particularmente temerosos na sua respeitabilidade e continuar a afirmar, sucessivamente, a “sua verdade”, é algo digno de registo.
Comprova assim, de alguma forma, não só a firme convicção que é própria dos videntes em geral mas, igualmente, as idiossincrasias que normalmente lhe são imputadas: um carácter pouco impressionável e uma vontade especialmente forte.

Postas as coisas nestes termos, não é assim de admirar que o processo de credibilização vintista tenha, igualmente, gerado tentativas canónicas diversas destinadas, se não a ultrapassar as incongruências existentes, pelo menos a revesti-las de uma dúvida minimamente razoável.
Por exemplo, em 1924, Lúcia deporá num inquérito com esse propósito e aí afirmará, tentando (dir-se-á) dourar a pílula: “parece-me que a Senhora disse: a guerra acaba hoje mas, minha prima Jacinta, disse-me em casa, que a Senhora falou assim: convertam-se que a guerra acaba dentro de um ano16!
Tudo isto, não o esqueçamos, quando Jacinta tinha falecido já há muito e há muito se sabia, naturalmente, quanto tempo, ainda, tinha durado a guerra.
Contudo, mesmo esta tentativa (algo desconexa) acaba por se revelar insustentável. Na verdade, a própria Jacinta, no referido 19 de Outubro de 1917, inquirida igualmente pelo Cónego Formigão (que lhe fazia notar que a guerra continuava, à revelia do que ela e a prima tinham afirmado), dirá a propósito, num diálogo surrealista que só a ingenuidade infantil pode explicar:
- Nossa Senhora disse que quanto chegasse ao céu a guerra acabava.
- Mas a guerra não acabou!
- Acaba, acaba - insiste a pequena na simplicidade dos seus sete anos.
- Mas, então, quando acaba?
- Cuido {penso} que acaba no domingo17!

Insustentáveis, ou não, tais adequações acabarão por, à falta de melhor, atenuar a incongruência de uma inexatidão de facto, extremamente gravosa da credibilidade dos fenómenos.
Incongruência que, afinal, só poderia acarretar duas explicações: ou a Senhora mentiu ou enganou-se (e deste modo não seria uma divindade) ou Lúcia mentiu ou enganou-se e, deste modo, punha em causa a fiabilidade não só das aparições mas, e principalmente, dos diálogos aí travados, de que é, quase em absoluto, única sustentadora.
Compreende-se, assim, porquê o Cónego Formigão, que bem se esforçou (neste como noutros casos), por adequar convenientemente os testemunhos, reconhecerá em 1921, na primeira obra publicada sobre Fátima, ao analisar as diferentes opiniões que estes acontecimentos geraram no seio da igreja: “as affimações das creanças relativas ao próximo fim da guerra contribuíram para essa divergência de opiniões18”.
Deste modo, as décadas seguintes hão-de assistir a um suceder de alegadas explicações, algumas particularmente imaginativas, numa tentativa desesperada de explicar o inexplicável.
O resultado podemos encontrá-lo, já em 1954, numa afirmação atribuída a Lúcia: “Devido talvez a preocupar-me com a preocupação das diversas graças que tinha para pedir a Nossa Senhora, houve engano de entender que a guerra acabara no próximo dia treze19”.
Por isso as versões (pelo menos oficiosas) deste episódio, hão-de alterar as palavras supostamente divinas por outras menos problemáticas. A exemplo de Deidre Manifold, uma escritora apologética, cuja versão moderna é, na verdade, bem mais conveniente: “a guerra vai acabar e os militares voltarão, em breve, para casa20”.

Mas a problemática da guerra não vai ficar por aqui. Impregnará, por gradual afetação, os famosos três segredos de Fátima; (questão desenvolvida muito mais tarde), nomeadamente no que concerne à componente visão do Inferno.
Afinal, só em 1941 tal temática adquirirá contornos de elaboração e adequação doutrinária, embora naturalmente contextualizados pela conjuntura temporal.
Fica-se assim a saber que o primeiro segredo é, não só uma descrição do inferno, mas inclui, ainda, uma vertente profética, que a sua divulgação, posterior aos acontecimentos, permite ser agora mais certeira21!
A guerra vai acabar {a Primeira Guerra Mundial assinale-se} mas no reinado de Pio XI, começará outra pior. Quando virdes uma noite alumiada por uma luz desconhecida sabei que é o grande sinal que Deus dá22”.
Se acreditarmos que estas revelações são oriundas de 1917, apesar de (por insondáveis desígnios divinos) só se terem tornado públicas depois dos acontecimentos se terem verificado então, teremos igualmente de admitir que as mesmas não só previram o início da Segunda Guerra Mundial, como também a aurora boreal que a anunciou e, ainda, que o papa que reinaria, nesse tempo, teria o nome de Pio XI!

Seja como for, pode dizer-se que a questão da guerra é transversal a todos estes episódios primevos que criaram o grande altar do mundo que Fátima, hoje, é.
Fator causal e configurador dos referidos episódios, pode dizer-se que, sem a Grande Guerra (e, já agora, sem a conflitualidade com o Governo Republicano), esta dificilmente aconteceria.
Afinal, Fátima é a expressão promovida de acontecimentos hierofânicos várias vezes verificados e repetidos, em diversos tempos, com diversas configurações e em diversificados cenários conjunturais e socioculturais.


[1] Manuel Tiago Martins, op, cit., p. 26.
2 Desde que estrangeiros ou naturalizados. Aliás pela importância que tinham na Igreja portuguesa, os jesuítas foram, diversas vezes, usados como bodes expiatórios e expulsos do país. Pela Monarquia Absoluta, pelos liberais e, neste caso, pela República.
3 Filipe Ribeiro de Menezes. op. cit., p. 134.
4 Cónego Barthas, op. cit., pp. 10 e 11.
5 Filipe Ribeiro de Menezes. União Sagrada e Sidonismo: Portugal em Guerra, op. cit., p. 133.
6 Prosper Alfaric, op. cit., p. 38.
7 Cónego Barthas, op. cit., p. 265.
8 Aliás se pretendesse-mos um fator validador da hipótese taumatúrgica auto-induzida, uma profecia destas serviria, perfeitamente, de exemplo cabal. Nenhuma divindade erraria dessa maneira, nenhuma conjura clerical cairia na asneira de prever, de forma absoluta, algo que não estava nas suas mãos acontecer. Por isso Ilharco (adepto desta última) é obrigado a considerar tal afirmação como constituindo uma decisão autónoma de Lúcia; independentemente das, por si defendidas, orientações clericais. Na verdade, a afirmação é de Lúcia (como, provavelmente, todo o processo) talvez aqui entusiasmada com a crescente importância dada às suas palavras, susceptíveis de a fazer acreditar cada vez mais em si e na construção mística que ia criando. Além disso, não podemos esquecer que estamos a falar de crianças de tenra idade, pouco instruídas, cujo imaginário se resume ao tradicional coletivo e àquilo que a família e a Igreja lhe iam transmitindo. Crianças que tinham natural dificuldade em separar a imaginação da realidade.
9 Por exemplo, aquele que (embora sem carácter profético), é aplicado às respostas da Senhora (nas aparições propriamente ditas), às solicitações de curas por parte de Lúcia. “Daqui a um ano encontrará melhoras” diz a Senhora; expressão dúbia com resultados que podem significar muitas coisas e, ser interpretados, de muitas mais. Ou, então, “se se converter, curar-se-á durante um ano”, concretizando-se agora o ato e o tempo mas fazendo depender tal desfecho de uma condição, em rigor absoluto, nunca comprovável.
10 Padre Marques Ferreira, Pároco de Fátima: in Costa Brochado; Fátima à Luz da História, op. cit., pp. 325 e seguintes.
11 Visconde de Montelo, As Grandes Maravilhas de Fátima, op, cit., p. 99.
12 Avelino de Almeida, Jornal O Século de 15 de Outubro de 1917.
13 Padre Ferreira de Lacerda, Jornal O Mensageiro de Leiria, nº 160, de 2 de Novembro de 1917.
14 Jornal O Mensageiro de Leiria, nº 158, de 18 de Outubro de 1917.
15 Visconde de Montelo, op, cit., p. 109.
16 Revista Brotéria de Maio de 1951, p. 519.
17 Visconde de Montelo, As Grandes Maravilhas de Fátima, op, cit., p. 117.
18 Visconde de Montelo, Os Episódios Maravilhosos de Fátima, op, cit., p. 10.
19 Visconde de Montelo, citado em Fátima Altar do Mundo, fasc. XVI, op. cit., p. 96.
20 Deidre Manifold, Fátima; a Grande Conspiração, op, cit., p. 23.
21 Enfim, não tão certeiro como isso no que respeita ao fazer coincidir o início da Segunda Guerra Mundial com o pontificado de Pio XI.
22 Terceira Memória de Lúcia, op, cit., p. 219.


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